Os
últimos dias foram históricos, de afirmação das instituições nacionais em
relação a dois poderes paralelos.
Em
Brasília, finalmente a Procuradora Geral da República Raquel Dodge assumiu
plenamente o cargo e enquadrou o grupo da Lava Jato – que junta procuradores,
juízes de direito no que se convencionou chamar de “a República do Paraná”.
Como
previmos, a história da criação de uma fundação de direito privado, com
controle dos procuradores da Lava Jato, visando administrar a soma
inacreditável de R$ 2,5 bilhões, foi o ponto de inflexão na saga da operação.
Trincou o cristal permitindo, nos próximos meses, um levantamento amplo do que
ocorreu nesses anos de exercício do poder absoluto.
O
segundo poder a ser enquadrado foi o das milícias, com a operação que resultou
na prisão dos dois assassinos da ex-vereadora Marielle Franco.
Lava
Jato e milícias, cada qual na sua área, recorriam às mesmas ferramentas de
amedrontamento dos adversários, uma com vazamentos e assassinatos de reputação,
outra com assassinatos físicos, mas ambas se valendo da mesma base de apoio
político das milícias digitais, dentro da mesma lógica de disputa de poder. E
ambas intrinsicamente ligadas ao fenômeno e ao governo de Jair Bolsonaro, pacto
consolidado na assunção de Sérgio Moro como Ministro da Justiça.
Os
próximos meses serão relevantes para se levantar a enorme indústria que se
montou em torno do combate à corrupção e o preço pago pelo país. Por trás,
desse jogo, uma indústria que se montou mundialmente em torno do combate
à corrupção.
Peça 1 – a cadeia
improdutiva do combate à corrupção
Os
dois elementos centrais na criação da cadeia de valor da luta anticorrupção
foram os acordos de cooperação internacional e a legislação anticorrupção
emplacada pelos Estados Unidos no âmbito da OCDE. Por ela, qualquer ato de
corrupção envolvendo o dólar será colocado sob jurisdição norte-americana.
Com
base na nova legislação, o Departamento de Justiça (DoJ) e o Departamento de
Estado montaram estratégias geopolíticas, enquadrando empresas de outros países
de interesse estratégico norte-americano.
O
enquadramento obedece ao seguinte roteiro:
Denúncia
criminal nos Estados Unidos.
Acordo
de leniência impondo multas elevadas e termos de ajustamento de conduta (TACs).
Parceria
com Ministérios Públicos dos países de origem das empresas.
Os
TACs foram terceirizados para grandes escritórios de advocacia, com ampla
influência no DoJ, que se especializaram em normas de compliance.
Em
cima dessa estrutura se montou a indústria improdutiva do combate à
corrupção:
Contratação
dos escritórios por somas milionárias.
No
caso do Ministério Público Federal brasileiro, disponibilidade de provas e
testemunhas contra as estatais brasileiras, visando instruir grandes ações de
indenização, bancadas pelos chamados fundos abutres.
Desmonte
das empresas investigadas, visando facilitar a venda de ativos.
As
grandes operações da Lava Jato abriram espaço para três escritórios de
advocacia norte-americanos: a Baker McKenzie, o Hogan Lovells e o Gibson, Dunn
& Crutcher.
Os
três se tornaram multinacionais poderosas trabalhando as normas de conformidade
da legislação norte-americana.
Peça 2 – o caso Petrobras
O
total das propinas na Petrobras até hoje não foi calculado porque se faz
dupla, tripla e quintupla contagem. Mas não deve ter chegado a um bilhão de
reais.
O
custo direto da Lava Jato à empresa, sem contar o desmonte da engenharia
nacional:
*
Multa no DoJ (Departamento de Justiça dos EUA): US$868 milhões;
*
Indenização aos acionistas minoritários US$2,9 bilhões;
*
Honorários advocatícios, mais de US$300 milhões;
*
como consequência da Lava Jato já foram vendidos US$23 bilhões de ativos,
desintegrando a empresa, que agora vale muito menos.
Há
muitas estatais de petróleo envolvidas em corrupção. Mas nenhum grande país fez
campanha contra sua própria estatal, incluindo a Pemex, o Sonangol, a
Ecopetrol, a Sonatrach, a Sinopec, a Iraq National Petroleum. Nenhum Ministério
Público desses países foi a Washington para acusar sua empresa de petróleo,
entregando documentos e testemunhas contra ela.
