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Globo)
Entrevistado
pelo jornalista Roberto D’Ávila, neste 28 de junho, o ministro Luiz Roberto
Barroso contribuiu com outro monstrengo ao museu inaugurado pela Ação Penal
470. Referindo-se ao equívoco do impedimento de Dilma Rousseff, o ministro
enunciou com bem estudada confusão a tese de que ocorrera uso de procedimento
de regime parlamentarista em regime presidencialista. Evitando o diagnóstico de
golpe parlamentar, referiu-se em momentos diferentes do argumento ao fato de
que a presidente impedida perdera a confiança da maioria do Congresso e, com
isso, a votação condenatória teria proferido uma moção de desconfiança ou de
censura, daí seu afastamento. Patranha, do início ao fim.
A tese
começa por presumir que a existência de insatisfeita maioria congressual
aprovando o impedimento comprovaria a tintura parlamentarista da medida. Ora,
sem maioria congressual não se provoca queda de gabinetes parlamentaristas do
mesmo modo como sem maioria não se destitui um presidente, e nem mesmo se
altera preceito constitucional. De fato, sem maioria não se aprova nada em
Legislativo algum do mundo, não se trata de característica exclusiva de moções
parlamentaristas. Ademais, uma coisa é fazer cair um gabinete, cuja
legitimidade se origina e depende da opinião majoritária do Legislativo, outra
coisa é interromper o mandato de um presidente, cujo mandato deriva de voto
popular. Finalmente, o mecanismo de voto de censura ou desconfiança no governo não
existe na legislação brasileira, exceto quando expresso em rejeição de projetos
propostos pelo Executivo. Nesses casos, contudo, interpretar a derrota do
governo como censura é privilégio meramente retórico, sem consequência alguma
além da repulsa aos projetos.
Não houve
equívoco na votação do impedimento. Ele se processou conforme o rito
constitucional e legal, mediante proposta de afastamento da presidente Dilma
Rousseff, não de moção de censura a seus ministros, passou por comissões,
seguiu prazos, ganhou relatores favoráveis à proposta, e foi aceita pela
maioria do Legislativo. A razão apresentada por relatores e julgadores
congressuais não foi a de que Dilma Rousseff perdera a confiança subjetiva do
Congresso, mas a de que cometera crime de responsabilidade, que é a razão
constitucional para o afastamento de um presidente. E o equívoco criminoso está
aqui: a maioria congressual, com o passe-livre tirânico que lhe deram os juízes
da AP470, deliberou que Dilma Rousseff cometera crime de responsabilidade
porque assim ela, a maioria, o afirmou. Tal como, para Joaquim Barbosa, a
Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é, o Congresso consagrou a
jurisprudência de que é crime de responsabilidade aquilo que ele diz ser. O
Supremo curvou-se, abençoando o que de fato ocorreu: um golpe parlamentar.
Seria
estarrecedor se um ministro de Suprema Corte não distinguisse moção de censura
a um gabinete parlamentarista de golpe parlamentar em regime presidencialista.
Não é o caso do ministro Luiz Roberto Barroso. Ele está, apenas, tentando
reescrever a história, sintoma de um poder ensandecido.
Do Cafezinho