Gherardo Colombo
O Estadão
entrevistou o ex-juiz Gherardo Colombo, um dos protagonistas da
Operação Mãos Limpas, referência para a Lava Jato.
Ele
trabalhou na força tarefa do grupo que provocou “um “terremoto político na
Itália”.
Ex-ministro
da Corte de Cassação, o equivalente ao Supremo Tribunal, Colombo dedica-se hoje
a dar palestras a jovens estudantes sobre a importância da luta contra a
corrupção.
Suas
observações seriam muito úteis a Sergio Moro, caso este, atualmente, não
estivesse convencido de que inventou o Direito no mundo.
Vinte
e cinco anos depois de Mãos Limpas, um condenado por corrupção vai para a
cadeia na Itália? Cumpria pena atrás das grades?
Muitos
foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo
dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos
e conseguiram a suspensão condicional da pena. E, portanto, não foram para a
cadeia. Depois, progressivamente, nosso legisladores – nossos processos e
investigações duraram 13 anos – modificaram alguns crimes, como o de
falsificação de balanços e o favorecimento administrativo, reduzindo o prazo de
prescrição; modificaram os valores das provas, retirando o valor de atos
processuais que antes tinham valor como prova, razões pelas quais depois o
número de condenações diminuiu bastante.
Quanto
caiu o número das condenações caíram na Itália?
É
difícil de dizer. Aqui em Milão, posso fazer um cálculo aproximado desse
fenômeno. Nós pedimos que fossem julgadas cerca de 3,7 mil pessoas. Dessas,
foram absolvidos 20%, cerca de 750. Cerca de 40% dos casos prescreveram, ou
seja, cerca de 1.500. Das outras 1,5 mil, cerca de mil fizeram um algum acordo.
Esse é um cálculo que faço de memória. Foram condenados cerca de 700 pessoas,
sendo que alguns ainda puderam gozar da suspensão condicional da pena.
E
quantos desses foram condenados a até 3 anos e, portanto, puderam fazer serviços
sociais em vez de ir para a cadeia?
Eu
creio que uma grande parte. A maioria. Além disso, na Itália, existe a
possibilidade para pessoas particularmente idosas de cumprir a pena em prisão
domiciliar. Para cárcere foram poucas pessoas. Sobretudo em razão das reformas
legislativas que um pouco restringiram os crimes e um pouco reduziram o valor
das provas.
O
senhor acredita que um acusado de corrupção deve ser mantido em prisão
preventiva na cadeia?
Bem,
eu pelo que compreendo, e não conheço completamente o sistema processual
brasileiro, porém, chegam notícias, e se lê e deve levar em consideração o meu
nível de informação sobre o sistema brasileiro. Porém, o nosso sistema, o
sistema italiano, prevê que a custódia cautelar seja possível somente para
evitar o perigo de fuga, o perigo de destruição de provas ou perigo de
reiteração do crime do mesmo tipo.
Ora,
não existe na Itália um sistema para a corrupção similar ao vosso da delação
premiada. Não existe. A delação premiada é um termo que não se pode usar.
Nós falamos de colabores de Justiça no campo da Máfia e do terrorismo. A
Máfia e o terrorismo são tratados geralmente de um modo muito particular. Não
se pode pôr na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok? Para contar fatos dos
outros. Ainda que esse seja uma distinção muito sutil porque, se uma pessoa se
torna não confiável ao sistema de corrupção do qual ela provém, então não se
justifica mais a custódia cautelar.
Porque
não há mais o risco de reincidência, pois os outros não confiam mais nela e não
há perigo de fuga porque já confessou e, geralmente, quem resolve contar o que
sabe recebe normalmente uma pena que não é grave. E não há mais risco de
destruição de provas, pois a prova já foi feita. E em um sistema (delação) no
qual não basta que as pessoas sejam corretas mas é sempre necessário esse, para
a sentença, para a condenação, é sempre necessário que existam também
comprovações do que foi dito, como a prova da passagem do dinheiro por meio
financeiro e assim por diante. E isso vale também para a custódia cautelar. Em
relação às pessoas contra quem foram aplicadas a custódia cautelar na Itália
por parte dos magistrados, há uma outra particularidade que, para mim, é
importante, e torna impossível fazer paralelos entre Mãos Limpas e Lava Jato.
Existe
uma diferença notável sobre o perfil do controle dos magistrados. Na Itália
existe o Ministério Público que faz a investigação. Existe o juiz da
investigação preliminar que controla a atividade do Ministério Público e que
emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida a liberdade como
a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai.
Quando a investigação termina, um outro juiz, um juiz para a audiência
preliminar, decide se vai mandar a julgamento o investigado ou mesmo se recusa
a abertura do processo. Mas não é ele que condena porque a condenação só pode
ser emitida por um tribunal, que um juízo diferente e para os casos de
corrupção é o juízo de um colegiado, composto por três pessoas.
