As pesquisas eleitorais publicadas pelo Vox
Populi, e em seguida pelo XP/Ipespe e Datafolha
trouxeram resultados diferentes sobretudo em relação ao primeiro do Instituto
Vox Populi.
Não vamos aqui fazer nenhuma análise de validade ou de viés
proposital das pesquisas e vamos admitir a priori que as três pesquisas
exprimem realmente os números que encontraram e que as diferenças entre elas
sejam metodológicas decorrentes da seleção dos municípios, período da pesquisa,
do nível de confiança de 95% (que não é e não pode ser 100%) e do erro 2 para
mais 2 para menos.
A análise do conjunto desses dados revela que o único
candidato que teve uma oscilação positiva e fora da margem de erro no período
analisado foi Haddad. Se tomarmos períodos mais longos também Ciro (de 9 para
13 segundo o Datafolha) e Bolsonaro (de 22 para 26 segundo o Datafolha) tiveram
crescimento fora da margem de erro, porém o candidato da extrema direita variou
em torno de um eixo situado em 24 pontos, e o do PDT em torno de 11 pontos, o
que torna o crescimento de ambos discutível, sobretudo porque a conjuntura já
não é a mesma de uma semana atrás.
Porém a situação de Ciro não é a mesma de Bolsonaro. Houve
dois fatos maiores, que não envolvem a candidatura Ciro Gomes ainda operando
nessa conjuntura, que são susceptíveis de beneficiar candidaturas e que não
podem deixar de ser considerados: o ataque a faca a Bolsonaro e o apoio de Lula
a Haddad.
Entretanto, somente o apoio de Lula a Haddad produziu
crescimento eleitoral fora da margem de erro, tanto segundo o Datafolha, de 9 a
13%, quanto segundo o Vox Populi de 12 a 22% em favor de Haddad. O Datafolha
não exprimiu o dado dessa forma, "com apoio de Lula", como o fez o
Vox Populi e o XP mas a pesquisa foi realizada no período em que o apoio de
Lula já estava expresso, permitindo que o o fortalecimento da candidatura
Haddad fosse captado.
Porém o mesmo não ocorreu com a candidatura Bolsonaro. O
episódio do ataque, contrariamente a todas as previsões, não produziu aumento
significativo do eleitorado do candidato.
Porém essa má notícia eleitoral para o candidato do PSL se
acompanha de outras que não poderão deixar de se manifestar num futuro breve.
Imagem e Proposta
Como já afirmamos em artigo anterior, o êxito do ataque e a
agora patente vulnerabilidade do candidato, sobre quem se erguia um mito de
força e invulnerabilidade imprescindíveis ao seu discurso, arruínam de uma vez:
(1) a sua imagem eleitoral que se mostra falsa e (2) a alma da sua campanha, a
violência para a solução de conflitos que, força cega e indomável que é, o
vitimou pessoalmente.
Atentemos para o fato de que, exceto pela hipnose fascista, a
maioria do nosso povo rejeita a violência como forma de resolver problemas.
Aliás, culturalmente cristãos, muitos a entendem como pecado. O ataque a faca
carrega para esses milhões de brasileiros, o reconheçam ou não, um
incontornável significado simbólico de castigo.
Com a imagem eleitoral e a proposta profundamente feridas, o
discurso da candidatura, como um avião que perde as asas, não é mais sustentável.
Acrescenta-se a isso o afastamento do candidato da campanha.
Dissenções internas
O episódio do ataque a faca pressionou a coligação
bolsonarista a uma crise interna. O candidato a vice, de patente militar
superior à do candidato a presidente, (general x capitão), se insurgiu na
coligação, recorrendo, sem consulta ou autorização dos seus aliados, ao TSE
para ter direito de representar Bolsonaro nos debates televisivos. O episódio
que exprime para a opinião pública uma crise de confiança interna de
implicações imprevisíveis, vamos imaginar o que poderia ocorrer nos contextos
de pressão inerentes ao exercício do Poder Executivo, terá, obviamente,
implicações eleitorais.
O fator feminino
Como se não bastassem os péssimos resultados da extrema
direita entre as mulheres, elas resolveram se organizar. Hoje os grupos de
mulheres contra Bolsonaro nas redes sociais já reagrupam mais de 2 milhões.
