Polícia
Federal abriu mão de fazer o que se espera da instituição: investigar a fundo.
Em vez disso, arrastou Haddad para a denúncia à fórceps.
A leitura das 32 páginas do relatório do indiciamento de
Fernando Haddad pela Polícia Federal, divulgado nesta segunda (15), revela
falta de investigação, omissão e manipulação de provas. Entre elas, uma tabela
obtida após busca e apreensão na LWC, a gráfica acusada de receber caixa 2 da
UTC após a vitória do ex-prefeito. Em vez de fazer a devida apuração sobre o
documento, a PF preferiu criar uma hipótese criminosa para ele, que não condiz
com a realidade dos fatos apurados pelo GGN.
A tabela abaixo, da LWC, mostra a prestação de um serviço em
favor de Haddad em fevereiro de 2012, ou seja, antes da campanha ao Paço
começar oficialmente.
No relatório, o delegado João Muniz Moraes Rosa escreveu que
o pagamento pelo serviço “escapa à contabilidade oficial da campanha eleitoral,
já que nada nesse sentido surge da busca realizada na ferramenta on-line
disponibilizada pelo TSE [Tribunal Superior Eleitoral].”
Um delegado da PF afirmou, portanto, que um determinado
trabalho foi pago por meio de caixa 2 só porque uma busca feita no site da
Justiça Eleitoral não mostrou nenhum resultado.
Não há nenhuma observação sobre o evento ser anterior à campanha
- assim como outro serviço para Haddad ainda menos detalhado no relatório, que
teria ocorrido em abril.
O GGN levantou que a demanda de fevereiro não tinha
nenhuma relação com a campanha de Haddad. Tratava-se de impressão de um jornal
desenvolvido pelo PT para apresentar as realizações do ex-ministro da Educação
à militância. Houve contrato assinado pelo diretório estadual do partido,
pagamento por meio de depósito, com comprovante da transferência e nota fiscal.
Uma delas tem valor aproximado de R$ 69 mil. No total, foram cerca de 1 milhão
de exemplares.
Sem encontrar registros no TSE, a Polícia poderia ter
tentando esclarecer as dúvidas sobre a tabela com o ex-prefeito ou algum
representante da campanha. Não foi o caso.
Ao contrário: muito do que Haddad explicou no depoimento ao
delegado Rosa foi omitido no relatório.
OMISSÃO
No dia do depoimento, Haddad falou e entregou documentos que
comprovam que em 14 de fevereiro de 2013, quando ele assumiu o Paço, contratos
de interesse da UTC junto à administração municipal foram suspensos,
contrariando os interesses da empresa de Ricardo Pessoa, um dos principais
delatores.
A informação é importante porque mostra que não teria porque
a UTC aceitar pagar qualquer dívida relacionada à campanha de Haddad meses
depois de ter sido prejudicada pela gestão do petista. Nenhuma linha sobre isso
foi citada no relatório.
Ao contrário: o delegado Rosa escreveu que, do depoimento de
Haddad, só extraiu “de relevante” a negativa do ex-prefeito sobre pagamento à
LWC via caixa 2. Essa declaração, para ele, “não se coaduna com o farto
conjunto probatório existente nos autos”.
MANIPULAÇÃO
Além da tabela da LWC e da delação da UTC [veja mais abaixo],
a PF usou contra Haddad um vídeo que está no Facebook, de 2016. Nele, o então
candidato à reeleição, derrotado por João Dória, pedia apoio financeiro para
terminar de pagar funcionários do staff.
O delegado Rosa transcreveu o que o petista disse para o
relatório e afirmou que embora o vídeo não seja uma “prova cabal”, pode ser
usado contra Haddad na medida em que indica que o petista tinha condições de
conhecer a situação financeira de suas campanhas. “(...) Ora, se assim ocorreu
em relação ao pleito de 2016, é intuitivo que também tenha ocorrido em relação
à eleição de 2012", teorizou.
A questão é que a tese “Haddad sabia” pode ter sido usada de
maneira indevida pela PF, já que a legislação eleitoral obriga que todo
candidato tenha conhecimento sobre as despesas de campanha.
O vídeo é, portanto, a janela que a PF encontrou para
justificar o indiciamento do atual coordenador da campanha de Lula, quando nem
mesmo os delatores envolveram Haddad pessoalmente no caso.
ARBITRARIEDADE
Em nota, a assessoria de Haddad apontou que o delegado do
caso foi seletivo, pois supervalorizou delações ao mesmo tempo em que ignorou
depoimentos e provas em favor do ex-prefeito.
Há cerca de 60 dias, a PF tentou obter a condução coercitiva
de Haddad. O Ministério Público manifestou-se contra a medida e a Justiça
acabou indeferindo o pedido.
Condução coercitiva sem que o investigado tenha sido
convidado a depor antes, ou que tenha se recusado a colaborar, vem sendo criticada
por diversos juristas. Gilmar Mendes chegou a conceder liminar impedindo a
prática banalizada após a Lava Jato.
TÉCNICA EMPRESTADA DA LAVA JATO
Pela denuncia, João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT,
procurou Ricardo Pessoa, da UTC, para pedir R$ 3 milhões para quitar uma dívida
da primeira campanha de Haddad. A empreiteira chorou um desconto e acertou em
R$ 2,6 milhões o valor a ser repassado.
Outro delator, Alberto Youssef confirmou que foi acionado
para ajudar a operacionalizar o pagamento, que se deu por meio das empresas de
fachada do doleiro e do sistema de lavagem de dinheiro da UTC (que forjava
contratos fictícios e superfaturados com empresas menores, e usava os recursos
que voltavam em espécie ao grupo para pagar a propina).
Para atestar a veracidade das delações, a PF levou aos autos
algumas provas. Entre elas, registros de ligações telefônicas e imagens de
câmeras de segurança que mostram que o dono oculto da LWC, Francisco Carlos de
Souza (um ex-deputado do PT, mais conhecido como Chicão), manteve contatos com
empresários da UTC. Chicão é considerado dono oculto porque a LWC está em nome
de sua ex-esposa e de seu irmão, Gilberto de Souza.
A estratégia é a mesma usada por autoridades da Lava Jato em
Curitiba - incluindo o juiz Sergio Moro, em sentenças: primeiro, apresentam as
provas que corroboram uma parte da delação e, depois, tomam ela por inteira
como verdade absoluta. No caso de Haddad, como há provas de que Chicão recebeu
dinheiro da UTC, a PF julga que o que os delatores dizem sobre o pagamento
estar relacionado à campanha de 2012 também é verdadeiro.
Além das fragilidades acima, o contraditório existe na
manifestação de Vaccari, que
negou pedido à UTC para a campanha de Haddad, e no depoimento de Chicão,
que admitiu à PF que recebeu os recursos da UTC, mas negou conexão com campanha
de Haddad. Segundo ele, a dívida era do diretório estadual do PT. Mas o então
presidente do diretório, Edinho Silva, negou a informação e a declaração de
Chicão foi tida pelo delegado Rosa como “desmentida”.
O relatório está em anexo, abaixo.
Arquivo
GGN