Grandes
negócios, lobistas e aventureiros
Nos últimos
duzentos anos, desde o Congresso de Viena de 1814 até nossos dias o mundo criou
mais riqueza do que nos 10.000 anos anteriores. Na construção desse novo mundo
participaram como agentes os grandes estadistas, os inventores e os
empreendedores visionários. Sem esses
agentes a construção dos meios de riqueza não aconteceria.
Vamos tratar
aqui dos empreendedores visionários e aventureiros que foram a faísca que deu
partida à expansão do capitalismo por caminhos e métodos que não se enquadram
em princípios altruistas, morais e éticos, ao contrario, foi a ambição do
enriquecimento que motivava esses agentes que na sua ganancia criaram riqueza
para eles e para a sociedade.
De todos os
danos produzidos pelas cruzadas moralistas o maior é a eliminação desse tipo de
personagem da História, uma espécie essencial para a criação e distribuição de
riqueza.
Mesmo que
individualmente sejam vistos como maus
elementos, lembram as aves de rapina repulsivas vistas de perto que são no
entanto utilíssimas na limpeza das carniças e na adubação da terra, os
empreendedores, ao gerar e reciclar riqueza, fertilizam as sociedades e os
povos. Não confundir o aventureiro com o executivo profissional, que é um burocrata
do setor privado, não é o criador, apenas o administrador de algo criado pelo
empreendedor.
Gerações
inteiras de aventureiros estão na raiz
dos grandes negócios e projetos do Brasil em construção, desde os primeiros
Bandeirantes até o audacioso Percival Farqhuar,
que implantou a energia elétrica, os telefones, ferrovias, gás, portos,
siderurgia e mineração de ferro, cidades resort como o Guarujá, um pirata do
século XIX que morava no Rio de Janeiro em 1953 depois de construir metade do
Brasil moderno. Perto de Farqhuar os empreiteiros de hoje são meros aprendizes no manejo da politica e
da imprensa brasileira, base de seu
império.
Projetos, de
início impossíveis, estão na base dos grandes empreendimentos e quem torna
sonhos em realidade é exatamente o tipo de indivíduo que as cruzadas moralistas
querem eliminar, porque no critério da moral e da ética de almanaque nenhum
deles será aprovado. Sem aventureiros nenhum País foi construído, a começar dos
EUA, a terra santa dos grandes piratas
do capitalismo de alto risco e nenhuma regra. A Era das Ferrovias, base
da formação dos EUA como potência econômica, foi obra de financistas e aventureiros pilantras, a pior escória que o
capitalismo pode produzir em uma só época, como Jay Gold, Leland Stanford, Mark
Hopkins, Edward Harriman, Charles Crocker, James Duke, Henry Frick, Henry
Flager (que inventou a Florida), James Hill, John Jacob Astor, Henry Plant,
Charles Schwab, Collis Huntington.
Alguns desses “robber barons” criaram grandes instituições como a Stanford
University, o Hotel Waldorf Astoria, a junção ferroviária Atlantico-Pacifico,
museus, hospitais, centros de pesquisa, jornais, o mal e o bem nas mesmas
criaturas.
Na HISTÓRIA
DO CAPITALISMO, versão em português, de Michel Beaud, Editora Brasiliense,
vê-se como a construção das fábricas e
ferrovias da primeira revolução industrial tinham o capital originário de
negociantes, traficantes de escravos, flibusteiros de todo o tipo, corsários,
caçadores de minas e a partir de seus primórdios o capitalismo teve como fator
de ignição, de primeira chama, o aventureiro caçador de fortuna operando mais
pelo instinto e pela ganância do que pelo plano bem traçado ou por regras bem
comportadas.
Os grandes
negócios do petróleo do Seculo XIX nasceram pela mão de “half-mad men” de
malucos, picaretas, indivíduos de vida irregular, muitos fracassaram, outros
deram certo.
Como William
d´Árcy que comprou os primeiros direitos para exploração de petróleo na Persia,
um caçador de tesouros que já tinha ficado rico com minas na Australia, formou
a Anglo Persian Oil Co.Ltd. a qual em sucessivas transformações é hoje a BP,
uma das grandes petroleiras mundiais. D´Arcy sabe-se lá como suspeitou da
existência de óleo na Persia, convenceu o então Xá em Teharan a lhe dar uma concessão
por seis anos em troca de suborno em um tempo em que a Persia era um Pais
longínquo, atrasado e inóspito onde só
aventureiros como D´Arcy se atreveriam a viajar e negociar com potentados
locais.
Outro
romance foi a formação da Iraq Petroleum Co. por Calouste Sarkis Gulbenkian que
conseguiu a concessão, procurou capital na Europa e ficou com 5% da companhia
como sua comissão, esses 5% o fizeram um dos homens mais ricos do mundo, vivia
no Hotel Aviz em Lisboa e legou sua imensa coleção de arte a um Museu que leva
seu nome em Lisboa. Hoje uma das maiores coleções de arte da Europa está no
Museu Gulbenkian.
