Carlos Fernando, Figueiredo Basto e Moro
Sempre tão falante através do Facebook — agora ele entrou em
guerra aberta com o ministro do STF Gilmar Mendes —, o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima não deu um pio a respeito da delação de dois doleiros
no Rio de Janeiro sobre a cobrança de propina para garantir proteção no
Ministério Público Federal e na Polícia Federal de Curitiba.
Como revelou O Estado de S. Paulo, em manchete da edição de
19 de maio, os doleiros Vinícius Claret, conhecido como “Juca Bala”, e Cláudio
de Souza, subordinados ao “doleiro dos doleiros” Dario Messer, disseram que,
entre 2006 e 2013, pagaram mensalmente uma “taxa de proteção” de US$ 50 mil
(cerca de R$ 186 mil ao câmbio atual).
O dinheiro, conforme os relatos, era entregue ao advogado
curitibano Antonio Figueiredo Basto e um colega dele cujo nome não foi
informado. Em troca, eles seriam poupados nas delações decorrentes do caso
Banestado, que correu na jurisdição de Sergio Moro.
Alguém pode argumentar que é tudo mentira e não se deve dar
crédito à palavra de criminoso. Se fosse assim, a Lava Jato não existiria, já
que quase tudo usado ali para condenações ou prisões peventiva tem como
fundamento a palavra de criminoso.
Mas o ponto principal é outro: Dario Messer e seus operadores
nunca foram, de fato, incomodados por Moro, o Ministério Público Federal ou a
Polícia Federal de Curitiba, contrário de seus concorrentes. Toninho da
Barcelona, por exemplo, pegou uma condenação superior a dez anos e foi exposto
à execração publica e acabou até depondo em CPI.
Recentemente, Toninho da Barcelona foi solto, mora em São
Paulo, mas se recusa a falar sobre Moro, embora tenha o juiz atravessado na
garganta. Conhecidos dizem que ele evita até voos de avião sobre Curitiba, para
não se lembrar do que passou nas mãos de Moro, procuradores e policiais
federais — também foi procurado por advogados ligados ao grupo.
Já Messer seguiu sua vida, com concorrentes fora do mercado.
A tranquilidade só acabou quando a Lava Jato se estendeu para o Rio, e foi lá
que a investigação o alcançou, no caminho da lavagem do dinheiro do esquema de
Sérgio Cabral. Ainda assim, ele tem contatos importantes.
Fugiu para o Paraguai, onde tem cidadania, quando soube que
poderia ter sua prisão preventiva decretada. Quando o decreto saiu, foi
procurado no território paraguaio, graças a acordo de cooperação do país
vizinho com o Brasil, mas não foi encontrado, o que indica que foi avisado mais
uma vez.
Antigos aliados acreditam que ele esteja em Israel, onde
também tem cidadania, por ser judeu. Messer não foi o único a escapar. O
doleiro René Maurício Loeb fugiu do Rio de Janeiro para a Europa a bordo
de um navio de luxo, semanas antes da operação ser deflagrada.
A Procuradoria admite que houve vazamento, mas o credita a
doleiros presos, que saíram da cadeia muitas vezes para depor e teriam se
comunicado com o grupo. Mas, se isso é verdade, como esses doleiros sabiam da
data da operação? Como saberia que haveria investigação? Difícil
acreditar. Faz mais sentido que alguém de dentro da Lava Jato alertou o
doleiro.
Mas a velha imprensa divulgou essa versão da Procuradoria sem
questionamento e é por isso que, num primeiro momento, surpreende que o Estadão
tenha publicado a revelação da delação dos doleiros, num furo de Ricardo
Galhardo.
Mas quem lê os jornais de hoje vê que o assunto desapareceu.
Não está na primeira página nem da Folha de S. Paulo nem do jornal O Estado de
S. Paulo. O Jornal Nacional da Rede Globo publicou a reportagem, mas pode-se
apostar que também desaparecerá dali, porque é assim que funcionam
as redações.
A notícia é publicada, mas logo esquecida quando o assunto é
sensível aos interesses da empresa jornalística.
É só comparar dois casos notórios: reportagens negativas
sobre Lula e o PT já consumem horas do noticiário, com inserções diárias, e
quilômetros de páginas de jornais e revistas, enquanto o PSDB, quando citado,
vira notícia, mas logo depois o tema desaparece da pauta.
É na pauta que os patrões exercem o poder. Quando o repórter
insiste que talvez o caso merecesse aprofundamento, desdobramento, repercussão
— suíte, na linguagem da profissão —, o editor, orientado pela chefia,
argumenta que a empresa já cumpriu seu papel e que agora deve-se partir para
outro assunto.
Mas, se a notícia é contra alguém que seja considerado
inimigo da casa, a paulada é incessante. É o que se chama de jornalismo de
guerra, aquele que tem inimigos.
Talvez seja por apostar nos panos quentes da velha imprensa
que Carlos Fernando dos Santos Lima silenciou quanto à reportagem de O Estado
de S. Paulo.
Carlos Fernando, o mais antigo na equipe da lava Jato, linha
de frente no caso Banestado, poderia dizer que o esquema denunciado pelos doleiros
ligados a Messer lembra o funcionamento da máfia: pagar por proteção.
Poderia falar da necessidade de investigar.
Poderia até dar seu próprio testemunho e contar por que só
uma pequena parte dos envolvidos no Banestado acertou contas com a Justiça. A
maioria foi poupada.
Mas Carlos Fernando, em vez de falar, desta vez preferiu o
silêncio. E vai continuar tentando espinafrar Gilmar Mendes, porque os
procuradores sabem que o ministro já não conta com a proteção das redações como
antes.
No fundo, eles se conhecem muito bem.
PS: o depoimento dos doleiros tem ares de ameaça: eles contam
um pouco, deixam a porta aberta para recuo, mas demonstram que sabem muito.
Querem passar recado. Como na máfia, estão avisando: se me ferrarem, eu quebro
vocês.
Do DCM