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sábado, 19 de maio de 2018

O RECADO DAS URNAS E O ERRO DOS ANALISTAS POLÍTICOS, por William Nozaki

A sociedade brasileira está fraturada, (i) mas não no sentido clássico de "direita x "esquerda"; (ii) nem com o nível de polarização radical que se sugere; (iii) tampouco isso pode ser considerado a crise do lulismo. Vejamos cada um desses pontos. 
(i) O golpe fracassou em construir uma agenda para a sociedade e a ampla maioria dos candidatos à presidência não tem um projeto de país. 
Entretanto, a população brasileira tem um projeto de nação, que envolve a defesa da igualdade de oportunidades, o combate aos privilégios e um Estado que garanta educação, saúde, assistência e segurança. Trata-se inegavelmente da reivindicação majoritária por um programa liberal clássico, smithiano. Onde alguns analistas políticos ouvem Roosevelt, a maioria da população talvez esteja dizendo Marshall. 
Na contramão desse processo restam aqueles que convictamente defendem um projeto conservador no campo político-econômico e na esfera da moral e dos costumes. Fazem barulho, mas são minoria. 
Nesse momento, talvez o dístico liberais e conservadores nos seja mais útil do que o par esquerda e direita para compreender para onde está se deslocando a luta de classes nesse processo eleitoral. 
(ii) Se organizarmos a leitura das pesquisas eleitorais pelos termos acima sugeridos, o programa demandado pela sociedade, perceberemos que a amplíssima maioria dos eleitores deseja um projeto de sociedade com mais liberdades e igualdades e menos privilégios e vantagens indevidas. Quando Guilherme Boulos (PSOL) é interrogado sobre o que é o soilcialismo, quando Manuela D'Ávila (PCdoB) é questionada sobre o que é o comunismo, quando Ciro Gomes (PDT) é perguntado sobre o que é seu desenvolvimentismo e quando Lula é questionado sobre o seu "trabalhismo" todas as respostas passam por um mesmo ponto: a igualdade de oportunidades. Uma agenda, a propósito, que também tem a adesão de uma parcela dos eventuais eleitores de Marina Silva (Rede) e de Joaquim Barbosa (PSB), por isso esses candidatos tem tido melhor desempenho nas pesquisas. 
A sociedade não-organizada enxerga mais as proximidades entre essas figuras do que as diferenças, na direção oposta do que desejam os partidos e militantes organizados.

Nesse sentido, a polarização social não pode ser lida como um mecânico "fifty-fifty", há uma hegemonia da defesa da igualdade de oportunidades contra uma minoria que defende a naturalização da desigualdade e o silenciamento das diferenças. Por isso o processo eleitoral deve ser tratado com muita responsabilidade pelas forças progressistas. 
(iii) Esse cenário, em última instância, é resultado das transformações sociais provocadas pelos próprios governos do PT. A população não aceita perder certos direitos e políticas públicas que asseguraram algum nível de meritocracia e que combateram algum nível de privilégios. A população não aceita mais o bloqueio de certos direitos civis e liberdades individuais. E por ter tido sua subjetividade construída nessa cultura política é que agora essas pessoas não se manifestam nas ruas, mas nas urnas. 
Foi assim que o lulismo ensinou e nesse sentido o lulismo venceu, ele é hegemônico na sociedade brasileira. Resta saber se as lideranças partidárias do campo progressista terão paciência, frieza e discernimento para não perderem esse ativo eleitoral incomparável.
Não é democrático lutar contra o desejo da maioria. Fingir não enxergar o problema, não vai fazer o problema desaparecer: ou as forças progressistas passam a destacar mais suas convergências do que suas divergências ou o que sobra da democracia brasileira terminará de ruir. 
Do GGN

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Lula e o pânico dos analistas dissimulados, por Aldo Fornazieri

