Peça
1 – o modelo dos campeões nacionais
O
estrago promovido pela Lava Jato na economia obrigará a uma revisão dos
conceitos de desenvolvimentismo – e não apenas no Brasil.
Em
todos os países que assumiram protagonismo global, o grande instrumento de
expansão do poder nacional foram as grandes empresas nacionais como agentes do
poder externo do país.
Com
o avanço da cooperação internacional, entre autoridades judiciárias dos
diversos países, esse modelo entrou em xeque.
Peça
2 – a versão moralista do chutando a própria escada
Ao
longo dos séculos, a expansão das empresas multinacionais se deu com corrupção
e suborno, no financiamento político dos governos aliados dos países de origem
e na conquista de mercados externos. Desse modelo se regalaram as empresas
alemãs pós-guerra, como a Siemens, as grandes petroleiras e empreiteiras
norte-americanas, os fabricantes de armas. E tudo com ampla complacência dos
países de origem.
A
partir do início do século 21, o combate à corrupção transacional de outros
países tornou-se a principal arma geopolítica comercial norte-americana é.
Trata-se de uma estratégia na qual se envolvem as corporações de Estado – FBI,
NSA e CIA -, ONGs privadas, Departamento de Justiça. E, especialmente, o poder
do Império.
A
ação geopolítica norte-americana sempre atuou em duas frentes: as instituições
de Estado e as parcerias (ONGs) privadas, um hard power da intervenção militar
e um soft power das ações humanitárias. Em vez do discurso do ódio, do
anticomunismo, propostas humanitárias, de defesa de princípios civilizatórios,
meio ambiente, direitos das populações indígenas, combate à escravidão e outras
formas de dumping social, combatendo vícios inerentes ao modelo de expansão das
multinacionais das primeiras fases.
Com
a ampliação da cooperação internacional, os avanços da espionagem eletrônica, o
mapeamento dos fluxos financeiros em paraísos fiscais, as alianças com
Ministérios Públicos e. Judiciário nacionais conferiram um poder matador ao
país que possuía o poder imperial, os Estados Unidos.
Peça
3 – as tramoias do capital financeiro e do industrial
A
maneira como o capital financeiro se apropria de fatias cada vez maiores do
orçamento público é institucionalizada e impessoal. Desenvolve teorias
pretensamente científicas para justificar os juros e abrir espaço para as
diversas apropriações de recursos públicos. Mesmo as tramoias – vazamento de
informações sobre leilões de títulos públicos e sobre decisões do Banco Central
– não ficam ao alcance do público, seja pela sofisticação, seja pela
cumplicidade da mídia.
Já
as políticas industriais – aquelas que efetivamente têm reflexos no emprego,
crescimento e poder das Nações - são necessariamente seletivas. Os
instrumentos utilizados são tarifas protecionistas, financiamento público,
medidas tributárias. Basta o procurador juntar qualquer medida de política
industrial com qualquer financiamento de campanha – independentemente da
cronologia – para conseguir criminalizar governantes e políticas públicas.
É
aí que se baseia a estratégia da ofensiva do capital financeiro sobre as
propostas de políticas nacionais autônomas.
Peça
4 – as formas de intervenção externa
Há
três formas básicas de intervenção externa – nem todas ilegítimas.
No
plano institucional, a parceria dos EUA com o Ministério Público Federal e a
Justiça, que arrebentou com alguns dos setores mais relevantes da economia
brasileira, como o da engenharia nacional, liquidou com as pretensões
brasileiras na África e América Latina e criminalizou políticas conhecidas de
Estado -–como financiamentos às exportações de serviços.
A
segunda maneira – subjacente à primeira – são as pressões norte-americanas
sobre empresas brasileiras apanhadas em malfeitos no exterior, submetendo-as a
intervenções diretas de olheiros norte-americanos. É o caso da Embraer, com um
interventor fiscalizando de dentro da empresa, com acesso a todas as ações
estratégicas da companhia.
A
terceira parte são as ONGs do setor privado ligadas a direitos humanos, meio
ambiente e outros temas humanitários, pretendendo submeter todos os atos de
políticas públicas ao escrutínio internacional. É o caso da ONG Conectas que
defende que todo o financiamento do BNDES seja submetido à analise
internacional de avaliação de impactos sociais e ambientais.
Peça
5 – os agentes internacionais
Nem
se pense em condenar o combate à corrupção e a defesa de bandeiras sociais e
ambientais como ações ilegítimas. São bandeiras civilizatórias, necessárias
para o aprimoramento social, cultural do país. Reconhecer efeitos antinacionais
de suas ações não tira sua legitimidade. Significaria considerar incompatível
projetos de país com respeito a avanços sociais e ambientais.
A
própria Conectas têm se colocado de forma incisiva contra a selvageria das
reformas institucionais, contra a violência da PM nas manifestações populares,
contra os massacres de maio de 2006.
Mesmo
o MPF tem uma área de defesa de direitos sociais e direitos difusos com grande
contribuição às causas sociais. Entre os procuradores, há alguns de bom nível de
lado a lado, os liberais e os que enxergam o Estado de forma mais complexa. Mas
a resultante, a inteligência corporativa é próxima de zero.
