O que levaria dois juízes regionais, sem nenhuma
expressão nacional prévia, a expor de tal maneira o Judiciário a ponto de se
incluir o STF em uma barganha espúria?
Em abril passado, circulou
pela imprensa a informação de que o desembargador João Pedro Gebran
Neto ocuparia a vaga de Celso de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal). A
escolha é do presidente da República. Seu amigo, ex-juiz Sérgio Moro ficaria
com a segunda vaga, de Marco Aurélio de Mello, para, segundo Gebran, lhe dar
tempo para se candidatar à presidência da República.
Ontem, o presidente
Bolsonaro afagou Moro prometendo para ele a primeira vaga no STF que, pelo
visto, já havia sido prometida a Gebran.
O que levaria dois
juízes regionais, sem nenhuma expressão nacional prévia, a expor de tal maneira
o Judiciário a ponto de se incluir o STF em uma barganha espúria? Certamente a
contribuição imprescindível para a eleição de Bolsonaro, sendo peças-chave para
a inabilitação da candidatura de Lula.
O trabalho de Gebran,
no entanto, vai bastante além das decisões em que confirmou as sentenças de
Moro. Vale a pena entender a importância de sua contribuição
Uma das regras de ouro
de isenção da Justiça é o princípio da impessoalidade do julgador, de não haver
direcionamento dos julgamentos por determinadas pessoas ou grupos.
Justamente para evitar
manobras políticas da maioria, há um acordo tácito de que a presidência dos
tribunais fica com o decano. É o que acontece no Supremo Tribunal Federal e
acontecia no TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) até o advento da
Lava Jato.
Vamos entender melhor a
engenharia política que alçou Gebran à inacreditável posição de candidato ao
STF.
Peça
1 – as turmas do TRF4
O TRF 4 tem 8 turmas.
As duas primeiras tratam de temas tributários e trabalhistas. A 3ª e 4ª,
temas administrativos, cíveis e comerciais. A 5a e 6ª para questões
previdenciárias. E a 7ª e 8ª para questões penais.
O primeiro lance de
Gebran foi articular mudanças na composição da 8ª Turma.
Era composta
originalmente pelos desembargadores Luiz Fernando Wowk Penteado (quinto da OAB)
e Paulo Afonso Brum Vaz, o decano do tribunal.
Paulo Afonso é
considerado um magistrado técnico, sem envolvimento com grupos políticos. Era o
nome mais antigo e seria alçado à presidência do TRF4. Com a alegação de que
Paulo Afonso e Penteado havia entrado no mesmo ano, Gebran organizou o apoio a
Penteado que foi eleito presidente, enquanto Paulo Afonso era eleito
corregedor.
Ambos se afastaram da
8ª turma, que acolheu, então, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos
Laus, todos nenhuma experiência em direito penal. Paulsen é tributarista,
Gebran é um civilista, especializado em direito à saúde e Laus especialista em
direito previdenciário.
Lance
2 – a transferência da Lava Jato para a 8ª Turma
O segundo passo foi
trazer para a 8ª Turma o caso Lava Jato.
Era para a Lava Jato
ter caído na 7ª Turma. Em um gesto inesperado, a desembargadora Claudia
Cristina Cristofani enviou um pedido para a 8ª Turma perguntando se Gebran não
seria prevento, isto é, se o caso não seria de sua jurisdição. Apesar de nada
ter com o tema, e ser amigo íntimo de Sérgio Moro, tendo ambos trabalhado nas
imediações de Tríplice Fronteira, Gebran aceitou assumir o caso.
Lance
3 – o controle da presidência do TRF4
Dois anos depois, em
2017, vieram novas eleições. Paulo Afonso era o mais antigo, agora sem
controvérsias. Mas Thompson Flores acabou rompendo com as regras tácitas,
candidatando-se e sendo eleito presidente. A maioria se impunha definitivamente
no TRF4, passando a atuar como partido político.
Ali se fechava o ciclo.
