Na sexta-feira da semana passada, o publicitário Marcos
Valério ficou sete horas no Departamento Estadual de Investigações sobre
Fraudes em Belo Horizonte, no primeiro depoimento que prestou depois que fez um
acordo de delação premiada com a Polícia Civil de Minas Gerais.
“O Valério implodiu o PSDB”, disse uma pessoa que acompanhou
o depoimento. Conversei com outras pessoas que estiveram presentes no
depoimento. Os relatos são impactantes. Rodrigo Pinho de Bossi, chefe do
Departamento, não deu entrevista, mas anunciou que deve falar sobre o caso em
coletiva.
Ele, entretanto, não liberará o depoimento até que o acordo
de delação premiada seja homologado pela Justiça.
Marcos Valério cumpre pena de 37 anos e cinco meses de prisão
por participação no caso conhecido como Mensalão de Brasília ou Mensalão do PT.
Ele tinha uma agência de publicidade usada para repassar
recursos a políticos de todos os partidos, durante os primeiros anos do
primeiro mandato do governo Lula.
Era um operador. O dinheiro de caixa 2 passava por ele.
O que a velha imprensa quase não diz — e quando
diz não destaca — é que Marcos Valério começou a operar no submundo da política
muito antes do PT chegar ao governo.
“Foi no governo de Eduardo Azeredo, do PSDB, que ele criou os
mecanismos para ser o maior trem pagador da política brasileira”, disse uma
pessoa que acompanhou o depoimento.
Marcos Valério tentou fazer delação premiada em outros
momentos, mas o Ministério Público Federal rejeitou seu depoimento.
“Agora nós sabemos por que. É porque ele arrebenta o PSDB e
seus apoiadores. É muita sujeira, e o Ministério Público não quis ouvir”,
afirmou a fonte.
Valério confirmou a autenticidade de documentos apreendidos
pela Polícia Civil em casas de pessoas que estavam sendo investigadas por
envolvimento em esquemas de corrupção, como Denise Landim e o advogado Joaquim
Engler.
Um dos documentos apreendidos é a cópia da chamada Lista do
Valério, um documento que foi considerado apócrifo. Nesta lista, a exemplo de
outra lista famosa, a de Furnas, aparecem os nomes de pessoas que receberam
recursos operados por Valério.
São pessoas que ocupavam postos de destaque no governo de
Fernando Henrique Cardoso. O que Valério contou à Polícia Civil é a origem
desses recursos.
“A origem está na negociação na venda da CEMIG”, contou ele,
em referência à estatal de energia controlada pelo governo de Minas Gerais.
Em 1997, o governo de Minas Gerais, por decisão de Eduardo
Azeredo, vendeu 32,7% das ações da CEMIG para o que se chamou à época
“parceiros estratégicos”, que formaram o consórcio Southern Electric Brasil
Participações Ltda.
O consócio foi costurado pelo Banco Opprtunity, de Daniel
Dantas, com duas empresas de eletricidade dos Estados Unidos, a Southern
Electric e a AES.
Pelo lado do governo, quem conduziu a venda foi o
vice-governador Walfrido dos Mares Guia. O consórcio arrematou quase 33% das
ações ordinárias da Cemig por R$ 1,13 bilhão.
O dinheiro que financiou a compra saiu dos cofres do BNDES,
na época presidido por Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Metade do dinheiro seria paga em 12 meses sem juros e, a
outra metade, em 10 anos, com financiamento do BNDES, que cobrava do consórcio
juros de 3,5% ao ano.
O governador Azeredo não se reelegeu. Em seu lugar, assumiu
Itamar Franco, que em 1999 entrou com ação para desfazer o acordo de acionistas
e retomar para o Estado o controle da CEMIG.
O Tribunal concedeu liminar favorável a Itamar, que demitiu
os três diretores que representavam o consórcio.
Mas as ações continuaram nas mãos do consórcio, que até hoje
recebem altos dividendos, o que demonstra que as empresas capitaneadas por
Daniel Dantas fizeram um excelente negócio.
Se foi bom para os investidores, foi péssimo para a estatal,
e um negócio desse tipo não se concretizaria sem o pagamento de propina, muita
propina.
É aí que entra Marcos Valério.
Ele já tinha negócios com Daniel Dantas, através das contas
de empresas de telefonia controladas pelo Banco Opportunity.
Para Valério, publicidade sempre foi um meio de fazer caixa 2,
e era essa a natureza dos negócios com Dantas.
“Ele pagou todo mundo, a maior parte gente graúda do PSDB,
graúda não, muito graúda, do governo de Minas Gerais e do governo federal”,
contou a fonte.
Quando estourou o escândalo do Mensalão, começou a circular a
lista com o nome das pessoas que receberam recursos de Valério. Não fazia
referência explícita à CEMIG, mas os nomes que apareciam lá eram de pessoas
envolvidas, de uma forma ou de outra, com a venda das ações.
A lista tem a assinatura de Valério e documentos desse tipo,
como o de Furnas, servem para intimidar recebedores de recursos ilegais.
Na época, a velha imprensa noticiou que Valério havia negado
a autenticidade da lista, mas nunca se fez perícia para verificar se a
assinatura era dele.
A lista original foi entregue pelo advogado Dino Miraglia, na
época advogado do lobista Nílton Monteiro, delator de Furnas e do Mensalão de
Minas, ao então presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que
foi o relator do Mensalão de Brasília.
O documento nunca foi investigado e se encontra nos arquivos
do Supremo Tribunal Federal. Mas a lista teve repercussão. Negativa para quem a
denunciou.
O ministro Gilmar Mendes, que fazia parte do governo Fernando
Henrique Cardoso, aparece na lista como recebedor de propina. O caso foi
noticiado pela revista Carta Capital.
Gilmar processou a publicação, o jornalista autor da
reportagem e o advogado. Todos foram condenados.
Com o depoimento de Marcos Valério, abre-se nova oportunidade
para um mergulho no submundo que une política, Ministério Público, Judiciário e
grandes empresas.
Sempre se soube que a corrupção não nasceu com o governo do
PT, mas uma blindagem institucional nunca permitiu que as investigações
avançassem sobre o PSDB.
O delegado Rodrigo Bossi de Pinho, da Polícia Civil de Minas,
abriu uma brecha, deu voz a um grande operador do submundo do dinheiro, um
profissional do crime de colarinho branco que prestou serviços a A, B, C e até
Z.
Vai começar uma operação abafa.
A parte do Brasil que já foi civilizada não pode permitir que
isso aconteça.
A lucrativa CEMIG foi o bem que, segundo Valério, os
corruptos do PSDB venderam
DCM