O golpe que derrubou Dilma trouxe consigo muitas mazelas: erosão da democracia, crise institucional, decomposição política e moral do país, um governo criminoso rejeitado por quase a unanimidade nacional, revogação de direitos e cancelamento de políticas públicas sociais, destruição da pesquisa científica e da cultura. Mas as mazelas não param ali. Já no processo do impeachment se multiplicou o número de analistas na mídia e de mercado, explícita ou envergonhadamente neogolpistas, que passaram a falar em nome de uma certa neutralidade científica, de uma equidistância do objeto analisado - a crise. Essa suposta neutralidade só tem duas explicações: ou se trata de gente que não entende a natureza das teorias sociais e políticas ou de gente que usa um ardil para dissimular as suas posições, despossuídos da coragem de assumi-las.
​Muitos deles defenderam o impeachment de Dilma, argumentado que ela não tinha capacidade de governar porque tinha perdido o apoio popular. Covardemente, agora se calam diante de rejeição nacional a Temer. Sugeriam, de forma explícita ou nas entrelinhas, que Temer era um político habilidoso e que a crise desapareceria com a simples mudança do governo. Deu tudo errado. E a autocrítica que cobram dos outros, se mostram incapazes de fazê-la.
Recentemente, viram no depoimento de Palocci uma "bomba de nêutrons", um "efeito radioativo", que teria implodido Lula e o PT. Mesmo depois dessa bomba, as intenções de voto em Lula continuam subindo e a rejeição caindo. Aqui começa o pânico analítico. Duas novas explicações surgem a partir dele: "Lula chegou ao teto" e o seu desempenho se explicaria por "um efeito emocional", pela sua vitimização, pelo caráter de seita dos eleitores de Lula.
Em primeiro lugar, não há política sem emoção, mesmo nos povos mais racionais do mundo. Em segundo lugar, a política está imersa em um complexo de variáveis, envolvendo emoção, razão, interesse, engano, ardil, astúcia, persuasão, retórica, convencimento, ódio, amor, circunstâncias econômicas, políticas e sociais, fé, carisma etc. Somente os idiotas da objetividade pensam que a política implica apenas em escolhas racionais, seja dos líderes ou dos eleitores.
Se a intenção de voto em Lula aumenta e a rejeição cai, há nisso uma tendência, com a perspectiva da curva do crescimento e a curva da queda se aproximarem. Lula está ganhando votos no chamado centro político, nos eleitores "neutros", e cada vez mais se reconhece, mesmo em setores que não votam nele, que há uma ação persecutória por parte do juiz Moro. Este, que era quase uma unanimidade nacional, vê as curvas da aprovação e da rejeição se movimentarem no sentido inverso do movimento que elas fazem no gráfico de Lula.
Existe uma combinação de fatores que explica o desempenho de Lula: nos governos Lula, a vida era melhor do que no atual momento; quase 60% da população avalia o governo Temer pior do que o governo Dilma; para um número cada vez maior de pessoas houve uma "armação" (golpe) para afastar Dilma; o governo Temer é fortemente identificado como uma organização criminosa; percebe-se cada vez mais que o maior protagonista da corrupção na Petrobrás foi o PMDB; o PSDB e Aécio Neves têm a imagem de hipócritas, cínicos e falsos moralistas; contra os 51 milhões de Geddel, a mala de dinheiro de Temer e Rocha Loures, as jóias e dinheiro de Cabral e várias contas no exterior de vários políticos, as provas contra Lula são imateriais; na visão majoritária das pessoas, Lula foi o presidente que mais fez pelos pobres, para a maioria da população; Lula incrementou o desenvolvimento do Nordeste; Lula promoveu a recuperação do salário mínimo, do emprego e da renda; no governo Lula foram implementadas várias políticas sociais, desde habitação, Prouni, Luz Para Todos, Bolsa Família etc.; parte dos eleitores têm fé no poder carismático de Lula, ausente em outros políticos; Lula tem uma imensa capacidade persuasiva.
A aposta do eleitorado em Lula é racional
A maior parte dos fatores que explicam o crescimento de Lula, numa situação completamente adversa e persecutória, são de ordem racional, por interesses, por comparações e por resultados. A tese de que Lula se mantém principalmente porque tem seguidores devotos e porque ele é chefe de uma seita é absolutamente falsa, como são falsas as supostas neutralidade e a cientificidade de quem a sustenta. O desespero analítico dos dissimulados volta todas as suas esperanças para que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declare Lula impedido de concorrer para que as fraudes das parcialidades analíticas salvem as aparências.
Vejam o que escreveu Murillo de Aragão em abril deste ano: "Para piorar, caso Lula consiga chegar a 2018 elegível, sofrerá um bombardeio midiático intenso, já que passou a personalizar tudo de ruim que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Poderá até chegar ao segundo turno, mas ganhar é outra história". Este tipo de torcida pode ser boa para ganhar dinheiro no mercado, mas não é uma análise neutra, menos científica. Neste momento, Lula, dentre os políticos, é o que mais personaliza o que o país teve de bom, pois a ética resiste exatamente na promoção do bem comum.
Veja-se esta afirmação em outro texto: "Pois nem PT nem Lula têm inspirado as pessoas. A não ser lavar propina a jato nos cofres da Petrobras". E ainda tem muita gente levando a sério este tipo de análise. Lula e o PT certamente cometeram muitos erros. Mas daí a lavrar esse tipo de sentença é um despropósito analítico. Lula, hoje, lidera em todos os cenários para 2018 e uma pesquisa do Datafolha publicada em junho mostra que o PT é o partido de maior preferência dos brasileiros, com 18% das preferências, distante dos 29% já alcançados em outro momento, mas igualmente distante dos 5% do PSDB e do PMDB.
A superação da crise passa por uma eleição democrática e legítima. A eleição não será nem democrática e nem legítima se Lula for excluído dela. Este é o memento em que os conflitos, as diferenças programáticas e estratégicas têm que se explicitar. Os campos eleitorais devem se definir em torno desses conflitos e diferenças, pois a democracia é dissenso e conflito. O único acordo possível é em torno da eleição democrática e legítima, até porque, se há que existir um consenso este deve ser em torno das regras e dos valores básicos da democracia. Esse consenso básico foi rompido pelo golpe e foi rompido pela quadrilha que está no poder, com seus aliados, incluindo o PSDB, ao violentarem a vontade popular com a imposição de uma agenda de contra-reformas que não foi nem discutida e nem referendada pelo voto popular.
Somente um governo emergido da eleição democrática e legítima poderá restabelecer as condições do diálogo democrático e de serenar a exaltação dos ânimos, sem que isto signifique uma conciliação fadada a sacrificar as classes populares. A democracia pressupõe negociação. Mas a negociação pressupõe a legitimidade do governo, algo que Temer não tem e algo que um futuro governo saído de uma eleição ilegítima não terá.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Do GGN