Todos os julgamentos da Lava Jato seriam analisados pela nova composição da 8ª
Turma e a presidência do Tribunal ficaria com Thompson Flores, conhecido por
suas posições políticas de direita. Mostrando seu total envolvimento com o
grupo, Thompson Flores foi o autor do mais extravagante elogio à sentença de
Moro que seria analisada pelo TRF4: declarou ser tecnicamente irrepreensível,
antes mesmo de ter lido.
A partir dali, o TRF4
passou a adotar posições que desrespeitavam a jurisprudência do STF – como
considerar corrupção e lavagem de dinheiro crimes distintos, para poder
aumentar as penas dos réus – ou subordinar o ritmo do julgamento à pauta
eleitoral.
Lance
4 – o voto de Laus
No julgamento de Lula,
chamou a atenção o fato dos três desembargadores terem apresentado voto por
escrito, no mesmo teor, coincidindo até no agravamento abusivo das penas – como
foi reconhecido posteriormente pelo próprio Superior Tribunal de Justiça.
Informações de dentro
do TRF4 indicam que o desembargador Laus havia dado um voto divergente em
determinado tema. A divergência permitiria aos advogados de Lula entrarem com
os chamados embargos infringentes, atrasando a sentença, adiando a prisão e
permitindo a Lula se envolver na campanha eleitoral que estava em curso e
insistir na sua candidatura.
Laus teria sido
convencido a modificar seu voto e se alinhar com os votos dos dois colegas.
Tudo isso em um período em que Moro já tinha sido sondado em nome de Bolsonaro
pelo futuro Ministro da Economia, Paulo Guedes, para assumir a pasta da
Justiça, com a promessa de indicação para o STF. Provavelmente a promessa a
Gebran foi nessa época, já que, após a sentença que inabilitou Lula, Bolsonaro
não teria mais nenhum interesse em negociar cargos.
Lance 5 – as novas eleições do TRF4
No mês passado, houve
novas eleições para a presidência do TRF4.
Mais uma vez, Paulo
Afonso deveria ser o indicado para a presidência do órgão, pelo fato de ser o
decano do tribunal. Mas Thompson Flores bancou a candidatura de Victor Laus.
Laus não é uma
unanimidade entre os colegas. Paulo Afonso já tinha sido corregedor com
bom desempenho, enquanto Laus renunciou ao cargo de Coordenador da CoJef – um
órgão que coordena os Juizados Especiais. A desistência pegou mal entre os
colegas, porque demonstrou sua inaptidão para enfrentar missões
administrativas.
Mesmo assim, recebeu 17
dos 27 votos de desembargadores votantes, mostrando o alinhamento do TRF4 com
as teses da Lava Jato e da parceria com Bolsonaro.
Com a nova votação,
Laus vai para a presidência do TRF4 e Thompson Flores assume seu lugar na 8ª
Turma.
Lance
6 – a prenda do STF
Agora, com Bolsonaro
escancarando a barganha com Sérgio Moro, e Gebran explicitando com amigos sua
esperteza, a grande aventura vai chegando ao fim. A imagem da Lava Jato
vai se esgarçando à medida em que vai aparecendo o oportunismo de seus
principais protagonistas.
Raquel Dodge expôs os
procuradores paranaenses com a reação contra a tal fundação que lhes conferiria
a gestão de um fundo bilionário. Bolsonaro expôs Moro com requintes de
crueldade, ao mencionar o acordo, dois anos antes de se saber se vai cumprir o
prometido.
Daqui para frente, cada
dia de governo, para Moro, nunca será mais, será sempre menos.
Há um provérbio
definitivo sobre os dilemas de Fausto ante Mefistófeles: a um soberano se
concede tudo, menos a honra. Moro enfrenta, a partir de agora, o pior dos
dilemas. Se não endossar os abusos de Bolsonaro, perde a indicação. Endossando,
como ocorre agora, joga fora a imagem que a mídia construiu, e corre o risco
de, no final do arco-íris, Bolsonaro não entregar o pote de ouro prometido.
Do GGN