Com
perplexidade, li a sinistra nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil
(AJUFE), em conjunto com a Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR), a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e a
Associação dos Juízes Federais de Santa Catarina (AJUFESC). Nela,
registram que, ao mesmo tempo em que lamentam a morte do reitor Luiz Carlos
Cancellier e se solidarizam com a família “nesse momento de dor”, vêm a público
repudiar afirmações de eventuais exageros na Operação Ouvidos Moucos.
O
sinistro começa por aí. Não enxergam exagero algum numa ciclo de ações que soam
como represália coronelesca das brenhas. A ação em tela é só mais uma, num
conjunto de outras, que não precisam ser enumeradas. Genericamente, os
desastres das operações da PF, não raro com endosso do Ministério Público
Federal (amparadas por ordens judiciais), de há muito têm ares grotescos. Faz
tempo que até o suspeitíssimo Gilmar Mendes fala de “prisões
espetacularizadas”. Sem embargo, os calendários para desenvolvimento e os
vazamentos seletivos por si sós garantem a chancela de ações políticas. A
rigor, traduzem a explicita partidarização, nesses tempos de ausência e negação
de provas permitidas em direito. Revelam o espírito do golpe e do
“Direito Penal do Lula”.
Desse
modo, soa grotesco tentar minimizar exageros, sobretudo quando, em que pese o
preenchimento de alguns requisitos legais, trazem a marca do voluntarismo
subjetivista. Um subjetivismo moralista que se contrapõe à subjetividade da dor
alheia espezinhada. O “respeito” que a nota registra em relação à família não
foi o mesmo quando a fúria punitiva humilhou publicamente um homem com
história, currículo e DNA democrático. Um reitor de universidade foi tratado
como rábula, mas, para os oficiantes do moralismo de plantão, isso não é dor.
Como dito no texto da semana passada, são ações executadas por pessoas para
quem dor é o dedo preso numa porta. Desse modo, a dor em relação à família, em
detrimento da dor do então vivo, soa como mera retórica corporativista, de quem
está “acima do bem e do mal”.
Não
há perdão, já o disse e repito: a Polícia Federal entrou para a história dos
golpes, e, o Ministério Público, que deveria ser o fiscal da lei, tem feito
leituras de rasas e de conveniências da lei. Basta comparar a postura da
Procuradoria Geral da República em relação ao grampo da legítima presidenta
Dilma Rousseff (Fora Temer!). O que dizer do endosso ao impedimento de nomeação
do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva para ministro da Casa Civil (Dilma)?
O que dizer de caso similar sobre a nomeação de Moreira Franco, cuja secretaria
foi transformada do dia para a noite em ministério, em pleno curso de denúncias
e investigações? Onde estava o fiscal da lei quando um procurador “designado”
pelo panfleto político conhecido por Veja queria se antecipar a Sérgio Moro
para prender Lula? Onde estava a tal Ajufe quando Sérgio Moro inventou o
“convite coercitivo” para Lula?
Quem
matou o reitor foi quem concorreu para a degradação pública de sua história. A
vítima não teve direito à subjetividade da amargura, nem à dor com a qual não
conseguiu viver. A imprensa jogou sal na subjetividade de uma ferida
idiossincrásica. Coisas do limite humano! E agora, cumpre perguntar: quem
promoveu a degradação pública de pessoas, destruiu biografias - inspirado numa
série de outras similares? Que juiz para proferir uma sentença, ora assume
papel de acusador, ora de palestrante formador de opinião pública? Ora assume o
papel de vítima, para tentar explicar porque ignora essa ou aquela prova ou
falta dessas? Quem tentou prender o acompanhante de uma pessoa com câncer
dentro de um hospital? Quem foi prender e quem deu manifestação favorável? Quem
foi que, repentinamente, converteu essa mesma prisão de natureza necessária
para desnecessária? Quem foi que se escudou num “eu não sabia”, quando Lula
(por dedução) “sabia de tudo”?
É
preciso contextualizar o suicídio do reitor. O “golpíchment”, viciado na
origem, seguiu os trâmites da “maconha intrujada”. Hoje, são fartas as notícias
de votos comprados. Viciado “ab ovo”, o estupro à democracia se deu com omissão
da suporta “Alta Corte”. Não vi notas de delegados, procuradores e juízes
defendendo a moralidade, estado de direito, democracia. Desse modo, soam torpes
os argumentos da nota, numa democracia destroçada. As instituições
públicas têm como aliadas uma imprensa corrupta, que se encarrega de preparar o
espírito dos leigos para aceitar como normal as ilegalidades e o
autoritarismo em curso, maquiados de pretensa legalidade.
A
carta assinada pelos tais operadores do direito traz a marca do “quem usa
cuida”. Já que suas ações são politizadas, só lhes resta a insólita conclusão
de que debater excessos é politizar a tragédia. Vejam o que dizem: “Ao
contrário do que vem sendo afirmado por quem quer se aproveitar de uma tragédia
para fins políticos, no Brasil os critérios usados para uma prisão processual,
ou sua revogação, são controlados, restritos e rígidos. Uma tragédia pessoal
não deveria ser utilizada para manipular a opinião pública, razão pela qual as
autoridades públicas em questão, em respeito ao investigado e a sua família,
recusam-se a participar de um debate nessas condições”. Como assim?
Haja
peroração! “Os integrantes das respectivas carreiras, não apenas na referida
operação, como também no exercício de suas demais atribuições funcionais,
norteiam-se pelos princípios da impessoalidade e da transparência, atuando de
forma técnica e com base na lei”.
É
de se perguntar: qual a impessoalidade em ações dirigidas para o Partido dos
Trabalhadores, previamente anunciadas para a imprensa? Qual a impessoalidade de
um delegado federal que fez campanha para o candidato Aécio? Que dizer de
Sérgio Moro em fotos ao lado de João Dória, Aécio Neves, Gedel Vieira, Michel
Temer, Geraldo Alckmin? Qual a imparcialidade dos oficiantes da Farsa Jato
nesse contexto político?
Ah,
tá. “Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão”. Qual a
importância de uma tragédia pessoal diante de vossa impunidade e de vosso
corporativismo? Sim, sei, “timing é tudo”. A solidariedade às vítimas é
condenável, é coisa de "aproveitadores". Só a defesa dos algozes é
moral. Como donos da verdade, não toleram contestação. A julgar pela postura,
são seres infalíveis, acima do bem e do mal. “Probleminhas em operações
acontecem. Fazer o quê”?
Um
homem público movido pelo sentimento do injusto se mata e os representantes
daqueles que, técnica e genericamente, contribuíram para sua morte, se recusam
ao debate. E o mais grotesco: não o fazem "em respeito à família" do
falecido reitor.
Pasmem!
Não querem a opinião da sociedade em tragédias decorrentes de seus atos - da
quebra de empresas à destruição de biografias. Se não querem debater, não
querem ouvir ninguém, o silêncio sobre o cadáver do reitor explica bem o
significado do nome “Operação Ouvidos Moucos”.
Armando
Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia
Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
GGN