Moro na capa da
Americas Quarterly, revista bancada pela AS/COA
O site Brazil
Wire fez uma reportagem extensa e detalhadasobre a entidade americana que
está patrocinando uma palestra de Sergio Moro em Nova York nesta semana — e a
revista editada por ela.
Uma excelente,
elucidativa, leitura. *
Na sexta, dia 2, a
Americas Society/Council of the Americas (AS/COA), um think tank e lobby de
Wall Street, realizará
em Nova York um evento sobre um suposto “movimento anticorrupção” na
América Latina. O principal palestrante, o juiz Sergio Moro, da Operação Lava
Jato, será em seguida nomeado homem do ano em outro evento especial patrocinado
pelas maiores instituições bancárias.
Este artigo publicado
pela Brazil Wire em 28 de janeiro deste ano explica a história dos
EUA na “guerra contra a corrupção”, na qual a AS/COA atuou como uma agência de
relações públicas, em parte através de sua revista, a Americas Quarterly,
autodenominada “diário de políticas para o Hemisfério Ocidental”, mas também
via outros de seus tentáculos, que se estendem à política, judiciário, mídia e
academia.
A organização AS/COA,
além de suas conexões com o governo dos EUA – organiza um evento anual no
próprio Departamento de Estado –, é a editora da Americas Quarterly e
abriga não somente os principais bancos, corporações extrativistas e gigantes
do setor de tecnologia, mas também as mais importantes plataformas para a
divulgação dos interesses de seus clientes na América Latina, como a Bloomberg.
Tem, ainda, ligações
com importantes agências de notícias como a Reuters. Sua própria Americas
Quarterly ridiculamente se apresenta como “a América Latina real, e não a
que você vê no Twitter”, o que é irônico, considerando não apenas que seus funcionários
são extremamente ativos na plataforma, mas pelo fato de o próprio Twitter ser
membro corporativo do Council of the Americas (COA).
Sua presidente e CEO
Susan Segal, chamada por alguns como “a mulher mais influente das Américas”,
sustenta comandar uma organização hemisférica, que pretende expandir-se ainda
mais, triplicando seu alcance na próxima década. É um estudo sobre como
políticos, políticas e a própria democracia são capturados através de relações
diretas e incentivos do poder corporativo transnacional.
Brian Winter, atual
editor-chefe da Americas Quarterly e vice-presidente de políticas
da AS/COA, escreve também para agências de notícias como a Newsweek
& CNN na qualidade de especialista em Brasil. Outros funcionários do COA
são convidados pelas redes de notícias para discutirem política
latinoamericana, como se fossem observadores neutros.
Em agosto de 2016, por
ocasião do golpe que afastou Dilma Rousseff, Brian previu que a vitória da
equipe brasileira de futebol nas Olimpíadas do Rio poderia ser um momento
catártico, permitindo que o país seguisse adiante frente à crise política e
econômica pela qual passava. Naquela mesma época, os manifestantes antigolpe
enfrentavam uma brutal repressão da Polícia Militar.
Brian, que já havia
atuado como ghost writer de biografias de líderes alinhados aos EUA, como Avaro
Uribe, da Colômbia, e o próprio Fernando Henrique Cardoso, trocou a Reuters
Brasil pela AS/COA em 2015, com o golpe já em andamento, algumas semanas depois
de censurar o papel de Fernando Henrique no escândalo de corrupção da Petrobras
– envolvimento que precedeu a presidência de Lula. Seus colegas insistiram que
sua saída era uma simples coincidência. [Era o caso do “podemos tirar se
achar melhor”, frase
publicada inadvertidamente numa reportagem da Reuters]
Apesar das constantes
manobras públicas de seus editores, a AQ é a plataforma mais evidente
do modelo narrativa do Norte para a América Latina.
Originalmente chamado
de “Grupo Empresarial para a América Latina”, a COA foi criado por David
Rockefeller, então presidente do Chase Manhattan Bank, a pedido do presidente
Kennedy, nos anos que se seguiram à Revolução Cubana em 1959, para ajudar a
combater a propagação dos governos de esquerda no hemisfério.
Rockefeller permaneceu
na liderança do grupo até sua morte em 2017. Outros funcionários notáveis
incluem o ex-Secretário de Estado dos EUA, primeiro Diretor de Inteligência
Nacional, conspirador-chave do fracassado golpe da Venezuela de 2002 e supervisor
de crimes de guerra na América Central, John D. Negroponte.
