Seria importante que o
Ministério Público Federal e a própria Controladoria Geral da União abrissem os
olhos. A Eletrobrás e o Ministério de Minas e Energia estão nas mãos de uma
quadrilha que, se não for detida, imporá ao país prejuízos irreversíveis para
as próximas décadas.
Peça
1 – o caso Cemar e o Ministério Público da Suíça
Para entender a jogada
que se arma com a Eletrobras, é bom conhecer seus antecedentes: o caso CEMAR
(Centrais Elétricas do Maranhão).
Ela foi adquirida por
um grupo norte-americano, um dos muitos aventureiros que vieram bicar as
elétricas brasileiras, no processo de privatização do governo Fernando Henrique
Cardoso.
Esses grupos montavam
empresas em paraísos fiscais, vinham ao Brasil, adquiriam as elétricas
privatizadas com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) dando como única garantia as próprias ações das empresas
adquiridas.
Não dispendiam um
tostão e não corriam risco algum. Não dando certo – como ocorreu com a
Eletropaulo e tantas outras -, entregavam as ações das próprias empresas
quebradas como garantia do financiamento. Foi o que ocorreu após o “apagão”.
A CEMAR foi uma dessas
empresas. Depois de ter sido devolvida pelo investidor norte-americano, houve
um período de intervenção da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) que
saneou a empresa.
Na privatização houve
uma disputa entre a SVM (do grupo Garantia, o mesmo que controla a Equatorial,
principal agente da privatização da Eletrobras) e um fundo norte-americano.
Venceu a SVM, com uma proposta substancialmente inferior à do grupo
norte-americano. Levou a CEMAR pelo valor simbólico de R$ 1,00. E se
comprometeu a investir R$ 30 milhões na empresa.
Com os resultados
operacionais do primeiro ano, a SVM conseguiu mais recursos que o dinheiro
comprometido com o investimento.
Tudo indicava que, por
trás dos negócios, estava a influência do senador José Sarney no recém-constituído
governo Lula. Na época, escrevi várias colunas na Folha denunciando a jogada.
O principal concorrente
era o Mt. Baker, fundo norte-americano, que inicialmente foi desclassificado
sob a alegação não ter cumprido um conjunto de requisitos burocráticos - como a
não-apresentação de certidão negativa de falência ou falta de histórico no
setor. A empresa foi organizada por Tom Tribone (que trouxe para o Brasil a
AES), com recursos do Franklin Templeton Fund (um dos maiores fundos de investimentos
dos EUA, com US$ 700 bilhões de ativos) e do Darby Fund, do ex-secretário do
Tesouro Nicholas Brady. Só. O grupo entrou com um mandado de segurança para
apresentar sua proposta. Conseguiu, mas foi barrado pelas jogadas armadas para
garantir a CEMAR para a SVM.
Depois disso, o
Ministério Público da Suíça levantou dados sobre a propina paga, que foi
depositada em bancos suíços. Logo após a privatização da CEMAR, procuradores
suíços convocaram representantes do concorrente americano, para que depusessem
sobre o contexto em que se deu a propina. Os depoimentos foram prestados na
Embaixada da Suíça em Washington. Bastará uma solicitação da área internacional
da Procuradoria Geral da República para receber esse material do Ministério
Público da Suíça.
A Equatorial
nasceu dessa operação e hoje é controlada pela Squadra Investimentos, que junta
a fina flor do financismo caboclo, egressos do Opportunity, 3G, Pactual.
Peça
2 – a estratégia Eletrobrás
O mesmo grupo
Equatorial tenta repetir a operação com as distribuidoras da Eletrobrás.
A jogada consiste em
jogar as dívidas na Eletrobrás, deixando as distribuidoras limpas para serem
vendidas de graça. Fala-se em R$ 50 mil cada, preço de num carro usado.
Ao mesmo tempo, estão
sendo divulgados valores da Eletrobrás, de irrisórios R$ 12 bilhões. Para a
maior empresa elétrica do mundo, em capacidade de geração, o mesmo valor
conseguido recentemente pela churrascaria Fogo no Chão. E chagaram a esse valor
sem avaliação técnica.
