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sábado, 8 de setembro de 2018

GLOBONEWS E A MISÉRIA DO JORNALISMO, POR LUIS NASSIF

A entrevista de Fernando Haddad à bancada da Globonews é reveladora de um dos vícios mais entranhados no jornalismo brasileiro: a incapacidade dos entrevistadores de analisar realidades complexas.
Eles fazem um tipo de pergunta padrão e esperam uma resposta padrão para a qual já tem engatilhada uma tréplica padrão. Quando o entrevistado sofistica um pouco a análise e inclui outros elementos na resposta, provoca um curto-circuito nas cabeças dos entrevistadores. E eles não sossegam enquanto não receber a resposta padrão, para poderem rebater com a tréplica padrão.
Foram inúmeros os casos.
O mais insistente foi a história da autocrítica dos erros econômicos de Dilma Rousseff. Haddad admitiu os erros, enumerou-os e procurou situá-los no tempo. Analisou o período PT como um todo, para depois chegar aos erros. Ou seja, admitiu os erros. Mas alegou que só os erros, por si, não explicariam a queda do PIB, que houve um componente político relevante, no boicote conduzido por Aécio Neves e Eduardo Cunha. Ora, seria o gancho para uma belíssima discussão, muito mais rica, muito mais complexa. Mas os entrevistados não aceitavam.
- Quer dizer que o PT não admite os erros? A culpa sempre é dos outros? Como vamos acreditar que agora será diferente?
E não adiantava Haddad explicar os acertos dos dois governos Lula e dos dois primeiros anos do governo Dilma, e os erros posteriores de Dilma, para demonstrar que o erro não é componente intrínseco da política econômica do partido.
A mesma coisa quando confrontado com as propostas da campanha de Lula – coordenadas por ele -, com os entrevistadores pretendendo enquadrá-las na tal matriz econômica do último período Dilma. Ou quando tentaram levantar o fantasma do tal mercado contra as ideias de Haddad, que rebateu com uma reportagem da Reuters, publicada no The New York Times, com CEOs de grandes empresas elogiando suas propostas.
Haddad levantou, em sua defesa, o tratamento das contas da prefeitura de São Paulo, que, no seu mandato, obteve o grau de investimento.
- Estamos discutindo política econômica, rebateu o entrevistador de uma resposta só.
Haddad teve que explicar que grau de investimento e contas fiscais são política econômica. E elas falam mais por ele do que qualquer carta aos brasileiros.
Todos os bordões foram levantados, inclusive a criminalização da política de campeões nacionais, ou os aportes de recursos ao BNDES. Em vez da discussão conceitual sobre a oportunidade ou não de se ter campeões nacionais, em vez de levar em conta a resposta de Haddad, de que os investimentos em campeões nacionais ajudaram a gerar empregos e melhorar o perfil das exportações brasileiras, limitavam-se ao branco-e-preto que difundiram nos últimos anos: toda política industrial é criminosa, e tudo o que o BNDES faz é criminoso.
Em nenhum momento questionaram as afirmações de Haddad de que a matriz econômica, defendida pela Globonews e implementada pela equipe de Temer, não entregou o prometido. Quando chegava nesse ponto, mudava-se o tema.
Nem rebaterem sua afirmação de que os principais delatores da Lava Jato estão soltos e gozando a vida em liberdade. Limitavam-se aos grandes agregados – Lula foi condenado por um juiz de 1a instância, um colegiado em 2ª instância e prisão mantida por um colegiado do STF, que não analisou o mérito das acusações.
Fosse menos diplomático, Haddad poderia lembrar que todos eles foram estimulados pelo clamor das ruas, do qual o principal combustível é a cobertura enviesada da Globo.
 GGN

domingo, 28 de maio de 2017

América Latina: a região com a maior desigualdade, Frei Betto

Foto: Banco Mundial

Nossa América Latina

A América Latina, com 605 milhões de habitantes, é hoje a região de maior desigualdade no mundo. Em 2014, os ganhos per capita dos 10% mais ricos eram 14 vezes superiores aos de 40% da população mais pobre. Esse índice de desigualdade subia para 17 vezes no Brasil, Colômbia e Guatemala, e 24 vezes em Honduras.

Nenhum outro continente foi tão oprimido quanto o americano. Na Ásia predominam os olhos puxados. Na África, a população negra. Aqui escasseia quem possua traços indígenas. Já no primeiro século da colonização se calcula que 70 milhões de índios foram massacrados pelos colonizadores europeus.

Graças aos governos democráticos populares instalados no continente a partir de 1998, desde 2003 mais de 72 milhões de latino-americanos deixaram a pobreza, segundo dados da Oxfam. Isso ocorreu devido ao aumento do salário mínimo e dos gastos públicos em políticas sociais (agora reduzidos, no Brasil, pelo governo Temer), e o aprimoramento da educação fundamental.

No entanto, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) calcula que, desde 2014, 1,7 milhão de latino-americanos voltaram à pobreza. E no final de 2016 se somaram a este contingente mais 1,5 milhão de pessoas, como vem ocorrendo no Brasil com seus 14 milhões de desempregados.

Esse reempobrecimento do continente decorre não apenas de fatores econômicos, como o fim do boom das commodities, mas também de redução das políticas sociais, em especial nos países afetados por golpes parlamentares, como Honduras, Paraguai e Brasil, e agora governados por presidentes neoliberais, como Argentina e México. Há que considerar ainda as catástrofes ambientais, como as recentes chuvas torrenciais na região andina e a seca que ora castiga o Nordeste brasileiro.

Em matéria de educação, o Brasil ainda não atingiu o patamar médio dos países latino-americanos. Aqui os alunos do ensino médio permanecem na escola cerca de quatro horas por dia. A média continental é de seis horas.

A América Latina não encontrou ainda  seu modelo de desenvolvimento sustentável. Todos os países continuam na dependência de suas exportações, ou seja, sujeitos aos interesses das nações metropolitanas e às oscilações do mercado.

Segundo a Cepal, 29,2% da população latino-americana vive, hoje, na pobreza, o que equivale a 172 milhões de pessoas. Em 2014 eram 28,2. A pobreza se expande, sobretudo, em Honduras, México e Venezuela.

A América Latina não terá futuro enquanto não alcançar justiça fiscal, ou seja, o imposto progressivo (quem ganha mais, paga mais), a redução da corrupção e o aumento dos gastos em políticas sociais.

No Brasil, o retrocesso nos índices sociais aumentará com a provável aprovação das reformas trabalhista e previdenciária, que cortam substancialmente direitos sociais conquistados nas últimas sete décadas. No governo Temer, o orçamento da Funai (Fundação Nacional do Índio) sofreu redução de 23%, e o das secretarias voltadas às questões étnicas e aos direitos humanos, 56,3%. Isso explica os recentes conflitos envolvendo sem terras e indígenas na Amazônia brasileira.


Do GGN, por Frei Betto, escritor, autor de “Ofício de escrever”, que a editora Rocco enviou esta semana às livrarias.