Henry
Deterding, empregadinho do banco ABN na Indonesia holandesa, o gerente do banco
achava-o displicente e mau funcionário, o despachou para trabalhar com um
cliente do banco que tinha dois poços de
petróleo, o velho morreu e Deterding passou a gerir os poços em nome das filhas
herdeiras do negócio que estavam na Holanda. Desse começo na selva da Indonesia tornou-se o grande criador da Royal Dutch
Shell, empresa de petróleo que rivalizava com o truste americano da
Standard Oil. Deterding era um grande
aventureiro e explorava o petróleo de Baku na Russia, depois expropriado pelos
soviéticos, descobriu petróleo na Venezuela, se associou a Hitler para combater
a URSS e tentar recuperar seus poços no Mar Negro. Sem esse holandês de
espirito irrequieto não existiria a Shell, uma das sete irmãs do petróleo.
Atrás de cada petroleira há um sujeito que correu imensos riscos por fora das
regras.
O
aventureirismo fez nascer o capitalismo, dos piratas com carta de corso de Sua
Majestade britânica aos Bandeirantes paulistas que chegaram a pé aos
contrafortes dos Andres, dos exploradores ingleses que procuravam minas na
Africa, não se encontra nessa raiz dos grandes empreendimentos nenhum burocrata
“tudo certinho” , esses sempre existiram mas nunca foram eles os que criaram a
base da riqueza, das inovações, das grandes empresas.
No Brasil
desde o Barão de Mauá até os empreiteiros que construíram a infraestrutura do
Pais, operam desde os tempos do Império através do intermediário ou lobista, o nome é um
detalhe, que levantava o negócio por sua visão e mente febril e juntava as
fontes de dinheiro com a técnica e a política. Desde a Companhia Construtora
Nacional na Republica Velha, que construiu os principais quartéis do
Exército, até a construção de Brasilia,
passando pelas grandes obras de construção da usina de Volta Redonda, da via
Dutra, da elitrifcação das ferrovias nos anos 40 e 50. Os grandes empréstimos
“funding loans” dos anos 1900 a 1940 tinham sempre um “corretor” por trás, com
as conexões certas em Londres e Rio de Janeiro, sem o que as operações não
aconteceriam, nada no mundo das finanças e dos grandes negócios acontece aqui
ou no mundo sem o homem certo, no lugar certo, na hora certa.
Nenhum foi
maior aventureiro no Brasil do que
Percival Farqhuar, se operasse hoje nem começaria, a Lava Jato o prenderia no
seu primeiro negócio. Farqhuar não tinha capital próprio mas sabia levantar
dinheiro em qualquer praça que pelo seu olfato tivesse liquidez.
A Societé du
Gaz de Rio de Janeiro era francesa mas Farqhuar estava por trás, o Porto do
Pará também tinha sede em Paris, já as Light de São Paulo e Rio eram
canadenses, a Companhia Telefonica Brasileira era americana, a Ferrovia Madeira
Mamoré também, a Manaus Harbour, porto de Manaus, era britânica, já a Itabira
Iron, raiz da Vale do Rio Doce, era americana.
Em fase
muito posterior nas décadas de 60 e 70, um intermediário genial montou os
grandes projetos hidroelétricos com turbinas e financiamento francês, sem ele
os empreendimentos hidroelétricos que hoje são fundamentais para o Brasil
provavelmente não existiriam, ele tinha capacidade de identificar o projeto,
vender a ideia pra os franceses, juntava as partes, a engenharia, a construção,
o fornecimento das máquinas e o financiamento. Viabilizou os maiores projetos
hidroelétricos do Brasil, que eram à época os maiores do mundo, refiro-me a
José Amaro Pinto Ramos, que nas sombras montou esse quebra-cabeça essencial de
dinheiro+engenharia+politica . Todos os elementos pré-existem mas o
lobista-intermediario é quem JUNTA as peças porque ele enxerga antes
o todo, o conjunto dos fatores que precisam ser agregados em um só pacote, pelo
caminho ganha comissões de todo lado, para fazer isso precisa talento e
ousadia, não é coisa simples.
Criuzadas
moralistas visam eliminar esse tipo de
personagem e estão conseguindo.
Sem os
“polinizadores” os projetos não andam ou nem existem, o Brasil de hoje é um vasto
cemitério de obras paradas, falta a “alma” que faz os projetos andar, quando só
burocratas cuidam de projetos falta o impulso vital de um “maestro” da obra,
aquele que faz o carro andar. Com a eliminação das empreiteiras acabou o ciclo
das grandes obras no Brasil.
Empreiteiros
existiam no passado, hoje são espécie em extinção, caçados até a morte.
O Brasil
está virando um deserto de projetos, de obras, de emprego, tudo pelo gosto
especial de eliminar esse personagem detestado pelos burocratas, porque
enquanto os burocratas nada produzem os aventureiros-lobistas-intermediários
ganham dinheiro e espalham riqueza e
isto para o burocrata é algo intolerável, é melhor o Pais ficar sem a riqueza
para impedir que outros ganhem dinheiro, é um sentimento muito comum que se
reflete na mídia.
Sem polinizadores a economia não anda, o
Brasil afunda na mediocridade e vai para o limbo da História, parece que essa é
a escolha feita pela população brasileira nas telas da Globo.