Estou com Lula e não abro. Vou com Lula até que o golpe
aniquile por completo sua volta ao Planalto. Quero desmoralizar o processo
eleitoral golpista. Quem tomou o país num golpe sujo não devolve no voto. Golpe
com supremo e tudo, cá com meus botões, não vou legitimar uma farsa entre dois
candidatos da direita suja e entreguista. Lula é meu candidato e sequer sei se
esse era o sonho dele, se seu sonho mesmo seria pendurar a chuteira, ver sua
obra continuada e ir tomar sua cachacinha no sítio de Atibaia que, por obra
divina, deveria ser mesmo dele, até como prêmio.
Volto no tempo. Vejo meu irmão caçula ensaiando uma nanica
criação de codornas. De forma pedagógica, começa a me explicar os cuidados que
precisava ter, em virtude da forma precária como lidava com a questão. “Tenho
que limpar todos os dias o cocô das codornas, devido à concentração de cálcio.
Se não faço isso, as fezes se solidificam e prendem as patas das codornas.
Presas às fezes, elas não andam, não se alimentam e morrem”. Leia-se, agonizam
e morrem presas em suas próprias fezes. Obviamente, hoje, com manuais de tudo
na internet, isso não mais acontece.
Algumas codornas de meu irmão morreram atoladas. Assim como
elas, a classe média brasileira agoniza em seus próprios valores (fezes) e não
necessariamente dela. Presa ao discurso coprológico produzido pela elite do
atraso (Jessé de Souza), quer fazer omelete sem quebrar os ovos ou, noutras
palavras, quer tudo limpinho e cheiroso, mas vive a síndrome da codorna mal
cuidada. Sofre o intocável vício de raiz e não percebe que os males que pensa
combater são frutos dos valores que defendem. Por exemplo, que valor tem para o
miserável, a vida de um rico ou assemelhado, o qual valor algum atribui à vida
dele?
Enquanto servidores públicos, não se enxergam como braço do
estado - que deseja mínimo. Enquanto assalariado bem pago, não se enxerga como
trabalhador. Enquanto comerciante, reproduz discurso do grande empresário que o
engole na primeira curva, e reage como um taxista diante do UBER, enquanto
defende a livre iniciativa.
Ignorantes absolutos, não decodificam conceitos sutis, como
soberania, cidadania, dignidade humana, constituição, cláusula pétreas. Não
enxerga direitos humanos como norma que o defenderá da tirania do Estado. Ao
silenciar sobre o golpe, não vê desrespeito sequer ao seu próprio voto, ainda
que contra o governo (não valeu o voto em Aécio ou Dilma). Por não alcançar,
não apreende o significado soberano da liderança de Lula nas pesquisas. Vale o
tapetão do TSE. Exerce o ódio contra o pobre olhando para Lula, sob
impulso da bolsopatia nazista. Não tem alcance mental além de marcas de
roupa/tênis e ou do voyeurismo, sonhando com vida de artista. Prega o “sevirol”
alheio, mas ela mesma não “se vira”, na melhor versão “aberração cognitiva” (Marilena
Chauí).
Falo de classe média alta, média e baixa, que, alienada de
tudo, foi pra rua bater panela, tirou uma presidenta honesta e hoje silencia
quanto à quadrilha que ajudou a por no poder. Nega a política e vota em
político que nega a política. Não distingue um estado com direitos de um estado
sem direito algum, no qual, hoje, ela própria agoniza. Declara-se contra o
aborto em nome da vida, mas só defende a vida durante nove meses. Depois disso,
qualquer defesa da vida é demagógica, qualquer processo de inclusão é compra de
voto. Vive engolfada de Globo/Veja/Estadão/Jovem Pan. Ignora que os tais
veículos defendem seus próprios interesses e de seus patrocinadores e não os
dela. Critica tudo o quanto mais quer: privilégios, status, luxúria,
futilidade. Quer brilhar e humilhar o primeiro pobre que encontrar: você sabe
com quem está falando?
Sempre que falo em classe média, tenho como grande referência
a Polícia Federal onde vivi mais de três décadas. É chocante a alienação e a
bolsopatia contaminou significativa parte de seu contingente (“O fascismo é
fascinante deixa gente ignorante fascinada”, já o disse o roqueiro). Não à toa
o discurso policialesco do bolsopata faz tanto sucesso lá. Parece unanimidade,
apesar da suposta legião de delegados frustrados que queriam ser juízes e
procuradores (a quem tanto criticam). Apesar do farfalhar dos que desejam ser
delegado sem concurso, sob o argumento de que até formado em balé pode ser
delegado. Especulação? O fato é que o nível de debate político é baixo, pobre,
raivoso e precário. Classe média!
É de gente da PF, que tenho recebido vídeos de apoio ao mais
medíocre candidato à presidência da República de nossa história. Lula, tão
criticado, habita a sede da PF que inaugurou, para ser odiado mais de perto.
Para não ser presidente, condenado numa farsa, Lula está sequestrado da PF.
Está lá sob a guarda do inimigo, o homem que lhe deu salários, sedes, viaturas,
lanchas, armamento, prerrogativas, instrumental legal. Estão soltos, ricos,
premiados, homenageados. Mas, bom mesmo é a bolsopatia, que vai resolver tudo
com frase feita. Afinal, atraídos por anúncios de jornais, os africanos se
candidataram a escravos no Brasil. Eis o candidato que balança o coração de
muitos na PF, da classe média. É a síndrome da codorna atolada.
Fora Dilma e leva o PT junto. Lula preso basta. Fetiche
satisfeito (Chico Pinheiro?), as eleições estão próximas. Qual a grande mudança
no processo eleitoral? Nenhum. Só mesmo o encurtamento dos prazos pelo Tribunal
Eleitoral para tirar Lula da disputa. As campanhas serão financiadas pelo setor
privado (capitalismo samaritano?). O caixa dois voltará à cena, as maquiagens
nos programas eleitorais serão as mesmas, candidatos se exibirão beijando
crianças e vomitarão solilóquios. Tal qual tudo igual, filminhos de maravilhas
com fundo musical, mas a classe média é incapaz de perceber o terreno imundo e
infectado no qual habita. Não se vê nutrindo o veneno do chão que pisa e sonha
como nomes.
A classe média se prepara para uma farsa eleitoral como se
eleição fosse, do mesmo modo que engoliu o golpe. Alheios ao terreno infectado
pelo ideário que cultiva, aguarda a apresentação do antibiótico de seu
candidato. O que pode brotar de uma terra infectada? Mas, mesmo assim aposta em
nomes, não em programas. Basta não mexer no terreno. Debate política via memes
e PowerPoint, tudo no melhor estilo ópera bufa República de Curitiba, do
judiciário sujo homenageado em bordel, que também agoniza na síndrome da
codorna mal cuidada.
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado e jornalista,
delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São
Paulo.
GGN