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Tão logo veio à tona, na noite de terça (10), por meio da
colunista Mônica Bergamo, a história da busca e apreensão na casa de Marcos
Lula, filho mais velho do ex-presidente Lula, passou a ser alvo de críticas
feitas por especialistas em Direito horrorizados com o nível de violações que
as primeiras informações sobre o caso guardavam.
O principal pilar do escândalo era o fato de que a
autorização judicial para a busca foi dada mediante o argumento de que câmeras
de vigilância dificultavam o "monitoramento" dos endereços alvos da
denúncia anônima. No ordenamento jurídico brasileiro, denúncia anônima por si
só não serve (ou não deveria servir) para nada.
O segundo ponto questionável é a notícia de que a Polícia
Civil, sob o comando de Geraldo Alckmin (PSDB), entrou em endereços ligados a
Marcos Lula com a desculpa de lá poderia existir drogas e armas de alto
calibre, e saiu carregando objetos pessoais de Marcos, como computadores,
mídias e outros papéis.
A chave para a questão está no mandado de busca e apreensão,
ainda não divulgado.
A DENÚNCIA ANÔNIMA
Professor de Direito Penal da PUC-SP, Edson Luis Baldan
explicou ao GGN que "mera informação anônima não fornece justa
causa para quebra da inviolabilidade do domicílio do cidadão que goza dessa
proteção em sede constitucional".
"Com 26 anos de atividade como Delegado de Polícia,
jamais imaginei recorrer a um Juiz de Direito para pleitear uma medida dessa
natureza com lastro exclusivo em inidônea denúncia anônima", disse Baldan.
Ao relatar o julgamento de um habeas corpus (HC 106.152), em
março 2016, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber também apontou
que denúncia anônima carece de investigações preliminares que atestem a
procedência das informações.
"(...) a não-confiabilidade dessas informações apócrifas
decorre do fato de que seus autores são desafetos da pessoa imputada, criando
sério risco de que o aparato policial e judicial seja movimentado como
instrumento de vingança particular", acrescentou Baldan.
No pedido para obter autorização para a busca na casa de
Marcos Lula, consta que a Polícia Civil recebeu notícia de que duas residências
estavam sendo usadas para "armazenamento de grande quantidade de drogas e
armas de alto calibre" e, em função disso, "iniciou-se investigações
para apurar os fatos".
Os investigadores fizeram "campanas veladas" em
dias e horários diferentes, e identificaram "grande movimentação" nas
chácaras. A principal suspeita apontada pelo delegado era a de que pessoas
entravam e saiam com caixas. Os policiais não encontraram "indícios de
moradia", e como mantiveram distância por conta das câmeras de vigilância,
não conseguiram apurar outra parte da denúncia: a de que as placas dos veículos
eram de Estados diversos.
Bom base nesses elementos, a Justiça concedeu o mandado.
O GGN pediu ao governo Alckmin acesso ao documento, mas não obteve
resposta.
DIFICULDADES NA
APURAÇÃO
Segundo Baldan, as investigações preliminares a partir
de denúncias anônimas são válidas. Mas ele indicou que, em casos como este, a
equipe de investigadores poderia ter esgotado outras possibilidades antes de
alegar que a distância dificultava o trabalho.
"Risível o argumento de que a existência de vigilância
eletrônica impeça o trabalho de investigação preliminar da polícia, pois esta
deve estar capacitada para transpor esse óbice e se mimetizar ao ambiente sem
despertar suspeitas do investigado, por exemplo: utilizando veículos
descaracterizados e fechados (estacionados a prudente distância do alvo em cujo
interior permanecem os policiais observando o endereço suspeito), simulando uma
atuação profissional (funcionário da limpeza pública, manutenção de rede
elétrica ou telefônica, vendedor ambulante) etc ... Tudo isso é elementar,
básico do trabalho investigatório, devendo o policial aliar essas conhecidas
estratégias à sua argúcia e criatividade diante do cenário diverso que se lhe
apresentar."
Além do mais, "caso nenhuma estratégia de investigação
preliminar discreta seja possível, a informação anônima deve ser
momentaneamente descartada, no aguardo de dados mais completos ou meios mais
eficazes para a apuração."
A APREENSÃO DE OBJETOS
PESSOAIS
A apreensão de dois notebooks, mídias e documentos nos
endereços de Marcos Lula sem a previsão no mandado de segurança pode ser outra
prova da arbitrariedade da operação.
O GGN solicitou à Polícia Civil, através da assessoria
da Secretaria de Segurança Pública do Estado, acesso ao inteiro teor da autorização
judicial para a busca e apreensão, entre outros dados. Até o fechamento desta
reportagem, não obteve retorno.
O que se sabe, através do pedido enviado à Justiça, é que a
autoridade policial demandou o mandado "com o objetivo de apreender produtos
ou instrumentos de crime, armas, drogas e etc."
Na visão de Baldan, "a excepcional medida judicial de
violação de domicílio deve, como requisito de sua legalidade e prestabilidade à
prova processual, ser executada com base em elementos objetivos que indiquem,
claramente, não só o fundamento autorizador da medida, mas, igualmente, que
delimitem o objeto dessa diligência de busca, não podendo sua finalidade ser
vaga, ampla ou indiscriminada."
Advogado e delegado aposentado da Polícia Federal, Armando Coelho
Neto disse ao GGN que "nos tempos da democracia, todo mandato
tinha que ser específico."
Neto explicou que a exceção é quando a Polícia entra em busca
de documentos e encontra um outro item evidentemente ilícito penalmente.
"Há variantes nessa questão do mandado de busca. (...) Seria diferente se
você tem mandado para entrar numa casa em busca de documento e de repente você
encontra um pacote de cocaína. Aí você encontrou um crime. Mas no caso
específico de você procurar um crime e de repente querer levar a casa toda
porque você pressupõe que no colhão, ou dentro das panelas, ou no laptop da
criança (tem alguma coisa), aí não... A ação policial tem que estar adstrita à
investigação específica, com endereço específico e objeto específico."
"Tirante essa hipótese, a apreensão de coisas ou
documentos (que por si só não caracterizem um ilícito) não contemplados no
instrumento de busca (...) serão imprestáveis para servir como prova porque
evidentemente ilícitas", acrescentou Baldan.
Para Armando, "nós estamos vivemos um período de
exceção, onde o Direito vem sendo solapado de todas as formas. Em nome de um
tal bem maior que ninguém declama, estão cometendo uma série de
arbitrariedades."
O ABUSO DE AUTORIDADE
O professor Edson Luis Baldan ainda apontou que "caso um
magistrado conceda mandado de busca e apreensão domiciliar com fundamento
exclusivo em mera denúncia anônima, configurada estará uma evidente violação a
garantia individual do cidadão, tutelada por norma constitucional inderrogável,
afigurando-se, em tese, um crime de abuso de autoridade consistente no atentado
à inviolabilidade ao domicílio e à honra de pessoa natural (Lei 4.898/65,
arts.3º , “b”, e 4º, “h”)".
A punição pode ser administrativa (advertência,
repreensão, suspensão do cargo por 5 a 180 dias, destituição de função,
demissão) e/ou criminal (penas oscilantes de 10 dias a 6 meses de detenção,
multa, perda do cargo e inabilitação para exercício de qualquer função pública
pelo prazo de até 3 anos).
Do GGN