Com a reação
nitidamente perplexo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ouvia do juiz
Sergio Moro o que ele considerava como justificativa para dirigir perguntas no
caso do triplex do Guarujá sobre a AP 470, conhecida como mensalão, julgada
pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"Eu
tenho umas perguntas para o senhor para entender a sua relação com os seus
subordinados e assessores. O senhor ex-presidente afirma que jamais compactou
com algum dos criminosos, que não tinha conhecimento dos crimes praticados no
âmbito da Petrobras no seu governo. Eu entendo aqui que perguntas a respeito de
atitudes em relação a crimes praticados por subordinados, assessores ou pessoas
que trabalharam na Petrobras durante o seu governo têm relevância para a
formação da minha convicção judicial. Nesse aspecto, senhor ex-presidente, eu
gostaria de fazer algumas perguntas sobre a sua opinião sobre o caso nominado
de 'Mensalão', que foi julgado pelo STF", disse Moro.
Lula não
precisou responder à inconformidade daquela pergunta no atual julgamento da
primeira instância, antes que os advogados entrassem com os argumentos para
destacar a incoerência. Mas não bastou: "é o juízo que vai julgar, é
o juízo que entende que isso é relevante", dizia, de forma ríspida, Sergio
Moro.
"Vossa
Excelência, opinião sobre um julgado do Supremo Tribunal Federal? Vossa
Excelência está pedindo para que o ex-presidente opine sobre um julgado, ele
não é da área jurídica", insistiu o advogado de Lula, Cristiano Zanin
Martins. "Senhor advogado, já foi registrada a sua posição, eu vou seguir
adiante, se o seu cliente entender que não deve responder, não tem condições, ele
não responde", disse Moro, obtendo risos do próprio Lula, inconformado com
o pedido do juiz.
"Opinião
se pode discutir na Academia o julgado do Supremo Tribunal Federal, mas não num
interrogatório, vossa Excelência pedir opinião de um julgamento a quem não é da
área jurídica", falou Zanin.
"Essa
posição da vossa Excelência de colher a opinião do interrogado acerca de um
outro fato supostamente criminoso, que já foi objeto de cognição e julgamento
pelo Supremo Tribunal Federal, seria mais adequado numa palestra, numa
conferência, a que se convidasse o ilustre interrogando para proferir. Mas num
interrogatório, eminente magistrado, isto aberra do que está disposto no artigo
187 do Código de Processo Penal, e como nós todos devemos submissão integral à
lei, não é? Nós somos meres operadores do Direito, ninguém aqui tem poder
soberano ou é o dono do processo ou é o legislador da hora, da ocasião, é
importante que sigamos os ditames do que está escrito no exato artigo 187:
indagação ao interrogando sobre os fatos delimitados que se encontram dentro do
perímetro traçado pela denúncia, vossa Excelência", acrescentou Roberto
Batochio.
De forma
completamente exaltada, o advogado Rene Dotti, representante da Petrobras,
repreendeu Zanin, e chegou a gritar: "O que que ele acha do
mensalão?"
"Deve o
colega com a experiência que tem saber que, na eventualidade da condenação do
réu, o juízo deve fazer indagações sobre a sua personalidade. (...) Qual a
opinião sobre aqueles crimes que houve e que [gaguejou] tiveram julgamento do
Supremo. O julgamento é uma referência apenas, a pergunta é sobre o fato
criminoso. E quer saber a opinião do fato criminoso! A opinião do mensalão! O
que que ele acha do mensalão?", disse Dotti.
"Não
acha nada! Ele não tem que achar nada!", respondeu Batochio. "Como
não? Ele tem que dizer!", afirmou Dotti, quase obrigando Lula a responder.
"Mas ele tem que dizer, ele tem que dizer, tem que dizer sim ou não",
insistiu o advogado da Petrobras, gritando.
Assista, a
partir dos 24:50:
Após a
discussão, o juiz federal defendeu a sua autoridade para perguntar "o que
entende relevante" para a sua decisão de julgador contra Luiz Inácio Lula
da Silva. Em seguida, Roberto Batochio recomendou como defesa técnica que Lula
não respondesse a perguntas feitas fora do 'thema probandum', fora do que está
na denuncia. "Eu vou seguir a orientação dos advogados", afirmou o
ex-presidente.
Moro,
contudo, continuou com uma sequência de questionamentos envolvendo o mensalão,
entrevistas concedidas por Lula à época dos julgamentos, e até "se o
Partido dos Trabalhadores pediu desculpas ou apurou eventual responsabilidade
de seus membros", seguindo uma linha, ainda que sem sustentação,
nitidamente de estratégia acusatória.
