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sábado, 17 de junho de 2017

Fernando Horta: Críticas, temperança e o Brasil de hoje

No final da década de 70 e início da de 80, existia uma série chamada “Ilha da Fantasia”. Ricardo Montalban fazia o papel do “senhor Roarke”, o anfritrião de uma ilha-resort que tinha seus encantos e uma boa dose de filosofia. Auxiliando o Sr. Roarke, Hervé Villechaize fazia o papel de Tatoo, um simpático faz-tudo que, normalmente, trazia a história para a realidade.

Enquanto Roarke era o pensamento mágico das coisas que aconteciam sem explicação, mas sempre com uma finalidade, Tatoo era o fechamento materialista. Como um condutor dos indivíduos novamente à sua realidade. Desta viagem, os diversos indivíduos que se submetiam, levavam como prêmio apenas o conhecimento, que era desvelado em algum diálogo próximo do fim.

Na Academia somos treinados para vivermos uma eterna viagem à Ilha da Fantasia. A partir de uma determinada base de conhecimento teórico, deixamos o pensamento alçar voo para, em seguida, tentar captura-lo dentro da realidade objetiva, a qual nos cabe viver e conviver. Nas últimas horas eu publiquei quatro textos sobre o mesmo tema. Minha posição é que os EUA não são o “cérebro” articulador por trás das vicissitudes brasileiras desde 2013. Veja que não digo que não colaborou, não digo que não tenha se beneficiado, não digo que não tenha efetivamente participado de alguma forma, não digo. Apenas questiono uma linha de interpretação histórica que remonta à Guerra Fria. No primeiro texto (http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/nao-foram-as-listras-nem-as-estrelas) apresento uma série de argumentos teóricos que fazem parte das críticas que a própria ciência Histórica vem fazendo sobre si mesma. No segundo texto (http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/texto-2-o-velho-senhor-do-pijama-listrado) apresento uma série de argumentos mais empíricos voltados especificamente contra o senso comum.

Neste debate, apresentei um terceiro texto (http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/texto-1-a-culpa-e-das-estrelas), com o qual não concordo, sinalizando por meio de um quarto texto (http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/sal) que haveria uma escolha a ser feita. Os argumentos centrais dos dois textos são excludentes e eu fiz, de propósito, a apresentação dos dois juntos, para verificar a posição dos leitores. O texto “A culpa é das estrelas” é recheado de afirmações de senso comum, sem dados concretos e termina com a apresentação de um argumento de autoridade (do historiador Moniz Bandeira). Este tipo de texto não seria aceito na Academia, pois ele se utiliza de tudo o que a boa prática científica condena e que ensinamos os alunos e não fazerem. Moniz Bandeira é um dos grandes historiadores brasileiros, mas ninguém deve ser usado como argumento de autoridade.

Hoje, uma outra colunista, competente e muito criteriosa, também publica texto no sentido de acusar os EUA de “estarem por trás” (seja lá o que isto quer dizer) das nossas mazelas. Apresenta como evidências um email da embaixadora Ayalde (quando ainda no Paraguai) recusando-se a emprestar reconhecimento democrático a Fernando Lugo, e um curso partícipe do projeto norte-americano “Pontes”, que Moro compareceu no Rio de Janeiro como palestrante. O documento, desvelado pelo Wikileaks (https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html) sequer é marcado como “restrito” ou “secreto”. As duas evidências apresentadas são tremendamente fracas. Vários diplomatas de vários países negaram-se a emprestar a Temer qualquer legitimidade democrática e não se tem notícia de que estejam planejando golpes contra o Brasil. Vários presidentes, incluindo dois dos EUA, também se recusaram a aparecer ao lado de Temer, isto significam que estão preparando golpes? Não, apenas mostram que por motivos seus não concordam que Temer seja legítimo. A evidência sobre o “curso” de Moro é ainda mais fraca. O próprio documento mostra que a duração do encontro foi de cinco dias. Se em cinco minutos me convencem a trair minha esposa, é provável que a vontade de trair fosse anteriormente minha.

A verdade é que estamos nos tornando especialistas em julgar sem provas. Estamos nos tornando experts em montar narrativas com mínimos (quando existentes) pontos de apoio empíricos e verificáveis. Tudo fica no campo do “pode ser”, “eu acho”, “não tem como ser diferente”, “li em algum lugar” e por aí vai. A seguir por esta senda, em alguns dias estaremos nos preparando para a invasão Anunnaki ao planeta Terra, que deve ocorrer em setembro. Se chancelamos este tipo de raciocínio, estamos dando força a Moro. Das inúmeras inverdades que já levantaram contra ele (que seria filiado ao PSDB, que seu pai seria fundador do PSDB em Maringá, que seria um agente norte-americano) nenhuma é minimamente palpável e acabam por enfraquecer as reais objeções que temos a ele: de que é parcial, de que não se atém à constituição e às leis e que faz de sua formação conservadora e de um anticomunismo atávico uma bandeira de luta contra a esquerda.

Ademais, o mesmo raciocínio que leva alguém a pegar um curso de cinco dias no RJ que ele compareceu para dizer que é “agente americano”, faz com que ele considere dois pedalinhos, caixas escritas “praia” e “campo” e um contrato sem assinatura como “provas” contra Lula. Percebam que é exatamente o mesmo caminho epistemológico. Com provas fraquíssimas entram em campo nossas convicções. “Dalhanholmente” provadas. A Lava a Jato tem inúmeras inconsistências, apontadas por pessoas muito mais qualificadas no Direito do que eu, mas não é por cursos (como diz Moniz Bandeira) frequentados por um juiz, entre mais de 17 mil no Brasil, que vamos “provar” que os EUA estão coordenando uma força de mais de 500 pessoas (entre policiais, promotores, jornalistas, políticos, juízes e etc.), em diversas instituições, para destruir o país.

O que me impressiona não é que estejamos neste ponto. A esquerda tem sofrido demais, o ar está irrespirável no Brasil. Todo dia temos desprotegidos mortos e assassinados, direitos sendo retirados, privilégios escorchantes criados ou mantidos. Todo dia o fascismo tem avançado. Estamos à “flor da pele”, respondendo mais do que pensando. O que me impressiona é que estamos fazendo exatamente o que a direita faz. Esta direita que acusamos de inculta, paranoica, ignorante e burra.

Se é verdade que sem o Senhor Roarke e toda sua capacidade imaginativa não somos humanos, é preciso reconhecer que sem Tatoo também não. Temos que manter os pés no chão e aguentar a tempestade. Muitas vezes, defender um ponto de vista contra a multidão parece insólito, mas é o que pretendo fazer, sempre que acreditar que tenho base para isto. E defendo o seu direito de não concordar. Fico chateado, confesso, por ter virado um “lacaio do capitalismo americano” como chegaram a me chamar, mas ultimamente no Brasil, tenho tido companhias ilustres como condenados digitais. Precisamos respirar, precisamos voltar a ser o que nos distinguia politicamente: um coletivo racional de cidadãos capazes de pensar antes de agir e que defende um Brasil menos desigual, mais próspero e justo.

Por via das dúvidas, estoquem água e comida. Alguns dizem que os Anunnakis chegarão em setembro deste ano.

Do GGN