A título de introdução – o que estava
em jogo
Como
abordamos em vários Xadrez, havia um mundo em transformação, a China e os BRICs
irrompendo como poderes alternativos, a crise de 2008 comprometendo o modelo
neoliberal. Ao mesmo tempo, uma acomodação da socialdemocracia nos anos de
liberalismo, queimando-a como alternativa econômica.
Por seu
lado, os Estados Unidos garantiam seu papel hegemônico no campo financeiro e
nas novas tecnologias de informação, já que a manufatura se mudou para a Ásia.
É nesse
contexto que, a partir de 2002, monta-se uma nova estratégia geopolítica
fundada no combate à corrupção. Envolvem-se nela o Departamento de Estado, as
instituições de espionagem (CIA e NSA), os órgãos policiais (FBI e Departamento
de Justiça) e as ONGs ambientais e anticorrupção.
Para consumo
externo, a intenção meritória de melhorar o mundo. No plano estratégico, a
tentativa de impedir as potências emergentes de percorrer o caminho trilhado
pelas potências atuais: no campo político, a promiscuidade inevitável entre
campeões nacionais e partidos políticos; na expansão externa, o uso inevitável
do suborno para penetrar em nações menores.
Por outro
lado, o avanço da espionagem eletrônica conferiu um poder imbatível aos órgãos
norte-americanos. A pretexto de combater o crime organizado, amplia-se a
cooperação internacional, entre MPs e policias federais dos diversos países.
Através desse duto, os EUA passam a levantar seletivamente informações contra
políticos não-alinhados em diversos países, como Brasil, Portugal, Alemanha,
França, Espanha, Coreia do Sul.
O
impeachment de Dilma Roussef teve três personagens centrais com laços estreitos
com os Estados Unidos:
·
Juiz Sérgio Moro
·
A Globo
·
Movimentos de rua.
Na última 5a,
foi publicado o post “Xadrez
de como a Globo caiu nas mãos do FBI”.
Vamos
avançar com mais informações que surgiram nos últimos dias.
Peça 1 – Sérgio Moro e o FBI
No GGN há um amplo
levantamento sobre a cooperação internacional, o sistema de cooperação
penal entre países, dos quais o Brasil é signatário. A cooperação deve ser
formalizada através do Ministério da Justiça, Itamaraty ou Procuradoria Geral
da República.
No caso
Banestado, houve uma aproximação informal entre o juiz Sérgio Moro,
procuradores e delegados da PF com o FBI, NSA e Departamento de Justiça dos
Estados Unidos.
Havia vários
indícios dessa ligação e da maneira como Moro foi abastecido por informações
das autoridades norte-americanas, para, mais tarde, conseguir transformar um
processo contra uma lavadora de carros em um escândalo nacional.
Na semana passada, o
Jornalistas Livres apresentou a evidência mais forte dessa cumplicidade, um
caso de 2007, no qual Moro autorizou um agente do FBI criasse um CNPJ falso
para uma ação controlada contra um falsário. Não informou sequer o Ministério
Público, denotando uma cumplicidade muito mais ampla e mais antiga do que até
então se imaginava.
O fato
revelado reforça as suspeitas sobre a ação deliberada de Moro e dos procuradores
de Curitiba de destruição de empresas brasileiras que competiam globalmente com
multinacionais norte-americanas e de imposição da agenda liberal da Ponte para
o Futuro.
Peça 2 – a Globo e o FBI
Por volta de 2014, o patriarca da Odebrecht, Emilio, indicava
a impossibilidade de qualquer forma de negociação com a Globo: ela estaria
refém do FBI. À medida que foram revelados detalhes da Operação Rimet -
conduzida pelo Ministério Público espanhol e pelo FBI - sua previsão fez
sentido.
Há vários
anos, os escândalos da FIFA eram tratados por um grupo restrito de jornalistas,
correspondentes internacionais, entre os quais o britânico Andrew Jennings e o
correspondente do Estadão em Genebra, Jamil Chade.
Em 2014, o jornalista-empresário brasileiro
J. Hawilla foi preso nos Estados Unidos e negociou um acordo de delação. Era o
principal contato da Globo com a CBF.
Uma pequena
cronologia para se entender o quadro atual:
18 de setembro de 2014 – entrevistado
pelo GGN, o jornalista Andrew Jennings desafiava: brasileiros, cadê
vocês? Forcem a CBF a abrir as contas”. Crítico da copa do Mundo no Brasil,
Jennings afirmou que “há muito o que a democracia brasileira poderia ter feito
que não fez. Legalmente, cuidar dos interesses do próprio país e do interesse
no futebol. O governo falhou, foram covardes contra um exército desarmado”.
12 de dezembro de 2014 – J.Hawila acerta o
acordo de delação com o FBI.