"Vossa
Excelência não está aqui julgando o Partido dos Trabalhadores e nem fazendo um
julgamento político do governo do ex-presidente Lula. Essas perguntas me
parecem pertinentes a quem quer julgar um partido, o que é competência do
Tribunal Superior Eleitoral ou de quem quer fazer um julgamento político. Se
continuar a mesma linha, a orientação de defesa vai ser a mesma. Qualquer outro
julgamento que fosse Excelência queira fazer será um julgamento fora da lei e
de natureza política", disse Zanin.
"Eu já
fui julgado 3 vezes. Pelo povo brasileiro. Você lembra como que foi a campanha
de 2006? A campanha de 2006 eu era triturado a cada debate da televisão sobre a
corrupção. Eu fui eleito com 62% dos votos. Quando terminou o meu mandato, em
outubro de 2010, quando a gente elegeu a presidenta Dilma, foi a outra
aprovação minha. Mas em setembro, doutor Moro, eu alcancei 87% de bom e ótimo
nas pesquisas. Então eu já fui julgado muitas vezes. Eu não posso ser julgado
pelo Código de Processo Penal, numa coisa que eu fui julgado, 10 anos, 12 anos,
ficar respondendo uma coisa que foi transitado em julgado. É uma decisão, não
da primeira instância, de uma segunda, que vale tanto, mas da Suprema Corte,
depois de 12 anos, demorou 7 anos para ser julgado. E isso foi julgado, doutor,
no meio da eleição de 2012. E nós ganhamos a eleição em São Paulo. Então eu
acho que eu já fui julgado tanto por isso", disse Lula, tentando, sem
sucesso, findar as perguntas políticas de Moro.
"Mas a
pergunta não é sobre pleitos eleitorais", rebateu o juiz. "Não, mas é
sobre julgamento". "O senhor ex-presidente nem foi acusado por esses
fatos", continuou Moro. "Doutor, doutor, doutor, eu não to sendo
julgado pela minha relação com qualquer condenado. A relação é de cada um. A
sua relação com o seu pessoal é sua, a de um advogado é dele, a minha é minha.
Quando um político comete um erro, ele é julgado pelo povo. Não é julgado pelo
Código de Processo Penal, ele é julgado pelo povo".
Mas o
magistrado da primeira instância seguiu com as perguntas relativas a eventos
políticos ou manifestações de Lula como político. A defesa do ex-presidente
mais uma vez reclamou o intento do juiz. E foi Moro quem criticou as manifestações
dos advogados como "cansativa". "Cansativo são as perguntas de
vossa Excelência", respondeu Cristiano Zanin, informando que se Sérgio
Moro seguisse com estas questões e o julgamento seguisse, ele entraria com um
processo de impugnação.
Já ao final
das perguntas, Moro questiona algumas manifestações públicas do ex-presidente e
ações na própria Justiça, muitas delas ainda tramitando, ou seja, sem sequer
obterem um resultado, interpretando-as como tentativa de intimidação de Lula
contra a Lava Jato. Em uma das perguntas, Moro afirmou que delegados que
realizaram a condução coercitiva do ex-presidente mencionaram que Lula disse
que "seria eleito em 2018 e que se lembraria de todos eles".
O
ex-presidente negou, disse não se recordar as falas no dia da coerção, mas
ressaltou a improbabilidade de ter dito sequer que seria eleito em 2018, porque
não estava em condições, à época do mandato, em março de 2016. "Não
lembro, mas eu posso dizer agora, eu estava encerrando a minha carreira
política, até porque se eu quisesse ser candidato eu seria em 2014. Mas agora,
depois de tudo o que está acontecendo, eu vou dizer em alto e bom som que vou
querer ser candidato a Presidente da República em 2018".
Fiscalizando
todas as participações de Lula em eventos públicos partidários, Moro mencionou
outro caso que interpretou como ameaça, quando o ex-presidente teria afirmado:
"Se eles não me prenderem logo, eu mando prendê-los pelas mentiras que
eles contam". Após explicar que se tratava de força de expressão, afirmou:
"o que eu quis dizer foi o seguinte: que a História não para com esse
processo. A História um dia vai julgar se houve abuso ou não de autoridade
nesse caso do comportamento da Polícia Federal com o Ministério Público no meu
caso", disse Lula.
"E o
senhor pretende mandar prender os agentes públicos", seguiu o magistrado,
na provocação.
Assista ao
vídeo:
Do GGN