A
condenação de Lula por unanimidade pela turma do TRF-4 que o julgou, embora
previsível, representou uma grave derrota para o ex-presidente, para o PT
e para as forças progressistas que defendem a democracia, a justiça e os
direitos sociais. As ilusões que alguns alimentavam de que pudesse haver um
dois a um ou até uma absolvição se esfumaçaram no céu tormentoso de Porto
Alegre. Essas ilusões perdidas devem servir de lição, indicando que, embora se
deva lutar nos tribunais superiores pela anulação do processo condenatório e
pelo direito de Lula ser candidato, não se deve ter fé nos mesmos, pois amplos
setores do Judiciário estão comprometidos com o golpe e com a interdição de
qualquer ameaça que possa significar a vitória de forças comprometidas com os interesses
do povo.
É
preciso entender que o Brasil está sendo governado por uma canalhocracia de
terno e toga, onde os segundos protegem os interesses dos primeiros - os
predadores do mercado - e onde os primeiros garantem ganhos extraordinários aos
togados, aos procuradores e aos grandes escritórios de advocacia, que
constituem um sistema jurídico nacional mafioso. A luta central, nos
tribunais e nas ruas, deve ser pela anulação do processo, pois ele viola o
Artigo 5º da Constituição, já que Sérgio Moro não é juiz natural para julgar um
processo que, como ele mesmo reconhece na sentença, e que os desembargadores do
TRF-4 ignoram, o caso do triplex nada tem a ver com a Petrobras e com a Lava
Jato. Lula precisa nomear outros defensores, que tenham renome e reputação,
pois a sua defesa em Porto Alegre foi desastrosa.
A
luta mais importante, no entanto, precisa ser travada nas ruas, com
mobilizações, atos, caravanas, com bloqueios de rodovias e avenidas e com a
construção de uma greve nacional. É claro que existe uma debilidade
organizativa e frágil capacidade mobilizadora do PT, dos sindicatos e das
forças de esquerda em geral. Isto ficou patente durante todo o processo de
derrubada da Dilma e foi reafirmado com a condenação de Lula. Com exceção de
Porto Alegre, não ocorreram atos significativos em outra cidades.
Mas
não existe outra saída: a força organizada precisa ser constituída no próprio
processo de mobilização. Mais do que isto. É preciso ter direção e comando. Das
reuniões e plenárias de que participei a convite de militantes petistas, no Rio
Grande do Sul e em São Paulo, foi possível constatar que a militância se
recente de orientação, direção e comando. Não há um sistema eficaz de
comunicação entre a direção e as bases. A rigor, a militância continua como um
exército sem generais, tal como ocorreu no processo do impeachment. E a direção
do PT continua como um comitê de generais de caserna sem exércitos. Não há um
estado maior, um comitê de crise, uma situação de prontidão permanente para
enfrentar esse momento.
O
maior risco que Lula corre é o de ser abandonado e trocado pelos interesses
eleitorais. Não manter a candidatura de Lula até o fim, mesmo que preso,
significa abandoná-lo à mercê de seus inimigos. Significa deixar que
crucifiquem o seu significado e a sua força simbólica, significa enterrar-lhe o
punhal da covardia e da traição em seu coração. Permitir isso significa, acima
de tudo, apunhalar a democracia e povo.
Manter
a candidatura Lula até o fim é a única forma de confrontar o golpe, de fazer com
que ele e seus áulicos do Judiciário enfrentem o dilema de manter Lula
candidato ou de validar uma eleição ilegítima, com a manutenção da
instabilidade política por mais quatro anos. Os progressistas e as esquerdas
precisam superar a síndrome das derrotas históricas através de uma prática e de
uma pedagogia do confronto. Ninguém nunca respeitará as esquerdas se elas não
forem capazes de impor medo aos seus inimigos. Lula não pode ser o
"Lulinha paz e amor". Deve ser o leão, capaz de afugentar as hienas e
os chacais que o querem política e simbolicamente destruído.