O slogan da Americas
Society/Council of the Americas é “unir líderes de opinião para trocar idéias e
criar soluções para os desafios das Américas hoje”. Sua biografia online
afirma: “A Americas Society (AS) é o principal fórum dedicado à educação,
debate e diálogo nas Américas”. Sua missão é “promover uma compreensão das
questões políticas, sociais e econômicas contemporâneas enfrentadas pela
América Latina, o Caribe e o Canadá, e aumentar a conscientização pública e a
valorização da diversidade do patrimônio cultural da região e a importância do
intercâmbio interamericano”.
“O Council of the
Americas (COA) é a principal organização empresarial internacional cujos
membros compartilham um compromisso comum com o desenvolvimento econômico e
social, os mercados abertos, o Estado de Direito e a democracia em todo o
Hemisfério Ocidental. Os membros do Conselho são constituídos por empresas
líderes internacionais, que representam um amplo espectro de setores, incluindo
bancos e finanças, serviços de consultoria, produtos de consumo, energia e
mineração, indústria, mídia, tecnologia e transportes”.
A organização se baseia
na “crença fundamental de que os mercados livres e a iniciativa privada
oferecem o meio mais eficaz para alcançar o crescimento econômico regional e a
prosperidade”. A adesão ao COA cresceu para mais de 200 empresas, que respondem
pela maioria do investimento privado dos EUA na América Latina. O COA acolhe
presidentes, ministros, chefes de bancos centrais, funcionários do governo e
especialistas em economia, política, negócios e finanças, o que lhe dá acesso
exclusivo a informação sobre a região.
O COA defende acordos
de livre comércio e tem sido fundamental na concepção do Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA) e do Tratado de Livre Comércio entre
Estados Unidos, América Central e República Dominicana (CAFTA)… além da
área de livre comércio das Americas (Free Trade Area of the Americas – FTAA),
ainda a ser implementada – uma antiga e duradoura ambição do próprio David
Rockefeller.
A elite do COA inclui:
Bloomberg, Blackrock, Bank of America, Barings, Barrick Gold Corporation,
Boeing, Bombardier, Banco Bradesco, Banco do Brasil, Banco Santander, Cisco,
Citigroup, Coca Cola, ExxonMobil, Ford, General Electric, General Motors
Google, Itaú Unibanco, IBM, Johnson & Johnson, JP Morgan Chase, Lockheed
Martin, McDonalds, Moody’s, Morgan Stanley, Microsoft, News Corp / Fox,
Pearson, Pfizer, Philip Morris, Raytheon, Shell, Television Association Of
Programmers Latin America (Associação de Programadores de TV da América
Latina), Time Warner/Turner, Toyota, Viacom, Wal-Mart.
Uma das empresas
sucessoras da Standard Oil, a Chevron Corporation, é listada como Patron
Corporate Member (Membro Corporativo Benfeitor), e há tempos tem especial
interesse em quem governa o Brasil. Em 2010, a Chevron foi desmascarada ao
recrutar jornalistas para espionar a América Latina.
Os membros do Council
of the Americas muito se beneficiaram do golpe de Estado de 2016 no Brasil. Os
mercados estarão assistindo muito de perto as eleições presidenciais do país
deste ano, prevê a Bloomberg, membro do COA, quando os eleitores do país terão seus
votos contados pela Smartmatic, membro do COA.
Brian Winter, editor
chefe da Americas Quarterly, propagandeia o evento com Moro
Membros do Council of
Americas, Chevron e ExxonMobil estão aproveitando os frutos de suas aquisições
dos campos de petróleo em alto mar do Brasil a preços reduzidos, livres agora
da exigência de incluir a Petrobras nas explorações.
Monsanto, membro do
COA, conseguiu aprovação do governo Temer, controlado por lobistas ruralistas,
para vender mais do que nunca seus pesticidas tóxicos, enquanto a
Microsoft, membro do COA, tem um acordo multibilionário para substituir o
moderno software de código aberto do Brasil pelo Windows. A Coca-Cola está
em negociações com o governo Temer para a privatização do Aquífero Guarani, um
dos principais recursos hídricos do mundo.