A Eletrobrás é mais
estratégica do que a Petrobras. Petróleo, se importa; mas energia elétrica é só
aqui dentro. O parque elétrico nacional é um sistema complexo integrados, que
envolveu três gerações de grandes engenheiros, de Otávio Marcondes Ferraz,
Mario Bhering, Mario Thibau entre outros, mais de 150 empréstimos de bancos
multilaterais. Agora se pretende transferir todo esse acervo por metade do
valor de uma única usina, a de Belo Monte. R$ 12 bilhões foi o preço de uma
concessão da velha usina de São Simão, da Cemig, adquirida pelos chineses.
Apenas o valor físico da capacidade de geração da Eletrobrás pode chegar a R$
350 bilhões. Somando-se o custo imaterial das concessões, se chegaria aos R$
700 bilhões. Empresas elétricas nacionais, de países de parque elétrico muito
menor, como Espanha, Portugal e França, valem esse valor.
Em uma Carta que enviou
a investidores norte-americanos, a Equatorial passa duas informações
relevantes.
A primeira, sobre a
dimensão da empresa.
A Eletrobras é uma
empresa pública controlada pelo governo brasileiro que opera no áreas de
geração, transmissão e distribuição de eletricidade. A empresa possui uma
grande base de ativos dentro de uma estrutura corporativa complexa (17
subsidiárias, 178 SPCs e participações minoritárias em 25 empresas) e mais de
23 mil funcionários.
A participação
econômica direta do governo na empresa é de aproximadamente 63%. E se
adicionamos receitas fiscais, tal participação econômica seria próxima
de 75%.
A capacidade de geração
da Eletrobras, incluindo metade do poder de Itaipu, atinge 47 GW, o que
corresponde a 32% da capacidade total brasileira . Essa energia
é produzida por 29 usinas hidrelétricas, 20 usinas termelétricas, 6 usinas
eólicas, 2 plantas termonucleares 1 planta solar.
Em termos de ativos de
transmissão, a Eletrobras possui 70.201 quilômetros de linhas,
representando 47% das linhas totais acima de 230 kV no Brasil .
A Eletrobras também
opera seis empresas de distribuição no Norte e Nordeste do Brasil.
As avaliações do valor
atual de mercado e do valor potencial deveria servir de prova, em um tribunal,
para condenar os gestores da empresa por malversação de recursos públicos.
Diz a 3G:
O limite de mercado
atual da Eletrobras é de apenas R $ 20 bilhões , um valor muito baixo
considerando todos os ativos da empresa, e é uma clara indicação da má gestão e
dos problemas que tem estava enfrentando.
No entanto, com as
medidas de eficiência adequadas e uma melhor governança e regulamentação, esta
empresa poderia valer várias vezes o atual limite de mercado - que poderia ser
monetizado através de dividendos, vendas de ativos, receitas de imposto de
renda, capacidade de investimento ou privatização.
E aí entra o jogo
regulatório.
O modelo hidrelétrico é
simples. O investimento maior é na construção da usina. Depois, há um longo
período em que ocorre a depreciação do investimento – isto é, parte dele é
descontada anualmente das receitas operacionais e entra no custo das tarifas.
Depois que as usinas estão amortizadas, não há mais razão para o consumidor
pagar a taxa de depreciação. E o custo operacional é extremamente baixo.
O que Dilma Roussef
tentou foi renovar as concessões por um novo método, pelo qual os
concessionários não pagariam pela renovação, mas teriam uma rentabilidade fixa,
em relação ao faturamento das usinas. Como os sistemas são interligados,
haveria uma redução tarifária.
O projeto falhou devido
à seca do Nordeste, que reduziu a oferta de eletricidade contratada, obrigando
as distribuidoras a comprarem no mercado livre. Somou-se à seca o fato das três
estaduais tucanas – CESP, Cemig e Copel – não aceitarem os valores de
indenização. Com isso, reduziram ainda mais a oferta de energia contratada.
O projeto em mãos do
MME acaba com a energia contratada, jogando tudo no mercado livre. Liquida com
qualquer veleidade de tarifas módicas, acabando de vez com a competitividade da
indústria nacional. Resolve também uma série de problemas fiscais internos. O
resultado será uma explosão das tarifas que arrebentou com as contas do setor.
