Peça 1 – o enredo da Lava Jato
Apesar
do comando difuso, entre mídia, troupe de Eduardo Cunha, PSDB e Departamento de
Estado norte-americano (através da cooperação internacional), a trama da Lava
Jato era de roteiro relativamente simples.
Haveria
uma ação intermediária, o impeachment de Dilma. Depois, a ação definitiva, a
condenação de Lula com o esfacelamento automático do PT como força política.
Houve
intercorrências inevitáveis – como as denúncias contra próceres tucanos,
rapidamente abafadas -, importantes para se tentar conferir legitimidade
jurídica ao jogo, e um desastre imprevisível: as delações da JBS que atingiram
Aécio Neves no peito. Aí o elefante ficou muito grande para ser escondido
debaixo do tapete.
Tudo
caminhava nos conformes. Inclusive chantagear o grupo que assumiu interinamente
o poder, obrigando-o a caminhar com o desmonte do Estado social para conseguir
alguma sobrevida política. Depois engaiolá-los como grande gesto final.
Mas
cometeram um erro central: apostaram tudo em um cavalo manco, o grupo de
bacharéis de Curitiba, procuradores e delegados, e em um juiz sem noção que
tocou os inquéritos da Lava Jato.
Aí
o plano começou a degringolar.
Peça 2 – os cabeças de planilha e o
os cabeças de vade mecum
Na
economia, cansei de descrever o tipo intitulado cabeça-de-planilha.
Como
se faz ciência aplicada:
1.
O sujeito se forma, muitas vezes frequenta universidades estrangeiras e volta
armado de um instrumental teórico.
2.
Depois, precisa mergulhar na analise de caso, a economia ou, no caso de
procuradores, o processo que está sendo tocado. Essa é a etapa principal, a
capacidade de captar todos os detalhes, estabelecer correlações e desenvolver
uma narrativa factível que identifique claramente o criminoso. Não se confunda
preparo com competência ou inteligência. No Ministério Público mesmo, há
inúmeras evidências de procuradores com menor aparato teórico produzindo mais
resultados do que outros com PhDs, porque muito mais capacitados.
3.
Só depois de levantados todos os dados, as provas e evidências, recorre-se ao
aparato teórico para definir a narrativa, os crimes identificados e a punição
requerida. Evidentemente, quando se casa aparato teórica com inteligência
analítica, se tem o super-economista e o super-procurador.
Anos
atrás aprendi uma regra de ouro com um grande físico brasileiro: quem pensa
claro, escreve claro. Quando o sujeito recorrer a muitas firulas em defesa de
sua tese, de duas, uma: ou é um gênio ou embusteiro. Gênio, só conheci
Einstein, me dizia ele.
O
economista medíocre salta a etapa principal, da analise de caso. Vai direto na
teoria que aprendeu e faz como os cabeções do Banco Central: derrubam a
inflação abaixo do piso da meta, prognosticando a entrada do país na depressão.
O
mesmo ocorre com procuradores (e advogados) com baixa capacidade analítica e
bom estofo teórico. Tratam de fugir da análise de caso e rechear as peças com
firulas sem fim, como creme de leite para disfarçar a falta de consistência do
bolo.
No
caso da Lava Jato, sua estratégia consistiu em criar uma narrativa
prévia, obrigar os delatores a preencher as lacunas com meras declarações, tipo
“Lula sabia de tudo”, colocar os técnicos para pesquisar os bancos de dados da
Receita, COAF, Bacen, juntar pitadas da cooperação internacional, tudo
devidamente vazado para a imprensa, para passar a ideia de uma avalanche
incontornável.
Se
não for suficiente, dentro do Código Penal em vigor, eles dão um by-pass: se
valem de um suponhamos que o Código Penal fosse outro.
Me
lembram muito um professor de química do científico que foi até Ouro Preto e,
na Faculdade de Engenharia, foi confrontado com uma enigma lógico que ninguém
conseguia resolver. Quando chegou no ponto nevrálgico, pulou para a resposta
conhecida. Aí perguntaram em qual lei da química ele tinha se baseado. E ele:
acabei de criar.
Para
suprir a falta de elementos, o criativo procurador Deltan Dallagnol apelou para
sua erudição-de-pegar-incautos e citou teorias contemporâneas, sobre analises
probabilísticas.
Confrontado
com a opinião de pesos-pesados do direito, que mostraram que as teorias se
aplicavam às técnicas de investigação, jamais como prova jurídica, as piruetas
retóricas de Dallagnol lembraram cenas do filme Indiana Jones. Mais
especificamente aquela em que o beduíno puxa a cimitarra, piruleteia para
cá e para lá, um malabarismo aqui, um volteio acolá e Indiana Jones olhando.
Até que acaba com a brincadeira simplesmente sacando o revólver e dando-lhe um
tiro.
Peça 3 - as teorias probabilísticas
de Dallagnol
Na
peça de acusação do caso triplex, Dallagnol supre a carência de provas com
teorias probabilísticas, que são utilizadas apenas para dar mais foco às
investigações.
Vejamos
como ele aplicou a teoria na prática, em uma análise de caso simples.
