Segundo
Rogério Dultra, o domínio do fato será utilizado "como fundamentação
retórica para dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era
presidente, ele deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que
alguns ministros do Supremo argumentaram no Mensalão".
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Blog do Esmael
Jornal
GGN - Assim como ocorreu na ação penal 470, mais conhecida como Mensalão, a
Lava Jato em Curitiba também deve usar a teoria do domínio do fato de uma
maneira distorcida e criticada até por seu próprio autor, o jurista alemão
Claus Roxin.
Em
entrevista ao GGN, Rogério Dultra, doutor em Ciência Política e professor de
Direito da Universidade Federal Fluminense, avaliou que os procuradores
liderados por Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro - auxiliar de Rosa Weber no
Mensalão - compartilham de uma "base intelectual que inova no processo
penal brasileiro".
Essa
base, explicou Dultra, "orienta o Ministério Público Federal a justificar
a falta de provas sobre a participação de Lula e outros nos crimes apontados.
Especialmente a ideia de que Lula seria o chefe de organização criminosa, ela
só pode ser levada a sério se você cria uma teoria que atribui a
responsabilidade sem a existência de comprovação fática."
Segundo
Dultra, o domínio do fato será empregado "como fundamentação retórica para
dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era presidente, ele
deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que alguns ministros do
Supremo argumentaram no Mensalão."
Na
segunda (3), o Estadão publicou que "interlocutores" de Moro
acreditam que ele vai condenar Lula invocando a teoria do domínio do fato. A
reportagem foi feita após o magistrado ver a condenação que impôs a João
Vaccari Neto ser derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob a
alegação de que as cinco delações usadas contra o petista não tinham provas
correspondentes.
Nas
alegações finais do caso triplex, a turma de Dallagnol também admite que provas
documentais da participação de Lula no esquema na Petrobras não foram
encontradas - embora tenha atribuído a ele o comando da organização criminosa
pelo simples fato de que cabia ao governo distribuir os cargos na estatal.
Durante
o julgamento, Moro deu sinais de que se importa com essa linha de raciocício ao
perguntar a Lula se ele não se sentia responsável pelos desvios na Petrobras,
uma vez que avalizou o nome dos diretores indicados pelos partidos políticos.
Para
Rogério Dultra, é questionável que a Lava Jato não só lance mão de teorias na
tentativa de justificar a precariedade da persecução penal, como também dê
outro sentido a elas. É o que "fazem com a do domínio do fato, que foi
relativizada por Dallagnol."
"Ela
tem sido trabalhada como teoria do domínio do fato em virtude do domínio da
organização, enquanto o teórico alemão Claus Roxin trabalha expressamente com a
ideia de domínio da vontade, domínio da autoridade e domínio funcional - ou
seja, o sujeito não precisa realizar a ação, mas precisa dominar a vontade de
quem realiza a ação. Na Lava Jato, essa teoria ela é totalmente relativizada",
disparou o especialista.
Dultra
lembrou que muito se discutiu, depois, sobre "a má utilização da teoria do
Claus Roxin e como isso foi prejudicial ao processo penal, para o direito de
defesa, presunção de inocência. Isso dito pelo próprio Claus Roxin à época do
Mensalão."
Da
mesma forma, Dallagnol importou uma segunda teoria para explicar a falta de
provas, a da abdução, de seu orientador em Harvard, o professor Scott Brewer. A
tese que derivou do pensamento filosófico de Charles Peirce, na visão de Dultra,
tem "problemas na raiz".
"Brewer
usou isso [a teoria] para dizer que é possível transformar imaginação em fato
consumado [e condenar alguém com base em hipóteses, não fatos], e Dallagnol
reproduz isso aqui de forma muito temerária, dada a tradição do processo penal
brasileiro que, embora seja autoritária, não é esdrúxula nem relativista a esse
ponto."