Os benefícios para as
empresas estrangeiras resultantes do golpe de 2016 ecoam os de 1964. Em seu
livro A Penetração dos Estados Unidos no Brasil, Jan K. Black explica como
o ex-agente da CIA, Philip Agee, confirmou muitas das descobertas e suspeitas
de uma comissão do Congresso brasileiro sobre a interferência estrangeira na
eleição de 1962 do país. A investigação revelou que das principais operações de
ação política (CIA), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), e uma
organização afins, a Ação Democrática Popular (ADEP), gastaram entre 12 e 20
milhões de dólares para financiar ações anti-Goulart e anticandidatos
comunistas durante a campanha eleitoral de 1962.
A comissão de
investigação parlamentar era mais ou menos controlada – cinco de seus nove
membros foram beneficiados com os fundos da IBAD e do ADEP. Mas foi somente a
recusa do First National City Bank, do Banco de Boston e do Royal Bank do
Canada em revelar a fonte estrangeira dos fundos depositados para a IBAD e a
ADEP que impediram que a operação viesse à tona. Os beneficiários do IBAD foram
proeminentes entre os conspiradores no golpe de 1o de abril, e alguns,
particularmente os militares favorecidos, estavam entre os que ganharam o poder
como conseqüência disso: Standard Oil of New Jersey, US Steel, Texas Oil, Gulf
Oil, Hanna Corporation, Bethlehem Steel, General Motors e Willys Overland
estavam entre os depositantes nas contas do IBAD-ADEP.
O economista e
ambientalista Jean Marc von der Weid sustentou que “mais de cem empresas
estrangeiras e algumas nacionais estavam envolvidas no financiamento do
instituto”, e que o Grupo Rockefeller IBEC foi um dos principais benfeitores.
Desafie qualquer um dos
funcionários da sombria história da organização e você provavelmente não conseguirá
resposta alguma. Sua autopromoção como organização benigna, amigável e mesmo
inclusiva é absurda.
A revista Americas
Quarterly atua nas sombras entre jornalismo e propaganda transnacional
corporativa/política em tempos reconhecidamente precários para o primeiro. Se
há uma Organização Não Governamental mais empenhada em influenciar como o mundo
de língua inglesa percebe as realidades políticas/econômicas da América Latina
é indiscutivelmente a AS/ COA.
Seu objetivo é
impulsionar a política na direção de estruturas como a ALCA (Área de Livre
Comércio das Américas) e, portanto, tem uma participação em quem governa na
região. É, também, inegavelmente, bem financiada e conectada.
Transformar a
anticorrupção em uma arma é tão antigo quanto a política, e a AS/COA defendeu
esse conceito na América Latina, muitas vezes seletivo e espúrio, ignorando
qualquer dano colateral – social, constitucional ou econômico. É uma ferramenta
de conveniência, que acaba por permitir a remoção de opositores políticos à sua
visão particular de “livre comércio”, em especial aqueles que desejam soberania
econômica e de recursos, e política externa independente.
A operação Lava Jato
foi chamada de “lawfare” pelos críticos e, ao ajudar a criar um pretexto à
mídia para que Temer assumisse o poder (apesar de estar pessoalmente envolvido
na investigação), ofereceu uma série de benefícios ao capital transnacional, incluindo
uma austeridade radical e um programa de privatização – uma ponte
para um futuro que nunca teria ganhado nas urnas. Com a perda da soberania e o
retorno à dependência, os brasileiros são agora parecidos com o lado derrotado
de uma guerra, uma guerra que a maioria da população nem sequer sabe que
ocorreu.
O alcance e a
influência da AS/COA sobre os jornalistas se estende além da própria revista,
funcionando como um ecossistema. Em particular, há uma grande sobreposição e
interação entre AS/COA, Reuters, Washington Post e Bloomberg. A organização
alcançou e construiu redes de patrocínio não só com jornalistas, mas também com
universitários em instituições como a FGV.
O incentivo prático é
raramente ideológico, simplesmente voltado para a autopreservação profissional
e a recompensa financeira. Em 2015, a Americas Quarterly defendeu um
relatório que afirmava que a pobreza não tinha correlação com o crime e a
segurança pública. Isso não é surpreendente quando o inimigo do capital
transnacional na América Latina (ou em qualquer lugar) é um aumento do salário
mínimo.