E
por isso alguns advogados brasileiros dizem que aqui no Brasil o juiz tem um
papel de super-homem no processo.
Notei
que o juiz que fez a investigação no processo contra Lula (Sérgio Moro) era o
mesmo que fez a sentença e isso me deixou um pouco surpreso porque aqui na
Itália isso não poderia acontecer.
Um
sistema assim no Judiciário, como seria julgado pela Corte Europeia de Direitos
Humanos?
Eu
tenho dificuldade para dizer-lhe. Posso dizer que na Itália, o juiz que faz a
investigação, não podia condenar nem mesmo com o Código de Processo Penal que
era de 1930. O juiz de então podia somente decidir se aceitava ou não a
denúncia. Se decidisse pela abertura do processo, o processo era feito por
outro. O articulo 6 da Convenção das Salvaguarda dos Direitos do Homem para o
Conselho Europa diz que cada pessoa tem direito que sua causa seja examinada
imparcialmente, publicamente e em um tempo razoável por um tribunal
independente e imparcial constituído por meio de lei que decidirá etc.
No
caso, se fala somente de um tribunal independente e imparcial. Mas aquele que
faz a investigação pode em alguma medida ser influenciado por aquilo que
descobriu, tanto que, na Itália, o juiz que decide não pode conhecer o conteúdo
dos atos processuais senão por meio do debate no tribunal.
Quer
dizer que o juiz decide baseado no que acontece diante dele. Outra coisa que
existe em Itália: um juiz tem a obrigação de abster-se de antecipar um juízo,
ou seja, dizer o que pensa a propósito do processo. Não sei se isso existe. Nós
tivemos um grande cuidado além do que estava previsto no Código de Processo
Penal na Itália. Durante o curso de Mãos Limpas sempre evitamos de nos exprimir
sobre a situação de réus em particular. Falávamos da corrupção, mas sempre
evitamos falando sobre a posição dos denunciados, mesmo trabalhando como
procurador e não como juiz (na Itália o Ministério Público faz parte da
magistratura).
E
mesmo durante as entrevistas coletivas?
Eu
nunca falei sobre a situação de um acusado, mas somente sobre atos judiciários.
Eu pessoalmente evito falar de pessoas que foram meus acusados, mesmo depois do
processo. Quando vou às escolas, eu procuro evitar falar de acusados, mesmo
depois de passados dez anos, 15 anos. É uma questão que, pelo que me diz
respeito, que vai além do texto legal.
Moro
vê seu ator preferido no cinema: ele mesmo
(…)
Pelo
que o senhor me disse, o senhor seria favorável ao uso dos colaboradores de
Justiça nos casos de corrupção?
Eu
tenho muitas reservas com os colaboradores de Justiça. Para que não se cometam
crimes, é preciso que exista entre o cidadão e o Estado a confiança. E, para
mim, cooperar – eu prometo uma pena menor se você conta quem são seus comparsas
– é uma coisa que, em vez de promover confiança, de algum modo, você a tolhe.
Creio que algumas vezes se cometem crimes realmente graves, como no caso da
máfia, que dissolve crianças no ácido, e por isso, algumas vezes, é necessário
recorrer a instrumentos que, infelizmente, em si não são educativos, que não
educam a cidadania.
Deve
ser uma medida (colaboradores de Justiça) limitadíssima e, por isso, eu não a
introduziria no campo da corrupção, mas existem muitas pessoas que pensam de
modo contrário. Mas, em vez disso, há uma coisa que se precisa fazer aquilo que
eu lhe disse antes: um fenômeno tão espalhado como a corrupção na Itália não
pode ser combatido com o processo penal. É necessária outra coisa. Prometer a
alguém a redução de pena se fala, essa medida está no processos penal, mas não
serve ao processo penal.
O
que é necessário fazer é operar a dois campos, que são a educação e a
prevenção. Na Itália, espero que se for possível, ir adiante do ponto desses
pontos de vista. Eu acredito que a situação mudará. Para prevenir a corrupção
são necessárias duas coisas: que as empresas adotem procedimentos para todas as
suas atividades, pois, quando há um procedimento de modo que tudo deixe traços
tudo se torna transparente, pois tudo se torna verificável, como quem
tomou cada decisão, por que a tomou, por quais motivos.
E
esse é o segundo ponto de vista: a transparência. E que tudo isso seja público.
Do ponto de visto educativo é necessário para acompanhar as pessoas para saber
que a corrupção faz mal até para quem a comete, pois desregula as instituições.
Evidentemente que nesse meio tempo é necessário descobrir quem participa da
corrupção, mas não porque alguém colaborou, mas porque o contexto social no
qual as pessoas se encontram se rebela e reage, quem assiste a um crime de
corrupção denuncie. No caso de corrupção é difícil que as pessoas aceitem
testemunhar.
DCM