Não teve
alarde na grande mídia, mas Sergio Moro foi derrotado duas vezes em um só dia
de julgamento no Supremo Tribunal Federal, que mandou soltar, na terça (25), o
pecuarista José Carlos Bumlai e João Carlos Genu, ex-tesoureiro do PP - com
direito a críticas sobre a banalização da prisão preventiva pela Lava Jato.
Moro
mantinha Bumlai e Genu presos sem que ambos tenham sido condenados em segunda
instância, o que afronta decisão tomada pelo Supremo sobre o tema. Puxada pelo
ministro Dias Toffoli - que já disse ao juiz de Curitiba que nem no Mensalão
foi necessário abusar do encarceramento dos investigados - a maioria da 2ª
Turma do Supremo concedeu os dois habeas corpus.
A decisão do
STF foi comemorada por advogados. Ao Conjur, o criminalista José Roberto
Batochio, defensor de Antonio Palocci e Lula, disse que o Supremo reafirmou
"seu compromisso com a ordem constitucional democrática, da qual jamais
deveriam ter se afastado alguns magistrados brasileiros em nome da ‘Justiça das
ruas’. Parece que se inicia a queda do terror jurídico penal no nosso
país."
O Conjur fez
um levantamento com base em 86 pessoas que estão presas por conta da Lava Jato
e apontou que Moro costuma manter as preventivas por 281 dias, em média.
O Supremo
ainda deve analisar o mérito do recurso de José Dirceu, que diz que sua prisão
é inconstitucional.
Supremo
sinaliza que não vai tolerar mais a "farra das preventivas"
Decisões
que mandaram soltar dois réus da operação “lava jato”, nesta terça-feira
(25/4), sinalizam que o Supremo Tribunal Federal passará a derrubar os decretos
de prisão preventiva que duram longos períodos, sem justificativa. É o que
avaliam advogados ouvidos pela ConJur.
O
ex-pecuarista João Carlos Bumlai, por exemplo, foi preso em novembro de 2015,
em medida que o juiz federal Sergio Fernando Moro considerou “aplicação
ortodoxa da lei processual penal (art. 312 do CPP)”, que se faria necessária,
de acordo com o próprio juiz, em um quadro de fraudes, corrupção e lavagem
sistêmica.
Mas a 2ª
Turma entendeu, por maioria de votos, que repercussão social do crime e a
garantia da ordem pública não são fundamentos para manter preventivas de forma
indeterminada. Para Dias Toffoli, autor do voto vencedor, manter Bumlai preso
violaria decisão do Plenário do STF que permitiu prisão a partir da segunda
instância — o réu só foi condenado em primeiro grau. O colegiado também
concedeu Habeas Corpus a João Carlos Genu, ex-tesoureiro do PP, que estava
preso preventivamente há cerca de um ano.
Estava em
julgamento também o caso do petista José Dirceu. Mas sua defesa não pediu que o
Habeas Corpus fosse colocado em julgamento. O advogado Roberto Podval alegou
ter audiência em São Paulo no mesmo horário e como a matéria pautada era um
agravo, que não prevê sustentação oral, o ex-chefe da Casa Civil foi
representado na sessão pelo sócio de Podval, Daniel Romeiro .
Houve outros
casos que não chegaram ao Supremo, como o do ex-executivo da OAS Mateus
Coutinho de Sá. Ele chegou a ficar nove meses preso até ser condenado diante de
"prova robusta" de que cometeu lavagem de dinheiro e corrupção ativa.
Depois da sentença, foi transferido para recolhimento domiciliar. Nesse meio
tempo, separou da mulher e deixou de ver a filha. Um ano depois, foi absolvido
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por falta de provas.
Não são
casos isolados. De acordo com levantamento feito pela ConJur, as preventivas
decretadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba na "lava jato" duram em
média 281 dias. A pesquisa levou em conta as durações das preventivas de 86
pessoas do início da operação, em março de 2014, até o dia 31 de janeiro deste
ano.
