Rosângela Moro e o
marido, Sergio
Esta é a terceira
reportagem da série sobre a indústria da delação premiada na Lava Jato, feita
em parceria entre o Jornal GGN e o DCM e financiada através de crowdfunding. As
anteriores estão aqui. Fique ligado
Rosângela Maria
Wolff de Quadros Moro é conhecida por sua atuação em defesa da APAE do Paraná,
a ponto de ela mesma se anunciar em uma audiência pública no Congresso Nacional
como representante do então vice-governador do Estado, Flávio Arns, do PSDB,
que era (e é) presidente da federação das associações no Estado.
Isso antes da
fama do marido, Sergio Moro.
Com a fama dele,
a partir de 2014, alçado à condição de herói da Lava Jato, Rosângela também se
tornou conhecida em promover o marido — criou no Facebook a página Eu MORO com
ele, em que reproduz matérias elogiosas.
Pouco se sabe da
atuação de Rosângela no sentido estritamente profissional do direito.
Ela apareceu na
lista de advogados a quem o doleiro Rodrigo Tacla Durán fez pagamentos por
serviços (não especificados) prestados, teve seu nome divulgado no site do
escritório de um amigo de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, como profissional da
sociedade. Mas, no cadastro nacional da OAB, aparece como integrante de outro
escritório de Curitiba, o Andrade Maia.
Ao portifólio
particular de Rosângela, podem-se acrescentar serviços prestados também à
família Simão, apontada em uma CPI de 2011 como integrante da Máfia das
Falências do Estado, uma organização que se desenvolveu no seio do Poder
Judiciário do Paraná.
Quem estava na
linha de frente da defesa da família Simão é Marlus Arns, sobrinho do
ex-vice-governador Flávio. A mulher de Moro também aparece como advogada de uma
das massas falidas administradas pela família Simão, só que com menor destaque
do que Marlus. É a da GVA, fabricante das famosas placas madeirit.
A GVA, ao
quebrar, deixou as páginas de economia para entrar nas de polícia.
O presidente do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de
Guarapuava, no interior do Paraná, Sirlei César de Oliveira, se lembra bem do
caso da GVA, até porque até hoje luta para que os trabalhadores recebam algo
das verbas rescisórias.
Marlus Arns
“Ninguém recebeu
nada. A verba está depositada em juízo, mas eles não têm interesse em buscar a
solução. Enquanto isso, vão administrando os bens e desviando o dinheiro que
entra”, afirma.
O esquema da
Máfia das Falências, revelado pela CPI, é engenhoso.
Pelas contas do
então deputado estadual Fábio de Souza Camargo, presidente da CPI, pelo menos
R$ 400 milhões foram desviados de empresas que quebraram e deveriam ser usados
para o pagamento do Fisco, trabalhadores e credores.
A CPI foi
encerrada antes do relatório por decisão da Justiça, mas Fábio e alguns
deputados continuaram a investigar, com audiências públicas pelo interior do
Estado, onde a máfia deixou rastro. Uma dessas audiências foi em Guarapuava,
cidade da GVA. Marlus representou a família Simão.
Cobrado por não
ter pago os trabalhadores, o advogado fez uma acusação séria. Disse que o
sindicato tinha recebido honorários no valor de R$ 1,1 milhão, como
adiantamento por honorários devidos — 10% sobre o valor da dívida total.
“Era mentira. O
sindicato teria, sim, direito a honorários, mas assim que todas as verbas
fossem quitadas, ou seja, 10% do total de R$ 11 milhões”, disse ao DCM.
Alguns meses
depois de instalada, a CPI foi proibida de continuar funcionando pelo Tribunal
de Justiça do Paraná, a pedido da Associação dos Magistrados do Estado. Na
ação, a AMAPAR afirmou que agia em nome dos juízes de sua base, que estariam se
sentidos ameaçados pelos parlamentares.
A AMAPAR não
apresentou os nomes desses juízes. Ainda assim, como entidade de classe, teve o
pedido de encerrar a CPI aceito pelo tribunal.
O argumento da
associação é que a CPI foi criada sem que houvesse fato determinado que
justificasse sua instalação. Para o presidente da Comissão, Fábio de Souza
Camargo, era um pretexto. A CPI, segundo ele, estava chegando ao coração de uma
verdadeira máfia.
Filho de um
ex-presidente do Tribunal, desembargador Clayton Camargo, e irmão de uma juíza
que atuava na vara de falências, Fábio disse que, ao contrário do que imaginava
no início, a máfia não estava fora do Judiciário.
“Não era um
esquema qualquer. Fosse um esquema montado com o fim exclusivo de fraudar os
juízes e o Judiciário, um esquema ‘de fora para dentro’, ele já teria sido
desmantelado. Ficou claro para mim, cada vez mais, que o esquema é de ‘dentro
para fora’, ou seja, os operadores reais estão dentro das entranhas do TJPR”,
escreveu ele, no livro “Poder, Dinheiro e Corrupção – Os Bastidores da CPI das
Falências”.
Fábio diz que o
livro, escrito e editado por ele, foi a alternativa que encontrou para revelar
o que havia apurado na CPI. A obra chegou a ser proibida pela Justiça, e
recolhida das livrarias, mas ainda assim é possível encontrar exemplares em
alguns estabelecimentos.
Para esta
reportagem, comprou-se um exemplar numa livraria da Universidade Federal do
Paraná.
Rosângela Moro
aparece como advogada da massa falida da GVA em pelo menos seis ações
trabalhistas. Segundo o deputado Fábio, a contratação de advogados, com
honorários a peso de ouro, era uma das formas utilizadas pela máfia para
desviar recursos das massas falidas.
Não se pode
afirmar que este tenha sido o caso de Rosângela.
