Michel Temer
pediu o cardápio. Gilmar Mendes se antecipou ao amigo e o tirou da mão do
garçom: "posso pedir vistas, presidente?"
- Claro,
meretríssimo – respondeu Michel.
- De
entrada, que tal um queijo Gonzaga com lascas de tomate?
- Ótima
escolha, Gilmar. Mas esse prato demora muito. Os tomates só estarão maduros no
dia 16 de abril. Se quisermos algo pra hoje, terá que ser esse outro aqui mesmo
– disse, apontando para um queijo mais amargo.
- Calma,
Michel. Quem está vendo o cardápio sou eu. Minhas vistas, minhas escolhas.
Apenas obedeça.
-
Obedecer-te-ei, meu caro. Mas estou com fome. Veja o que temos como prato
principal, por favor.
- Taquilpa,
Michel. Apressado come cru! Já disse que o pedido de vistas pode demorar o
tempo que quisermos. A alta gastronomia é assim, lenta e conservadora.
- Vossa
excelência frequenta a alta gastronomia há muito tempo. Eu o respeito. A
escolha é sua.
- Então
vamos pedir uma pizza de vieiras.
- Pizza? Mas
esse é um prato rápido, Gilmar. E não tem nada a ver com a alta gastronomia.
- Só que a
Vieira demora dois meses pra cozinhar. Fica pronta apenas em maio e dá um
requinte especial à pizza.
- Mas será
que podemos esperar tanto?
- Claro que
podemos. Como disse, estamos apenas pedindo vistas, Michel.
- Muito bem.
Então, deixa que eu pago a conta. Garçooom...!!!!
- Já está
paga, Michel.
- Já está?
Por quem?
- Olhe em
volta, presidente. São eles que vão pagar.
E soltaram
gargalhadas que ecoariam por todo o restaurante até o final de 2018.
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Publiquei a
crônica acima em abril, quando Michel Temer escolheu os ministros Admar Gonzaga
e Tarcísio Vieira para substituir os pares que estavam prestes a deixar o TSE.
Era uma previsão do que está acontecendo agora.
Nos últimos
dias, liguei ou mandei mensagem para os assessores de sete parlamentares de
oposição com o objetivo de perguntar sobre a atuação parcial de Gilmar Mendes
no julgamento do TSE. Quase todos se recusaram a responder. Do que têm medo,
afinal?
A exceção
ficou por conta do senador Roberto Requião, que conversou comigo ontem. Para
Requião, muito pior do que Gilmar são os ministros Gonzaga e Vieira,
recém-indicados para o cargo com o único objetivo de absolver quem os nomeou, o
réu Michel Temer. Este é um absurdo cuja explicação é impossível: como pode um
réu indicar os juízes que vão julgá-lo?
O senador
Requião também comentou a possibilidade de o presidente barrar na Câmara a
denúncia que deve ser aberta por Janot na semana que vem. Temer precisa de 172
votos e, segundo Requião, só a movimentação das ruas é capaz de evitar essa
tragédia política, já que os deputados vivem em um mundo paralelo. "O
congresso come pizza na Camelo" – disse o senador, em alusão à pizzaria
onde Rodrigo Rocha Loures foi flagrado recebendo uma mala de dinheiro da JBS.
Pelo jeito,
continuaremos a viver numa pizzocracia.
E, nesse
sistema, seremos governados pelo trio de pizzaiolos formado por Gilmar Mendes,
Henrique Meirelles e o capital financeiro.
A Temer
restará apenas a cadeira. Sem poder, sem voz e com um pato amarelo na mesa da
escrivaninha.
Felipe Pena
é jornalista, escritor, psicanalista e professor da UFF. Doutor em literatura
pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU
e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No jornalismo não há
fibrose", finalista do prêmio Jabuti.
Do GGN/Extra