Por isso as
decisões desta terça da 2ª Turma do Supremo foram comemoradas por
criminalistas. O criminalista Celso Vilardi, que representou empresários da
Camargo Corrêa, define a decisão como um “alento” e “precedente importante para
todo o país, e não só para a ‘lava jato’, pois um dos grandes problemas do
Brasil são as prisões preventivas duradouras”. Ele considera natural que, com o
fim da instrução, não se pode alegar perigo para qualquer produção de prova.
Segundo o
advogado Pierpaolo Cruz Bottini, defensor da jornalista Cláudia Cruz — mulher
do deputado cassado Eduardo Cunha —, “a corte cumpriu com seu papel, apontando
que a restrição à liberdade é excepcional e exige motivação mais densa do que
apenas alusões genéricas a gravidade do crime e a uma suposta periculosidade do
réu”.
José Roberto
Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, é
duro ao criticar o movimento que agora parece encontrar um freio no Supremo. “O
STF reafirma seu compromisso com a ordem constitucional democrática, da qual
jamais deveriam ter se afastado alguns magistrados brasileiros em nome da
‘Justiça das ruas’. Parece que se inicia a queda do terror jurídico penal no
nosso país”, afirma o advogado, que representa o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e o ex-ministro Antonio Palocci.
No mesmo
sentido, o conselheiro federal da OAB Guilherme Octávio Batochio diz que a tese
desta terça “reafirma o compromisso da Suprema Corte com a ordem
constitucional”, diante da “esquizofrenia que vem transformando em regra a
exceção do encarceramento cautelar”. Ele critica decisão da Corte Especial do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, “sem qualquer pudor”, declarou que
problemas inéditos descobertos pela “lava jato” exigem soluções excepcionais.
“Já era hora
de o Supremo impedir que prisões preventivas sejam vulgarizadas e estabelecidas
fora de pré-requisitos necessários a sua imposição, e assim acabar com
antecipações de pena e sequências de atos arbitrários que visam extorquir
depoimentos de pessoas e ampliar os poderes dos juízes de primeira instância”,
declara o criminalista Fernando Fernandes, defensor de Paulo Okamotto — presidente
do Instituto Lula.
A
constitucionalista Vera Chemim vê coerência da 2ª Turma com o entendimento do
Plenário do STF. “Ao que parece, o STF está colocando em prática as recentes
decisões do seu Plenário no sentido de manter presas apenas as pessoas
condenadas em segunda instância e respeitar o tempo legalmente previsto para a
prisão de natureza processual, como é o caso da prisão preventiva.”
O ministro
Gilmar Mendes já defendeu a necessidade de impor limites ao uso excessivo de
prisões preventivas.
CAUTELA
Nem todos os
advogados são tão otimistas com as decisões desta terça. Na avaliação de
Eduardo Kuntz, a corte deveria ter se baseado apenas na Lei de Execuções Penais
e na falta de necessidade da segregação cautelar, sem citar decisão do Plenário
do STF que permitiu prisão a partir da segunda instância.
“Confesso
ficar triste em comemorar uma decisão que me parece que nem deveria ter chegado
ao Supremo, mas vou torcer para que, no menor tempo possível, as prisões após
encerrado o segundo grau também possam ser revistas”, diz Kuntz.
Fernando
Castelo Branco, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico da
Faculdade de Direito do IDP São Paulo, não vê nas decisões uma mudança
jurisprudencial. “O que ocorreu hoje foi uma manifestação por maioria de votos,
pura e simplesmente, no sentido de entender que não estavam mais presentes os
requisitos para a manutenção da prisão preventiva. Em nada tem a ver com uma
mudança de entendimento do Supremo ainda no tocante ao início de cumprimento de
pena, depois de confirmado o decreto condenatório.”
Em fevereiro
de 2015, quando a 2ª Turma considerou irregular a prisão preventiva do
ex-diretor da Petrobras Renato Duque, advogados tinham a esperança de acabar
com as longas prisões preventivas imotivadas. Mas tiveram dificuldade em
afastar a tese de que o Supremo não pode apreciar HCs quando pedidos de
liminares só foram negados monocraticamente em outros tribunais, como determina
a Súmula 691.
O tema pode
voltar a ser enfrentado pela 2ª Turma, que decidiu, também nesta terça-feira,
julgar o pedido de Habeas Corpus impetrado pela defesa do ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu.
Com
informações do GGN