“Nós chegamos a
bloquear alguns pagamentos de honorários”, recordou o presidente do sindicato
dos trabalhadores, que se lembra de Marlus, mas não de Rosângela.
“Era o Marlus que
comandava toda a assessoria jurídica da família Simão, informou o sindicalista.
Segundo a CPI, Marlus respondia ao mesmo tempo pela assistência jurídica da
massa falida da GVA e também da Gran Comp Insumos e Compensações, uma das empresas
que celebraram contrato de arrendamento da massa falida, a preço vil, segundo o
deputado.
O conflito de
interesses era evidente.
O então deputado Fábio Camargo
autografa seu livro, recolhido pela Justiça
Marlus estava no dois lados do
balcão e, mais tarde, a polícia civil descobriu que a arrendatária representada
por Marlus nos negócios jurídicos tinha como proprietário um motorista,
possivelmente laranja da família Simão. Massa
falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Massa falida,
arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Rosângela advogar
para uma quadrilha que fraudava a administração de massas falidas não é, em si,
crime. Advogados costumam trabalhar para pessoas acusadas de ultrapassar a
linha da legalidade.
O problema está
na sua relação com Marlus Arns. Criminalista, Marlus se tornou um dos
principais advogados das delações premiadas homologadas por Sergio Moro, na
Justiça Federal.
Ele entrou para
esse ramo mesmo depois de criticar, publicamente, o expediente.
Segundo
a Folha de S.Paulo, Arns criticava o instituto da delação premiada nas
aulas que dava na Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Arns se tornou
especialista em delação sem ter conhecimento específico nesse tipo de
negociação — como, de resto, ninguém tem —, assim como foi advogado de
administradores de massa falida mesmo tendo como especialidade o direito
criminal.
O que pode
explicar o destaque de Arns tanto em uma quanto em outra especialidade é as
relações que possui.
Marlus defende as
APAEs em diversas ações no Tribunal de Justiça de Justiça. Não custa lembrar: a
responsável pela procuradoria jurídica da Federação da APAE, presidida por
Flávio Arns, é Rosângela.
O elo não termina
aí. O irmão de Marlus, Luiz Carlos, é dono de um curso de especialidade em
direito à distância, onde pelo menos um integrante da Força Tarefa da Lava Jato
deu aula.
Com a revelação
de que Marlus atuou na linha de frente da defesa de integrantes da Máfia das
Falências e Rosângela Moro foi um das advogadas contratadas, o juiz Sergio Moro
fica numa situação, no mínimo, incômoda.
O que o deputado
Fábio Camargo descobriu e publicou em seu livro é que a Máfia das Falências
teve origem na prática de indicar sempre os mesmos advogados para gerir as
massas falidas — com ações que, segundo ele, consistiam em lesar credores,
trabalhadores e o Fisco.
O deputado
apontou cinco escritórios que controlavam a maior parte das massas falidas em
todo o Estado — a família Simão, à qual Marlus era ligado, tinha o maior
número.
Com as delações
premiadas, acontece a mesma coisa.
Basta olhar para
o quadro de advogados que têm sido bem sucedidos nas delações em Curitiba para
descobrir que eles se contam nos dedos de uma única mão.
Marlus estava
fora desse clube fechado até que Beatriz Catta Preta, de São Paulo, desistiu da
Lava Jato depois de costurar a maior parte dos acordos.
Alegando ameaças,
disse que deixaria o Brasil. Chegou a anunciar Miami como seu novo endereço,
mas é vista em São Paulo e, segundo advogados, até atende alguns clientes.
O clube restrito
de especialistas em delação lembra o das falências, mas isso não significa que,
na Justiça Federal, haja práticas criminosas.
Para afastar esse
risco, advogados entendem que seria prudente abrir a caixa preta das delações e
definir um protocolo de acordos, com regras claras e transparência, para que
amanhã não se descubra que o instituto foi excelente para advogados que buscam
fortuna e péssimo para a Justiça.
Depois de
aparecer na Máfia das Falências, os Simão protagonizaram outro escândalo. Fábio
Zanon Simão, irmão de Marcelo, era alto funcionário do Ministério da
Agricultura desde 2015, por indicação do PMDB, e foi preso na operação Carne
Fraca.
A acusação contra
ele: cobrar propina para conseguir facilidades no Ministério da Agricultura.
Em 2015, quando
foram divulgadas por blogs uma suposta ligação de Rosângela Moro com o PSDB,
ela foi ao Twitter para dizer, em mais de um post:
Atenção
tuiteiros. Não sou, nunca fui advogada de partido político algum, seja do pt,
psdb, pdt, pqp. Tampouco sou filiada a partido politico. Não sou, nunca fui
advogada de qualquer político. Fui, em meados de 2009-2010, advogada da uma
massa falida na área trabalhista, cujos síndicos, aliás, me passaram o calote,
nunca pagaram os honorários, razão pela qual pedi renúncia em TODOS os
processos.
Na época, ficou
sem sentido a referência à massa falida. O que tem a ver massa falida com os
partidos?
Mas agora se
sabe: ela estava falando da GVA.
Rosângela disse
que renunciou à defesa das ações trabalhistas da massa falida, mas Marlus
continuou, firme, na defesa dos Simão.
Marlus e
Rosângela ainda se encontraram profissionalmente nos caminhos jurídicos da APAE
e agora, de uma forma indireta, na Vara de Sergio Moro.
Quando se olha
para a família Simão, vê-se Marlus na sombra. Quando se olha para Marlus, é
impossível não enxergar pelo menos o vulto de Rosângela Moro. No cenário onde
os dois atuam, destacam-se os pilares da Justiça.
.x.x.x.x.
PS: Encaminhei
e-mail para Rosângela Moro com perguntas para esta reportagem. Até agora, ela
não respondeu.
DCM