Peça
3 – os homens da jogada
Assim como na Caixa
Econômica Federal e na Petrobras, o primeiro passo foi colocar no Conselho de
Administração e na presidência pessoas alinhadas com a jogada.
A figura-chave desse
processo é Paulo Pedrosa, Secretário Executivo do Ministério de Minas e
Energia, em campanha para suceder o Ministro, Paulo Pedrosa ficou com o comando
geral da área da energia elétrica.
Pedrosa é egresso do
mesmo grupo Equatorial que armou a jogada da CEMAR.
Na presidência do
Conselho da Eletrobras colocaram José Monforte, ex-diretor de fundos do
Citibank e do Bank of America Marryl Linch, vice-presidente da Asssociação dos
Bancos de Investimentos e também do Conselho da Petrobrás, indicado pelos
minoritários estrangeiros chefiados pelo fundo inglês Aberdden. Tem fama de
truculento, mas tem um lado vulnerável, com o fundo AGENCO, que deu prejuízo de
R$ 1 bilhão no mercado, queimando sua reputação.
Pela primeira vez em 55
anos a União abriu mão da presidência do Conselho de Administração.
Enquanto isto, Pinto
Junior, representante da Equatorial vendia a ideia da ineficiência da
Eletrobras.
Para isso, tiraram da
cadeira da presidência José Luiz Alqueres, de passado polêmico no setor, que,
em que pese sua atuação no setor no governo Itamar, é egresso do setor e
demonstrava responsabilidade, uma âncora de bom senso contra o desmonte.
No período FHC, em que
pese o erro da desmontagem do modelo histórico - que assegurava tarifas
competitivas - pelo menos se cuidou da definição de valor, com as avaliações e
modelagens sendo conduzidas por consultorias internacionais. Agora se anuncia o
valor sem qualquer referencial independente.
O papel do 3G
As jogadas não param
aí.
Segundo análises
produzidas por técnicos críticos da operação, outra jogada consistiu em Fato
Relevante, divulgado pela Eletrobrás no dia 29/11/2017. Nele, menciona o
recebimento do Ofício no 817/2017 do MME, onde o Senhor Ministro de Minas
Energia Fernando Coelho Filho apresenta esclarecimentos a respeito da proposta
de privatização da Eletrobrás, fazendo questão de destacar que fora sugerida
por Wilson Pinto Júnior (3G) tendo como base “contribuições” de estudos
realizados pelos analistas do próprio Grupo 3G.
Segundo as denúncias,
tratou-se de mera encenação, montada em comum acordo pelo Ministro e pela
Eletrobrás. O Ministro mandou o Ofício, a Eletrobrás transformou em comunicado
ao mercado. O primeiro objetivo foi pressionar o Congresso e o presidente.
O segundo objetivo é
mais danoso. Segundo as denúncias, seria uma tentativa de imputar à própria
Eletrobras os custos, multas e processos judiciais, com o uso de informação
privilegiada, principalmente se a privatização der para trás, quando o TCU, o
Ministério Público e a CVM oficializarem os gestores da Eletrobras.
Assim, os processos
voltar-se-ão contra a própria Eletrobras e não contra a União ou contra os
CPF’s do Ministro, do Paulo Pedrosa e do presidente da Eletrobras.
Peça
4 – as perdas para o país
Com a privatização da
Eletrobras, a Chesf perde a totalidade de sua capacidade de geração. Furnas
perde metade e a Eletronorte, com a perda de Tucuruí, fica sem 90% da
capacidade de geração.
Mais: sem a energia
contratada dessas empresas, haverá uma explosão das tarifas das distribuidoras.
Esse modelo de
descontratação foi aplicado em diversos países europeus. Quase dobrou as
tarifas em euros constantes em diversos países, incluindo Alemanha, Dinamarca e
Grã-Bretanha.
Custou 300 bilhões de
euros na Alemanha em 20 anos. Mais de 3 bilhões por ano na França. Taxas que
representavam 18% do preço ao consumidor na França há 10 anos, hoje representam
35%.
Por isso mesmo, há uma
revisão desse modelo nos principais países do mundo.
No Brasil, é tudo
questão de negócios.
Seria conveniente que o
Ministério Público Federal e o próprio Supremo Tribunal Federal montassem
audiências com técnicos independentes, antes que os prejuízos para o país se
tornam irreversíveis.
GGN