Veja a charada:
1.
Você tem três balas parra atingir Lula, antes que ele se candidate a presidente
novamente: o triplex, o terreno para o Instituto Lula e o sítio de Atibaia.
2.
Pelos prazos em curso, só há tempo para um tiro. Qual você escolhe.
Vamos
a um pequeno exercício de probabilidade:
Caso
|
Provas
|
Evidências de posse
|
Triplex
|
Nenhuma
|
Uma ou duas visitas. Sem usufruto.
|
Terreno
|
Nenhuma
|
Nenhuma
|
Sítio de Atibaia
|
Nenhuma
|
Usufruto, com dona Marisa participando diretamente das reformas e a família frequentando o sítio.
|
Os
três casos são fracos.
Não
há dúvida de que houve mimos de empreiteiras para Lula. Afinal, o modelo de
desenvolvimento adotado no seu governo transformou-as em players
internacionais, até serem destruídas pela Lava Jato. Além disso, Lula
representava um imenso capital diplomático, por sua popularidade especialmente
em novos mercados prospectados por elas.
Mas
não se levantou prova alguma de que houve contrapartida em contratos, o que
caracterizaria a propina. Ou mesmo de que houvesse aumento patrimonial de Lula.
Sem as provas, ficam-se nos mimos, sem acréscimo patrimonial, sem
enriquecimento ilícito.
Mesmo
assim, dentre os três processos, o único que poderia melhorar um pouco a
probabilidade dos bacharéis seria o sítio de Atibaia, devido ao usufruto.
Mas
decidiram apostar tudo no triplex, confiando no depoimento (alterado) de Léo
Pinheiro, o cappo da OAS.
A
peça é curiosa porque desenvolve toda uma teoria para uma nova qualificação de
organização criminosa: a organização política, que prescindiria da apresentação
de provas objetivas. Usa uma retórica inflamada, repetindo exaustivamente que
Lula comandava uma organização criminosa, que os crimes eram difusos, que
haveria dificuldade para identificar as provas. E, na mesma peça, diz que as
propinas são provenientes de três contratos específicos. Especificou, tem que
provar. Ou seja, uma baita volta para justificar a impossibilidade de levantar
provas e, no meio, a afirmação taxativa de que as propinas foram originárias de
três obras, o que exigiria a comprovação com provas.
Aí
houve o caso curiosíssimo do juiz que copidescou o procurador.
Logo
que começou a Lava Jato, defensores da cumplicidade entre juiz, procuradores e
delegados alegavam que, havendo essa combinação, o juiz poderia corrigir erros
dos procuradores e delegados no decorrer dos inquéritos e processos.
A
afirmação já parecia estranha mas, enfim, estava-se nem pleno reinado do
direito penal do inimigo, brilhantemente defendido pelo Ministro Luís Roberto
Barroso.
O
que não se esperava é que o juiz corrigisse a própria peça final de acusação.
Para salvar o caso, Moro teve que reescrever a acusação afirmando que as
propinas foram originárias de vários contratos, não especificamente da
Petrobras.
Peça 4 – o partidarismo é mau negócio
Toda
a argumentação de Dallagnol estaria adequada em uma ação civil contra Lula.
Através dela, teria mais possibilidade de condenar Lula, cassar sua
aposentadoria, impor multas elevadas, simplesmente porque na ação civil não há
a necessidade da prova final.
Veja
o seguinte exemplo:
1.
Um fazendeiro contrata um ajudante para vigiar a fazenda.
2.
O ajudante mata um invasor.
Uma
ação criminal só conseguiria condenar o fazendeiro se comprovasse cabalmente
que ele deu a ordem, que autorizou o ajudante a atirar em quem entrasse. Não
bastaria mostrar i contrato de trabalho. Já em uma ação civil certamente o
fazendeiro seria condenado a indenizar a família da vítima. A ação civil não
exigiria o detalhamento do crime e sujeitaria o réu a um conjunto de sanções.
O
domínio do fato – pretendido por Dallagnol para imputar a Lula o comando dos
esquemas criminosos – não tem o condão de fazer com que uma responsabilidade
subjetiva se torne objetiva. Numa ação civil, haveria mais possibilidade de
condenar a falta de providências de Lula.
Com
seu palavrório, Dallagnol pretendeu uma nova teoria do direito para crimes de
poder. Quis reescrever a teoria da prova sem dispor de fôlego intelectual para
tanto, razão de ter sido fuzilado por juristas mais preparados.
O
Código Penal brasileiro é da legalidade estrita. Só existe crime se tiver lei
penal descrevendo o crime e se for provado em todos os fatos e ainda provado o
dolo do agente.
Não
se pode importar princípios de fora. O próprio Ministério Público tentou
introduzir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade no Brasil e não
conseguiu. Os criminosos podem ser punidos, mas foi mantido o prazo de
prescrição.
E
foi assim, por presunção, onipotência, pelo embevecimento com as repercussões
no Twitter e no Facebook, pela ambição de ser o homem que levou Lula de volta
para a prisão que a montanha de citações de Dallagnol pariu um rato.
Do
GGN