Dada
a fragilidade e a tibieza do PT e das demais forças de esquerda, Lula deve ser
o general de sua própria salvação. Deve ter o destemor de um Horácio Cocles,
sabendo que a salvação de uma república do povo brasileiro pobre depende dele,
acima de tudo. Lula não pode ser um Jango que se refugia no Uruguai sem lutar.
Se ele conseguir trazer o povo que o apóia para as ruas, para o campo das
batalhas, poderá derrotar os inimigos da república popular. Se for derrotado
lutando, estará criando um novo paradigma para as forças progressistas. O
paradigma da coragem e da virtude do combate, o paradigma do enfrentamento da
falsa unidade, do confronto com uma elite que derrubou as frágeis estacas da
democracia, de uma elite que odeia e esmaga os pobres.
É
legítimo desobedecer juízes que violaram a lei
A
desobediência às decisões de Moro, do TRF-4 e, eventualmente, de Tribunais
Superiores, é legítima e legal, pois eles violaram as leis e a Constituição ao
transformarem a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba em tribunal de exceção,
ao condenarem sem prova ao violarem o princípio constitucional de em dubio
pro reo, substituindo-o pelo princípio inconstitucional da "dúvida
razoável". Se restar alguma decência aos Tribunais Superiores, anularão o
processo contra Lula. Ao desobedecer esses juízes e desembargadores se
estará obedecendo a lei, pois a vontade deles não pode ser substituta da
lei. Ao assim querem, se instituíram como tiranetes do Judiciário. Moro e os
desembargadores não têm moral para se arrogarem paladinos do combate à
corrupção. Em primeiro lugar, porque não é esta sua função. Em segundo lugar,
porque recebem acima do teto constitucional, sendo este privilégio uma forma de
corrupção.
A
desobediência civil à vontade arbitrária dos tiranetes do Judiciário se
alicerça no pensamento liberal, desde John Locke. Ele afirmou, categoricamente,
que um homem "não pode submeter-se ao poder arbitrário de outro". Ao
se transformar a Vara Criminal de Curitiba em tribunal de exceção e, ao juiz
Moro escolher Lula como réu a ser julgado por ele, além de violar o Artigo 5º
da Constituição, também se violou o princípio liberal escrito por Locke de que
o poder "está na obrigação de dispensar justiça e decidir dos direitos dos
súditos mediante leis promulgadas, fixas e por juízes autorizados,
conhecidos". Lula foi julgado segundo "leis" nem autorizadas e
nem conhecidas e por um juiz que, pelo princípio da naturalidade, não estava
autorizado, quebrando-se assim a objetividade da competência jurisdicional.
Além
de combater os tiranetes do Judiciário e defender Lula, duas outras lutas
precisam ser travadas. A primeira, consiste em continuar o combate ao governo
iníquo, cínico e ilegítimo de Temer. Governo que degrada a vida do povo e
envergonha o Brasil no mundo. É preciso bloquear a continuidade do desmanche
social, cultural e nacional que esse governo vem promovendo.
Em
segundo lugar, Lula, os progressistas e as esquerdas precisam definir propostas
e ideias que representem um novo Brasil. Trata-se de propor um programa que
expresse uma revolução democrática. Não basta, apenas, propor políticas sociais
focalizadas para enfrentar os graves problemas de pobreza e da falta de
direitos. É preciso propor um programa reformador, capaz de remover as
condições estruturais da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da inaptidão
do Brasil para o desenvolvimento sustentável - desenvolvimento humano,
educacional, ambiental, científico, tecnológico e industrial.
As
forças progressistas e Lula precisam mostrar que serão capazes de resolver os
problemas cruciais que mantêm o Brasil preso às iniquidades humanas, ao atraso
no seu desenvolvimento e a uma presença marginal no mundo globalizado. A
apresentação desse programa tornará o combate ao golpe mais convincente e
eficaz, pois as forças conservadoras, dado o seu caráter predatório, são
incapazes de apontar qualquer caminho de futuro para o Brasil.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
GGN