Peça 1 – a volta previsível do poder militar
A saída pela via militar estava prevista desde o início do
impeachment. E a peça central sempre foi o general Sérgio Etchgoyen, nomeado
para Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
(...) Com o vale-tudo corporativo
instituído, começam a aparecer os planos de devolver algum protagonismo
político às Forças Armadas, a exemplo do ativismo atual do MPF, do TCU e das
demais corporações de estado. Com a diferença que se trata de uma corporação
armada.
(...) Consumado o golpe, Michel Temer
assumiria a presidência em um quadro de ampla instabilidade política, agravado
pela perda de seu mais eficiente operador, Eduardo Cunha.
Não haverá como se apresentar à
opinião pública com um ministério de notáveis. Por outro lado, para dar conta
dos compromissos firmados com o mercado, terá que recorrer a medidas fiscais
drásticas, ampliando a reação dos movimentos sociais e o mal-estar geral. E não
terá recursos para manter os programas de renovação das Forças Armadas.
É aí que se junta a Peça 3 com a Peça
2: identificação de um novo inimigo interno e externo que justificasse a volta
do protagonismo político.
(...) Quem está à frente dessas
articulações é o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Estado Maior do Exercito
Brasileiro e de uma família que faz parte da própria história do Exército.
O meio campo com o governo Temer está
sendo articulado pelo filósofo Denis Rosenfield, articulista do Estadão e
colaborador do Instituto Milenium. Denis é amigo de Etchegoyen, provavelmente
devido à mesma origem gaúcha, foi indicado assessor de Temer e há indícios de
que mantem contatos com governos estrangeiros.
No dia 22 de abril, por exemplo,
encontrou-se com Etchegoyen no Centro Brasil 21, em Brasília. Dois dias antes,
a pedido de Etchegoyen, agendou jantar na residência do general com os
comandantes da Marinha e da Aeronáutica. A intenção era montar uma frente que
forçasse Temer a assumir compromisso de nomear um militar para o Ministério da
Defesa. O indicado seria o general Joaquim Silva e Luna, Secretário Geral do
Ministério do Exército.
Além disso, se tentaria arrancar de
Temer o compromisso de assegurar a permanência dos comandantes em seus postos,
recriar o Gabinete de Segurança Nacional, sob a chefia do general Etchegoyen, e
colocar Denis na Secretaria de Comunicação da Presidência. Para o lugar de
Etchegoyen iria o General Mourão, de pensamento similar.
O decreto no. 8.793, de 29 de junho
passado, que fixa a Política Nacional de Inteligência é o passo mais ousado
nessa direção (http://migre.me/ufH0w).
Assinado pelo interino Michel Temer e
pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Sergio Westphalen
Etchegoyen, o decreto visa criar uma política para armar o país contra ameaças
trazidas por esses tempos cibernéticos e de terrorismo.
Contempla a proteção de forças de
conhecimento nacional, medidas contraespionagem cibernética, contraterrorismo
etc. Mas confere poderes e atribuições que podem facilmente resvalar para o
autoritarismo e para o desrespeito aos direitos humanos. E isso, em uma etapa
da vida nacional de radicalização e de instrumentalização política dos
instrumentos de investigação.
Confere ao GSI e à Política Nacional
de Inteligência o poder de monitorar movimentos, manifestações, cooptar
funcionários públicos para a função de segurança e até monitorar cientistas
brasileiros no exterior.
(...) Nas Olimpíadas, Temer nomeou o
GSI responsável pela segurança, atropelando os responsáveis naturais, Ministro
da Defesa ou da Justiça. O Chefe do Estado Maior conjunto sequer foi convidado
para a abertura das Olimpíadas.
A segurança foi organizada pela
burocracia das Forças Armadas – acantonada em Brasília – não pelas tropas de
combate.
(...) A criação de Unidades Militares
de Combate, seja na Amazônia, Haiti ou África, deixa claro o verdadeiro papel
das Forças Armadas e os malefícios advindos de sua transformação em polícia. Há
levantamentos internacionais mostrando que, nos países em que se tornaram
polícia, foram sucateadas, com os equipamentos tecnológicos de ponta – para a
defesa nacional – substituídos por investimentos em tanques, brucutus, algemas,
granadas e revólveres.
A diluição desse modelo começou com
as UPPs (Unidades de Policias Pacificadoras). No início, pareceu dar certo no
Rio, devido ao fato do Secretário de Segurança José Mariano Beltrame ser da PF
e respeitado por ela. Ainda no governo Dilma, houve financiamento do governo federal
e a parceria com o Exército.
O Exército burocrático gostou, porque
dá visibilidade, nome e prestígio à força. O Exército de combatentes –
inteligência, ciência e tecnologia – sabia que seria o início do sucateamento,
com a burocracia voltando a tomar conta.
Os fatos apontam para uma tendência
cada vez maior de intervenção dos militares na vida nacional e, ao mesmo tempo,
um desprestígio cada vez maior do poder civil.
Sinais recentes:
· A
entrega do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) a um militar da ativa, que
passa a frequentar o coração do governo.
· A
tentativa do Ministro da Justiça de criar a figura do inimigo interno nas
manifestações e em factoides sobre o Islã e colocar as FFAAs na repressão
interna.
