Peça 1 – Bolsonaro,
Trump e Chávez
Como observa nosso colunista André Araújo, Bolsonaro tem
perfil muito mais próximo de Hugo Chávez do que de Donald Trump, começando pela
raiz militar de nível médio de ambos.
Trump nasceu na mais alta elite imobiliária de Nova
York, nunca foi deputado, seu mundo e ambiente nada tem a ver com o de
Bolsonaro. Além disso, os EUA, com 242 anos de instituições, jamais viveram
sequer tentativas de aventura ditatorial. Trata-se de contexto completamente
diferente do Brasil e Venezuela, onde as instituições são bem menos
sólidas e o histórico político permite aventuras de todos os tipos.
Países latinos se parecem, e o Brasil já viveu duas
ditaduras completas, a do Estado Novo e a de 1964. O mesmo ocorreu na
Venezuela, com as ditaduras de Juan Vicente Gomez e a do Coronel Marlos Perez
Gimenez.
Em comum com Trump, haverá a guerra diuturna com a mídia.
Peça 2 – o fator Moro
Dentro do realinhamento de forças, pós-eleição, há uma
tendência nítida de jornalistas de direita e de veículos, como a Globo, de
fortalecer a aliança criada com a Lava Jato e apostar em Moro.
Os idiotas da objetividade alegam que em 2014, quando começou
a Lava Jato e a perseguição ao PT, Moro não poderia prever que Bolsonaro
seria um dia presidente e o convidaria para Ministro.
Trata-se de um truque narrativo. Moro não podia prever
Bolsonaro, mas é evidente que estava construindo um capital politico para ser
usado mais a frente e, por óbvio, só no campo anti-petista.
Moro não iria largar a toga de repente se já não estivesse
com um plano previamente articulado de seguir carreira politica, assim
como na Itália com a turma das "Mãos Limpas".
Agora Moro pede férias e não demissão, para que tenha certeza
de que Bolsonaro entregará toda a amplitude de poder que impõe. É jogo
pesado. Se não conseguir o que quer volta ao cargo de juiz no fim de
dezembro.
Moro é especialista no “parece, mas não é".
Peça 3 – a repressão
Em sua primeira coletiva, Sérgio Moro rebateu desconfianças
de que agiria politicamente. Ele apenas vai seguir o que ele próprio interpreta
como lei, sem essas limitações chatas impostas pela Constituição e pelo Código
Penal. Ontem, deu um exemplo maiúsculo: caixa 2 dos inimigos merece condenação;
dos amigos, como o deputado Onix Lorenzetti, exige apenas um sinal de
arrependimento.
Não precisa sabe ler nas entrelinhas para identificar o
estado policial anunciado por Moro. Consistirá em espalhar forças tarefas por
todo o país, com ele tendo debaixo de si a Controladoria Geral da República
(CGU), o COAF (Conselho de Controle de Atividade Financeira), o sistema de
informações montados pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Para invadir a Universidade Federal de Santa Catarina, e
levar o reitor ao suicídio, bastou um relatório da CGU indicando
irregularidades pequenas e a certeza de impunidade por parte de uma delegada da
Polícia Federal e de uma juíza federal. Dia desses, a UFABC (Universidade
Federal do ABC) foi intimada a enviar para o Tribunal de Contas da União o
modelo pedagógico de um curso para sem-terra (que não envolvia nenhum recurso
público) para que fosse analisado pelos técnicos.
Ou seja, o estado policial já existe, com os órgãos de
controle agindo politicamente e o Judiciário endossando, na maioria das vezes,
qualquer acusação contra os ´inimigos´, ao arrepio da Constituição e dos
direitos civis.
Um Ministro efetivamente legalista pediria moderação aos
juízes, procuradores, e funcionários de órgãos de controle. Moro decide assumir
o comando das tropas. Com ele, esse movimento difuso será institucionalizado e
nacionalizado dentro do melhor receituário de polícia política. Nenhum inimigo
político será enquadrado em crime político, mas denunciado, processo e
condenado por qualquer álibi administrativo.
Peça 4 – o jogo
político
A quantidade de asneiras vazadas do exército de Bolsoleone é
recordista. A última é a proposta de fusão do Banco do Brasil com o Bank of
America para aumentar a competição bancária. Nem se fale da impropriedade da
proposta, mas do álibi de aumentar a concorrência fortalecendo e
desnacionalizando o maior banco brasileiro. Falta know how para legitimar as
tentativas de negociatas. Ou a proposta de quebra do sigilo das operações do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), confundindo
sigilo bancário com sigilo das operações. Tudo isso fruto da enorme
desinformação plantada pela mídia e pelo Ministério Público nos tempos de
preparativos do golpe do impeachment.
Hoje em dia, qualquer asneira, mesmo sem fundamento, é
propagada pela mídia brasiliense, ajudando a ampliar a balbúrdia informativa do
país.
Bolsonaro tem atuado ora como um bombeiro mambembe ora como
incendiário. Vez por outra, despeja declarações de apreço à democracia, que
soam mais inverossímeis que as declarações de Moro em defesa da legalidade.
Mesmo assim, não consegue disfarçar suas idiossincrasias em
relação à imprensa mainstream – Folha e veículos da Globo -, e nem em
relação ao Ministério Público Federal, conforme demonstrou na atitude grosseira
de não cumprimentar a Procuradora Geral da República Raquel Dodge no ato de
comemoração dos 30 anos da Constituição. Peça central do punitivismo cego que
levou Bolsonaro ao poder, o papel da PGR e do MPF foi parcialmente reabilitado
pelo discurso corajoso de Raquel Dodge no evento.
Não se tenha dúvida de que, mesmo antes do início de governo,
Moro já assume o papel de polo principal do governo, apoiado por todos aqueles
que temem as idiossincrasias de Bolsonaro e pretendem manter a aliança em torno
do delenda PT. Aliás, é admirável a maneira como as Organizações Globo
conseguem uniformizar a opinião de seus colunistas. Há mais disciplina por lá
que nas Forças Armadas.
Peça 5 – o confronto
Nas entrevistas que concede, Bolsonaro mostra-se inseguro,
titubeante, conhecendo suas próprias limitações. Diz asneiras e volta atrás,
apaga incêndios provocados por assessores, corrige suas próprias impropriedades.
Tratam-se de vacilações iniciais de quem se vê exposto à
cobertura diária sem um plano de voo. As bandeiras principais continuam de pé:
devastação da Amazônia, ataques aos avanços sociais, liquidação dos movimentos
sociais e dos sindicatos.
Ontem mesmo, na Câmara Federal, APAEs (Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais) e escolas sem partido tentavam avançar em todas as
frentes. Para voltar a controlar as verbas públicas destinadas à educação
inclusiva, representantes das APAEs sustentavam que a política atual (em que os
recursos ficam nas escolas federais) foi feita por ´corruptos´, mostrando como
o álibi da corrupção é utilizado para se apropriar dos recursos públicos.
Agora é aguardar os próximos passos e esperar algumas luzes
de racionalidade em um momento em que a besta se apropriou da opinião pública e
do próprio Congresso, onde o baixo clero, pela primeira vez, assumiu o comando.
GGN