Ora, com cerca de 70 milhões de eleitoras no Brasil, essa cifra vem a
significar hoje, a enormidade de uma eleitora a cada 35 mulheres.
Esse movimento suprapartidário, não nos enganemos, é o maior
fenômeno político da contemporaneidade no Brasil, depois da criação do PT nos
anos 80. Ele revela não apenas um apego inegociável das mulheres à democracia,
pois são antifascistas, como demonstra também a necessidade, essa de longo
prazo, de um protagonismo feminino de peso nos assuntos que interessam às
mulheres e estão para além dos limites ideológicos e partidários.
Ora, ter uma mulher pintada para guerra a cada 35 num
movimento que não para de crescer é um pesadelo para forças que já não podem
agora declarar-se não machistas.
Esclarecer a opinião
pública
Para que a mensagem contida na conjuntura possa surtir os
efeitos eleitorais desejados, é imprescindível que as forças democráticas
possam decodificá-las para o amplo entendimento dos eleitores.
Portanto:
É preciso manter firme a crítica à violência como forma de
resolução de conflitos, em linha com os valores e tradições do nosso povo,
É preciso demonstrar que a confiança interna a uma coligação
é elemento crucial para a governança e, mais importante que tudo;
É preciso assumir ostensivamente uma agenda de igualdade de
gêneros que possa fazer justiça às mulheres.
Conclusões
Há quatro componentes mesclados nessas eleições de 2018.
O primeiro deles, mais óbvio, é eleitoral no sentido estrito.
Temos que escolher um presidente e parlamentares para a governança da máquina
pública. A vitória para a democracia nesse item é eleger um candidato democrata
comprometido com as aspirações das maiorias.
O segundo elemento emerge do fato de que devemos nos esforçar
para que essas eleições exprimam de forma plebiscitária uma rejeição ao
golpismo. Portanto, um segundo turno que pudesse ter candidatos que não
apoiaram o golpe (Haddad x Ciro) seria a fórmula mais clara de exprimir essa
rejeição.
O terceiro elemento é o componente antifascista dessas
eleições. A vitória nesse caso é vencer a extrema direita pela via democrática,
preferentemente excluindo-a desde já do segundo turno das eleições.
O quarto é a emergência de um incontornável protagonismo
feminino que ganhou autonomia política, tem pauta antifascista e em breve terá,
para além dos partidos, protagonismo para o atendimento à grande pauta não
atendida de interesse das mulheres.
Os dois primeiros elementos são políticos o terceiro e quarto
elementos são civilizatórios.
É óbvio, portanto que as candidaturas Haddad e Ciro são
complementares se quisermos ter êxito nesses quatro componentes, eleger um
democrata, rejeitar o golpe, rejeitar o fascismo e assumir os compromissos
necessários com a agenda das mulheres.
Esse quarto elemento, novo na política e que veio para ficar,
precisa ser analisado com todo o cuidado pelos democratas.
Segundo o Datafolha, enquanto Haddad e Ciro têm ambos 13% dos
votos entre homens e mulheres, igualmente, Bolsonaro tem 35% dos votos dos
homens, (cerca de 17 a 18% do eleitorado total), mas apenas 18% dos votos
femininos, ou cerca de 9% do eleitorado total.
A organização ativa das mulheres (uma eleitora a cada 35 no
front) tende pelo menos a manter esses números onde estão, se é que não o
reduzirão.
Isso significa que para ter 50% mais um dos votos, a extrema
direita precisaria ter 84% dos votos masculinos. Percebam que com apenas 18%
das mulheres, que representam 9% do eleitorado total, Bolsonaro precisaria ter
42% do eleitorado formado por homens, dos cerca de 50% que eles representam
(84% dos homens + 18% das mulheres equivale a 42% do eleitorado + 9% do
eleitorado = 51%). As mulheres ergueram na frente da "marcha
triunfante" extrema direita uma muralha muito difícil de ser transposta.
Reconheçamos todos que se conseguirmos manter o Brasil dentro
do mundo civilizado teremos uma dívida nacional impagável para com as mulheres.
Blog do Ion de Andrade