A
cara do MPF não é Marcelo Miller – o liberal que largou o MPF – nem Eugênio
Aragão – o progressista que está prestes a se aposentar. É Rodrigo Janot,
ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o
atual José Robalinho Cavalcanti, o antecessor, Antônio Camanho, especializados
em cultivar a classe como qualquer populista e montar jogadas com o poder como
especialistas em máquinas públicas.
Dado
o quadro atual, há um conjunto de lições a se tirar para as próximas décadas.
Peça
6 - As vulnerabilidades do presidencialismo brasileiro
Tem-se,
de um lado, um presidencialismo fraco perante o sistema político-partidário. A
única alavanca de poder é o crescimento econômico. Quando deixa de existir,
expõe o governante à ditadura da maioria. Daí a necessidade da reforma
política.
A
quadrilha de Temer-Padilha assumiu posição preponderante nos governos FHC, Lula
e Dilma após grandes terremotos políticos.
Mas
o grande agente oportunista, valendo-se do enfraquecimento do governo, foi a
mídia nativa. O poder arbitrário da Lava Jato decorre do apoio que recebeu dos
grandes grupos de mídia – que, agora, se rebelam contra ele. Os penalistas do
MPF compõem uma boiada sempre o touro guia da mídia. Basta a mídia sugerir qual
tema que podem entrar – e garantir holofotes -, para a boiada caminhar na direção
apontada.
O
mesmo vale para o Supremo Tribunal Federal, no qual Ministros como Luís Roberto
Barroso, Luiz Edson Fachin e Carmen Lúcia, dão cada passo tomando a mídia –
especialmente a Globo – como referência.
No
médio prazo, independentemente do próximo presidente eleito, a reconstrução do
país passará por uma ampla redefinição do papel do MPF e da PF, pelo esforço de
dotar a estrutura de um mínimo de noção sobre projetos de país, interesse e
soberania nacional, para que o combate à corrupção não repita a máquina
desgovernada da Lava Jato.
Mas
o ponto fulcral é a cartelização da mídia.
Peça
7 - O furo dos campeões nacionais
Todos
esses fatos obrigam a uma reavaliação radical do modelo de campeões nacionais.
A
lógica econômica dos grupos internacionalizados é abandonar o país de origem e
se fixarem no mundo. Foi assim na Argentina dos anos 80. Passou a ser assim no
Brasil pós anos 90.
Tanto
a Ambev quanto a JBS cresceram graças ao mercado interno, à capacidade de
influenciar os órgãos públicos e se alavancar com os financiamentos do BNDES.
Adquirida dimensão continental, pulam fora do barco. A Ambev se tornou uma
multinacional belga e a JBS há tempos ambiciona a naturalidade norte-americana.
A
ideia de Luciano Coutinho – ex-presidente do BNDES – de que os “campeões
nacionais” seriam os condutores do desenvolvimento é tão equivocada quanto a da
turma de FHC, de que bastaria fortalecer os grandes bancos de investimento que
o desenvolvimento viria como consequência.
Ambos
– tanto o mercado quanto os campeões nacionais – são relevantes desde que
subordinados a uma lógica de país.
Em
nome dessa bandeira, o BNDES apoiou setores de baixíssimo nível tecnológico,
como o dos frigoríficos, conferiu um poder de cartel para os grandes
frigoríficos, em detrimento dos produtores para que a JBS se tornasse uma
empresa norte-americana, com papel-chave no fornecimento de proteína para os
grandes países competidores dos EUA, China e Rússia.
Na
mesma época, negou à Opticom – empresa brasileira na área de ótica, altamente
tecnológica – apoio para adquirir um concorrente norte-americano, cujo preço
ficara altamente atrativo com a crise de 2008 e que lhe permitiria abrir o
mercado norte-americano. Sinal de que também o banco precisa colocar seu enorme
acervo de cérebros e de conhecimento setorial para discutir seu papel nas
próximas décadas. E não será com o simpaticíssimo Paulo Rabello de Castro que
ocorrerá esse aggiornamento do BNDES.
De
qualquer modo, a literatura desenvolvimentista terá que incorporar outros temas
em suas bandeiras:
1
Mais do que nunca, a competitividade interna dependerá da criação de um
ambiente sistemicamente competitivo, voltando-se a valorizar as políticas
científico-tecnológicas, as parcerias entre grandes e pequenas empresas, o
trabalho das Fundações de Amparo à Pesquisa aliados ao Sebrae, a atração de
laboratórios de multinacionais para o país, conforme ocorreu na primeira fase
do pré-sal.
2
São empresas estratégicas aquelas cujas atividades dependam intrinsicamente dos
fatores internos – como a indústria do petróleo, antes do desmonte da Lava Jato
e de Pedro Parente, a indústria da saúde, e as indústrias de bem-estar em
geral.
3
Não dá mais para minimizar os problemas sociais, ambientais e de corrupção
corporativa. O país tem que se antecipar às novas pressões internacionais e
definir códigos severos de respeito aos direitos fundamentais. Mas há a
necessidade de aprofundar os estudos acerca das estratégias geopolíticas dos
países desenvolvidos. E envolver nesses estudos o Ministério Público e o
Judiciário.
4
É preciso que os Ministros sérios do Supremo se debrucem sobre a questão da
soberania jurisdicional brasileira.
Do GGN