Com
os últimos fatos divulgados, fica claro o acerto entre a Lava Jato e Pedro
Parente, presidente da Petrobras.
Parente
fechou um acordo com acionistas norte-americanos que surpreendeu até grandes
escritórios de advocacia instalados no Brasil. Os advogados da ação julgavam
que o máximo que conseguiriam seria um acordo de US$ 1 bilhão. A Petrobras
aceitou pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar a ação, um evidente escândalo, mas
que passou batido pelos templários da Lava Jato.
Ao
mesmo tempo em que fechava negócios ruinosos, a Petrobras firmava um acordo com
autoridades norte-americanas destinando R$ 2,5 bilhões para gestão da República
do Paraná.
Peça 3 – o papel de Ellen
Gracie
A
Hogan chegou à Petrobras em 2012, quando o diretor jurídico da Petrobrás
Venezuela S.A., Diógenes Bermudez, saiu da empresa e foi para a Hogan Lovells.
Bermudez
é formado pela Universidade Central da Venezuela e com especialização na
Georgetown University. Antes de ir para a Petrobras Venezuela trabalhava na
PDVSA como diretor jurídico da sua subsidiária Lagoven. Quando foi para a Hogan
Lovells levou junto a conta da Petrobras Venezuela e a partir de Washington,
sua base hoje comanda a conta da cliente Petrobras global, um mega cliente.
Não
é o único supernegócio de escritórios de advocacia com a Petrobras. Na ação
junto ao Departamento de Justiça a Petrobras contratou o Baker Mackenzie,
também caríssimo e outro escritório de monitoramento, de confiança do
Departamento de Justiça, que fica dentro da própria empresa.
Foi
contratado também o escritório de Ellen Gracie, ex-Ministra do STF (Supremo
Tribunal Federal) para supervisionar os serviços de compliance.
Peça 4 – o caso
Embraer-Bombardier
Como
resultado do TAC, a empresa passou a conviver com um interventor e obrigada a
informar as autoridades norte-americanas sobre cada passo estratégico.
Paralelamente,
assinou um TAC com a Procuradoria da República no Rio. Um dos procuradores que
participou do TAC foi Marcelo Miller que, tempos depois, seria contratado pela
Trench Rossi, o escritório brasileiro sócio da Baker McKenzie.
Ao
mesmo tempo em que trabalhava para a Embraer, a Baker McKenzie era a consultora
da Boeing e sua lobista junto ao Congresso norte-americano. Foi
nessa condição que assessorou a Boeing no processo de aquisição da
Embraer.
Peça 5 – o caso
Eletrobras
Em
2016, a Lava Jato foi até os Estados Unidos, uma equipe chefiada pelo então
Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Lá, Janot recebeu pessoalmente de
uma advogada do Departamento de Justiças as denúncias contra a Eletronorte,
braço da Eletrobras que cuidava da energia nuclear.
Foi
o álibi para uma intervenção ampla na Eletrobras. Para supervisionar a
implementação do compliance, foi contratado o escritório de Ellen Gracie
por R$ 4 milhões da Eletrobras, sem licitação. Provavelmente coube a Gracie
levar o Hogan Lovells para a Eletrobras. A supervisora não definiu um contrato
com começo, meio e fim, mas um contrato por horas trabalhadas. Ampliou o escopo
do trabalho aumentando
em cinco vezes seu valor.
Por
conta desse processo, hoje em dia há um olheiro do DoJ acompanhando todos os
passos da empresa, inclusive a área nuclear.
Peça 6 – o enorme
pesadelo
Todo
esse pesadelo se deveu à destruição das instituições brasileiras. A Lava Jato
viu-se dotada de um poder absoluto. Milícias digitais, blogs de ultra direita
difundiram denúncias contra Ministros do STF, inibindo sua atuação. Ao mesmo
tempo, insuflavam as redes contra o STF e o Superior Tribunal de Justiça.
O
STJ é um tribunal polêmico, o STF igualmente. Existem Ministros polêmicos, sim.
Mas a maior ameaça ao país, o quadro que levou à barbárie e ao fenômeno
Bolsonaro, foram os poderes amplos conferidos à Lava Jato, a insubordinação de
juízes e procuradores de primeira instância, cada qual criando seu território
de poder particular.
O
grande pacto nacional terá que se dar em cima da reconstrução das instituições,
especialmente dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República.
Será a única maneira de impedir que o país se transforme definitivamente em um
grande México, sob domínio político das milícias.
GGN