Em outros lugares, a
AS/COA emplacou artigos contra programas de cotas destinados a melhorar a
igualdade racial nas universidades. Há também uma ironia trágica na ênfase da
AS/COA ao “feminismo corporativo”, quando tacitamente apoiou a expulsão
ilegítima da primeira mulher presidente do Brasil e a ascensão do presidente do
pós-golpe, Michel Temer, um retorno profundamente chauvinista: dissolveu
o Ministério Nacional dos Direitos da Mulher durante os primeiros
dias de mandato, criou o primeiro gabinete só de homens desde o ditador Geisel
e proferiu um discurso surpreendente no Dia Internacional da Mulher,
minimizando seu papel na organização doméstica e educação de crianças.
Pior ainda, em outubro
de 2017, a AS/COA realizou uma reunião estritamente privada em Nova York com o
notório misógino e fascista, o candidato presidencial Jair Bolsonaro, que por
duas vezes fez ameaças e observações relacionadas a estupro à colega deputada
Maria do Rosario, pelas quais foi processado.
Ele é, também, um
famoso racista e homofóbico – em dissonância com as recentes afirmações de
inclusão e diversidade na Americas Quarterly e na Americas
Society/Council of the Americas. O encontro com o COA evidentemente transcorreu
bem, já que foi seguido por uma aparição na capa da Americas Quarterly,
que apresentou Bolsonaro, eleitoralmente, como um “populista” no estilo do
socialista mexicano Andrés Manuel López Obrador.
A AS/COA até agora se
recusou a divulgar o conteúdo de seu encontro com Bolsonaro.
Bolsonaro, um Pinochet
mela cueca, também palestrou lá
O capital favorecendo
um autoritário de extrema-direita que protegerá seus investimentos em um país
rico em recursos? Não seria a primeira vez, nem a última, em que o Council of
the Americas apoia esse tipo de líder: Pinochet no Chile é o melhor exemplo. Em
“Price of Power” (“O Preço do Poder”), Seymour Hersh escreveu sobre a campanha
de uma década do COA para controlar a democracia do Chile: “O candidato de
1964, Eduardo Frei Montalva, que estava plenamente consciente da fonte de seu
financiamento, também recebeu ajuda secreta de um grupo de corporações
americanas conhecido como Business Group for Latin America… Ele incluiu em seu
comitê executivo corporativos proeminentes como C Jay Parkinson, presidente do
conselho da Anaconda; Harold S. Geneen, chefe da International Telephone and
Telegraph Corporation, que possuía e operava as instalações telefônicas no
Chile; e Donald M. Kendall, presidente da PepsiCo, a empresa de refrigerantes
com amplas atividades comerciais na América Latina. A CIA e o Business Group,
que em 1970 foram reorganizados no Council of the Americas, dependeram
fortemente de Eduardo para usar sua organização e seus contatos para canalizar
seus recursos para a campanha política de 1964. Muitos dos laços entre o
Business Group e a CIA em 1964 permaneceram em vigor muito depois das eleições.
Por exemplo, Enno Hobbing, um funcionário da CIA inicialmente designado como um
negociador para o Business Group, finalmente deixou a CIA e tornou-se o
principal oficial de operações do COA”.
Realmente, para uma
organização focada na América Latina, ela está dizendo que nenhum de seus
funcionários escolheu comemorar publicamente, como fariam em outras datas
históricas, o próprio 11 de setembro do Chile, o golpe de 1973, que acabou com
a morte do presidente eleito Salvador Allende. Brian Winter prefere descrever
seu inimigo, general Augusto Pinochet, não como um ditador genocida, mas como
um “revolucionário”.
A região entende talvez
mais do que qualquer outra que não há distinção entre o poder norteamericano
governamental e o corporativo; política externa serve monopólios e o cartel dos
credores. Enquanto isso, a classe de compradores quer a proteção de seus
privilégios de elite contra a concorrência – a hegemonia provê isso – e a
AS/COA é a coisa mais próxima de um concubinato direto com ele. Qualquer lado
dessa barganha vem sendo historicamente confortável com governos fascistas, se
ele proteger seus interesses.
Se você trabalha com
eles, se escreve para eles, está participando consciente ou inconscientemente
de um programa neocolonial de décadas, projetado para destruir a participação
popular e a soberania na América Latina, se você puder viver com isso.
*Tradução de Sonia Maia
DCM