· O
convite da presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carmen Lúcia, para que
as Forças Armadas ampliem sua participação na segurança nacional.
· A
criação e utilização da Força Nacional de Segurança para outros propósitos.
(...) Por tudo isso, as perspectivas
atuais são as seguintes:
1. Permanece
o risco da prisão de Lula, visando promover agitações populares que justifiquem
o endurecimento do regime.
2. Continua
baixa a probabilidade de recuperação da economia, ainda mais com a combinação
de ajuste fiscal rigoroso e ritmo lento de queda dos juros.
3. Há uma
probabilidade não desprezível de Temer ser despojado do cargo por conta dos
julgamentos do TSE e pela desmoralização contínua de seu governo.
4. Persistirá
a tendência de ampliação da presença dos militares no governo, ao mesmo tempo
em que se aprofunda a desmoralização do poder civil.
5. Mesmo
assim, qualquer ampliação da intervenção militar viria como retaguarda para um
governo civil.
Peça 2 – o pacto com as
Forças Armadas
Passado o impacto inicial com o anúncio da intervenção no
Rio, começaram questionamentos fortes por toda parte. Não há um especialista
sério, em matérias de segurança, capaz de endossar essa aventura.
Nem as pessoas de bom senso nas Forças Armadas, conforme se
conferiu no depoimento ao Senador do General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas,
comandante das Forças Armadas, sobre a ocupação da Maré pelo Exército.
Além das cenas chocantes, que ele afirmou ter testemunhado,
de soldados armados circulando entre crianças e senhoras, Vilas Boas enfatizou
a falta de eficácia dessas ocupações. Foi só o Exército abandonar o local, para
tudo voltar ao quadro anterior em poucos dias.
Por tudo isso, o que está em jogo provavelmente é o seguinte.
As Forças Armadas entraram como álibi nessa história. Houve
uma intervenção civil, que o governo Temer revestiu de militar no próprio
decreto de criação. Além de nomear um general para comandá-la.
Houve um acordo formal com as Forças Armadas, para não as
envolver no policiamento de rua, ocupação de territórios ou combate frontal aos
criminosos.
O papel das FFAAs será o de ajudar a fortalecer a ideia
das ameaças internas e externas, permitindo ao governo avançar cada vez mais
nas medidas arbitrárias.
Em troca, haverá reforço em seu orçamento.
Peça 3 – as medidas de
exceção injustificáveis
O jogo tornou-se totalmente claro com o anúncio de que o
Ministro da Defesa – um mero coadjuvante de Sérgio Echtgoyen – iria requerer
mandados coletivos de busca e apreensão no Rio, um claro ensaio à decretação do
estado de sítio.
Mal saiu a notícia de que Michel Temer pretendia aplicar
mandados coletivos de busca e apreensão no Rio de Janeiro, pelo Twitter procuradores
– em geral críticos contra os “garantistas” – levantaram três pontos
relevantes:
A ineficácia dessa estratégia de segurança;
Os riscos para os direitos humanos;
A existência de uma série de dispositivos na Constituição e
no Código Penal, que poderiam ser utilizados pela segurança, sem a
radicalização dos tais mandados coletivos.
De Luiz Lessa, procurador da República no Rio:
Intervenção militar não é licença de
extermínio, se tal licença, por mais absurda que seja essa hipótese, fosse
possível, a PMRJ já tinha acabado com a criminalidade do Rio, era só autorizar
a matança, entregar a munição, a gasolina e os coletes à prova de bala.
De Vladimir
Aras, responsável pela cooperação internacional da Procuradoria Geral da
República:
Constituição, art. 5º, inciso XI:
"a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, SALVO EM CASO DE FLAGRANTE DELITO ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"
A intervenção federal não suspende
garantias individuais. Entre essas garantias está o direito à inviolabilidade
domiciliar. Se houvesse sido declarado o estado de sítio, seria possível fazer
buscas coletivas, inclusive sem mandado judicial, como autoriza o art. 139, V,
da Const.
Na jurisprudência, há casos de
mandados individualizados contra Fulano, Beltrano ou Sicrano que foram
invalidados por tribunais superiores por não terem especificado precisamente o
local alvo da diligência, lembra @WSarai
Não apenas
isso. Conforme explicava Aras,
Criminosos que ataquem as Forças
Armadas ou que estejam na iminência de fazê-lo podem ser reprimidos com força
letal, se preciso. Isto não depende de leis especiais nem decorre da
intervenção federal. São mantos legais previstos no Código Penal e no CP
Militar, como legítima defesa.
Por outro lado, se as Forças Armadas
e a Polícia tiverem dados de inteligência de que em certo local (casa, igreja,
escola, empresa etc) há armas, criminosos foragidos ou drogas (um crime em
curso), não é necessário mandado judicial para entrada e busca, para prisão ou
apreensão.
O que o STF
(Supremo Tribunal Federal) fará em relação às medidas anunciadas?
Valendo a regra atual, nada.
A estratégia de Sérgio Etchgoyen será essa: à medida que se
avance a tal operação, ousar mais medidas de arbítrio, testando a resistência
das instituições nacionais.
Se não houver resistência, meterá a bota na jaca da
Constituição. E não venham esses débeis civis do Supremo, da PGR e do Congresso
reclamarem mais tarde.
GGN