No acordo,
devolveu US$ 151 milhões de dólares, sendo US$ 25 milhões foram pagos no
momento do acordo, segundo o documento divulgado pela Justiça dos Estados
Unidos. Segundo a Justiça americana, Hawilla foi indiciado e culpado por
extorsão, conspiração por fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da
justiça.
O teor da
delação tornado público não mencionava a Globo e pouco se referia aos contratos
da CBF. Concentrava-se mais nas operações com a FIFA e nos Estados Unidos.
27 de maio de 2015 – o FBI cerca um hotel em
Zurique e prende vários executivos da FIFA. Explode o escândalo tendo como epicentro
da brasileira Traffic, de J. Hawilla, principal instrumento da Globo para
garantir a primazia nas transmissões de futebol no país, além de dono de várias
afiliadas da rede.
Globo
Esporte noticia as investigações do FBI sobre a CBD (Justiça
dos EUA: contrato da CBF com fornecedora é investigado por propina).
Mas se refere exclusivamente aos contratos de fornecedores.
2 de julho de 2015 –Segundo
informou o colunista Ricardo Feltrin, da UOL, a pedido do FBI, a
Polícia Federal passou a investigar os contratos da Globo com a CBF.
“A
reportagem do UOL apurou que contratos assinados entre a TV e a entidade em
anos passados serão submetidos ao escrutínio de especialistas da PF. Trata-se,
inclusive, de parte da colaboração que o país vem fazendo com as investigações
do FBI (...) A PF quer entender como funcionou a relação entre a gestão do
ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e o Departamento de Esportes da Globo. Na
TV aberta a Globo detém o monopólio de transmissão dos principais torneios de
futebol há quase 40 anos”.
10 de fevereiro de 2016 – em entrevista ao GGN, Jamil
Chade traz duas informações relevantes. A primeira, a de que o FBI se deu
conta de que o Brasil já estaria preparado para encarar seus grandes escândalos
a partir das manifestações de junho de 2013. Um deles, foi o que resultou na
Lava Jato. O segundo, o da FIFA. Mas as autoridades norte-americanas não
entendiam a razão do Ministério Público brasileiro ser o mais refratário a
colaborar com as investigações.
Durante as
próprias manifestações de 2013, a Globo fechara o acordo tácito com o MPF
(Ministério Público Federal), transformando em tema nacional o veto à PEC 37
(que reduzia os poderes de iinvestigação do MPF) passando a partir de então a
avalizar todas suas ações, incentivando o jogo político. Dessa parceria,
monta-se a divulgação maciça de escândalos, com o MPF e a PF alimentando a
mídia com vazamentos diários, gerando o clima de catarse que leva multidões às
ruas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff.
Peça 3 – a mão estrangeira nos
movimentos de rua
O
aparecimento de organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) colocou no
foco os irmãos Kock,
bilionários norte-americanos que resolveram investir na mobilização
política nos Estados Unidos e em outros países, como templários do livre
mercado. Seguem uma antiga tradição de grupos empresariais fundamentalistas,
como o W.R.Grace, católicos de origem irlandesa que, nos anos 60, bancavam o
padre Peyton e sua cruzada pelo “rearmamento moral”. No Brasil, também surgiram organizações
bancadas com recursos de grandes grupos.
Hoje em dia,
com os avanços do big data, tornou-se relativamente simples viralizar
bandeiras, protestos, principalmente quando se cria o caldo de cultura
adequado, através dos grandes veículos de comunicação.
Conclusão
Até agora, a
concentração de mídia era vista como instrumento que desequilibrava o jogo
político e social, impedindo as manifestações plurais, especialmente das faixas
de menor renda.
A crise que
culminou no impeachment de Dilma - e que poderá levar ao impeachment de Temer -
tem desdobramentos muitos mais sérios: a destruição da engenharia nacional, os
acordos de mercado com uma quadrilha que assume o poder, atacando as reservas
de pré-sal, promovendo vendas de empresas estatais na bacia das almas, se
propondo a autorizar a venda maciça de terras para estrangeiros.
Claramente o
monopólio de mídia torna-se uma ameaça real à soberania nacional.
Nesses
tempos de redes sociais, big datas e cooperação internacional, bastou a
cumplicidade de um juiz de 1a instância junto com procuradores e delegados
de um estado interiorano – , a cooptação do maior grupo de mídia do país,
e a organização, via redes sociais, de movimentos de rua, para implodir o
sistema político, proceder a uma queima irresponsável de ativos nacionais e
impor uma agenda econômica sem negociação e sem aprovação da opinião pública.
A partir da
reorganização política brasileira, em que base se der, a questão da regulação
da mídia e das concessões, assim como o enquadramento do Ministério Público
Federal e da Polícia Federal, ao lado de formas modernas de combate à
corrupção, terão que se converter em bandeiras prioritárias para a consolidação
da democracia.