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terça-feira, 4 de julho de 2017

Lava jato também distorce domínio do fato para condenar Lula, diz especialista, por Cíntia Alves

Segundo Rogério Dultra, o domínio do fato será utilizado "como fundamentação retórica para dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era presidente, ele deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que alguns ministros do Supremo argumentaram no Mensalão".
Imagem: Blog do Esmael

Jornal GGN - Assim como ocorreu na ação penal 470, mais conhecida como Mensalão, a Lava Jato em Curitiba também deve usar a teoria do domínio do fato de uma maneira distorcida e criticada até por seu próprio autor, o jurista alemão Claus Roxin.

Em entrevista ao GGN, Rogério Dultra, doutor em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, avaliou que os procuradores liderados por Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro - auxiliar de Rosa Weber no Mensalão - compartilham de uma "base intelectual que inova no processo penal brasileiro".

Essa base, explicou Dultra, "orienta o Ministério Público Federal a justificar a falta de provas sobre a participação de Lula e outros nos crimes apontados. Especialmente a ideia de que Lula seria o chefe de organização criminosa, ela só pode ser levada a sério se você cria uma teoria que atribui a responsabilidade sem a existência de comprovação fática."

Segundo Dultra, o domínio do fato será empregado "como fundamentação retórica para dizer que embora não se tenha prova contra Lula, como ele era presidente, ele deveria saber o que estava acontecendo. Da mesma forma que alguns ministros do Supremo argumentaram no Mensalão."

Na segunda (3), o Estadão publicou que "interlocutores" de Moro acreditam que ele vai condenar Lula invocando a teoria do domínio do fato. A reportagem foi feita após o magistrado ver a condenação que impôs a João Vaccari Neto ser derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob a alegação de que as cinco delações usadas contra o petista não tinham provas correspondentes.

Nas alegações finais do caso triplex, a turma de Dallagnol também admite que provas documentais da participação de Lula no esquema na Petrobras não foram encontradas - embora tenha atribuído a ele o comando da organização criminosa pelo simples fato de que cabia ao governo distribuir os cargos na estatal.

Durante o julgamento, Moro deu sinais de que se importa com essa linha de raciocício ao perguntar a Lula se ele não se sentia responsável pelos desvios na Petrobras, uma vez que avalizou o nome dos diretores indicados pelos partidos políticos.

Para Rogério Dultra, é questionável que a Lava Jato não só lance mão de teorias na tentativa de justificar a precariedade da persecução penal, como também dê outro sentido a elas. É o que "fazem com a do domínio do fato, que foi relativizada por Dallagnol."

"Ela tem sido trabalhada como teoria do domínio do fato em virtude do domínio da organização, enquanto o teórico alemão Claus Roxin trabalha expressamente com a ideia de domínio da vontade, domínio da autoridade e domínio funcional - ou seja, o sujeito não precisa realizar a ação, mas precisa dominar a vontade de quem realiza a ação. Na Lava Jato, essa teoria ela é totalmente relativizada", disparou o especialista.

Dultra lembrou que muito se discutiu, depois, sobre "a má utilização da teoria do Claus Roxin e como isso foi prejudicial ao processo penal, para o direito de defesa, presunção de inocência. Isso dito pelo próprio Claus Roxin à época do Mensalão."

Da mesma forma, Dallagnol importou uma segunda teoria para explicar a falta de provas, a da abdução, de seu orientador em Harvard, o professor Scott Brewer. A tese que derivou do pensamento filosófico de Charles Peirce, na visão de Dultra, tem "problemas na raiz".

"Brewer usou isso [a teoria] para dizer que é possível transformar imaginação em fato consumado [e condenar alguém com base em hipóteses, não fatos], e Dallagnol reproduz isso aqui de forma muito temerária, dada a tradição do processo penal brasileiro que, embora seja autoritária, não é esdrúxula nem relativista a esse ponto."


GGN

Cogita-se que Moro usará "domínio do fato" para condenar Lula, dizem interlocutores do juiz

Foto: Lula Marques

Menos de uma semana após ter a condenação imposta ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto derrubada por juízes de segunda instância, Sergio Moro aparece em reportagem do Estadão, divulgada nesta segunda (3), como um magistrado "meticuloso" que vai redobrar os cuidados com a sentença de Lula no caso triplex.

Mas para condenar Lula sem que a Lava Jato tenha fornecido provas cabais da posse do triplex, Moro vai ter de recorrer à saída inaugurada e muito criticada à época do Mensalão: usar a teoria do domínio do fato.
Segundo o Estadão, "fontes próximas a Moro" disseram que essa alternativa é cogitada porque a absolvição de Vaccari "dificulta uma decisão contrária a Lula". "Elas avaliam que, para condenar o petista, o juiz teria de aplicar a teoria do domínio do fato, alegando que Lula tinha controle sobre tudo o que acontecia."

No caso triplex, Lula é acusado de receber propina da OAS por conta de 3 contratos com a Petrobras. Mas a defesa do petista entregou, nas alegações finais, prova de que o apartamento jamais poderia ser liberado para uso do ex-presidente sem que a empresa ou o próprio petista tivessem depositado o valor correspondente ao imóvel e às reformas em uma conta da Caixa Econômica Federal.

Para justificar a transferência do triplex, a Lava Jato disse que Lula era o chefe do petrolão. Seu papel era fundamental ao esquema de favorecimento a empreiteiras porque era o presidente quem avalizava os nomes indicados para diretorias da Petrobras. Sem provas dessa acusação, a turma de Deltan Dallagnol apelou para a teoria da abdução das provas. (Saiba mais aqui).

Ainda segundo o Estadão, além de apelar para o domínio do fato, Moro pode fazer com que Marisa Letícia seja a responsável pelas tratativas em torno do triplex. A ex-primeira-dama, morta em fevereiro em decorrência de um aneurisma cerebral, foi "quem decidiu comprar uma cota da Bancoop no prédio do Guarujá e quem mais vezes esteve no imóvel", publicou o jornal. Porém, em função da morte, Marisa não deve mais constar entre os réus.

GGN

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O "feijão com arroz" do Ministério Público é condenar sem provas, diz Rogério Dultra

Foto: Agência EFE

"A operação Lava Jato não é necessariamente um ponto fora da curva do processo penal brasileiro. Ela, na verdade, comprova a completa falta de fundamento probatório no trabalho das instituições na persecução penal"