Mostrando postagens com marcador direito brasileiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador direito brasileiro. Mostrar todas as postagens

sábado, 15 de julho de 2017

Wadih Damous: Moro e a morte do direito

A decisão judicial que condenou o ex-presidente Lula pode ser analisada por três aspectos: o técnico-jurídico, o histórico e o psicanalítico. Os dois primeiros absolvem o acusado, o terceiro ajuda a explicar aquilo que, na lição do jurista italiano Franco Cordero, se denominou quadro mental paranoico do juiz.

Do ponto de vista do rigor técnico-jurídico é importante afirmar que a sentença afronta a exigência constitucional de que fundamentadas sejam todas as decisões judiciais, ainda mais quando está em jogo a vida e a liberdade alheias. Só é legítima e válida a decisão judicial que indicar, concretamente, as suas premissas lógicas e o caminho racional percorrido pelo magistrado para resolver a contradição entre acusação e defesa.

Resolver essa dialética implica, portanto, em trabalho rigoroso de análise da prova colhida durante o processo e se ela seria suficiente para comprovar o quanto alegado na denúncia.

Alguns dados ajudam a compreender a absoluta nulidade da sentença que condenou o ex-presidente Lula. Cerca de 60 páginas, 30% da sentença, são utilizadas pelo juiz para se defender de acusações de arbitrariedades por ele praticadas contra o acusado e nos processos em que atua. Só 8%, cerca de 16 páginas, são utilizados para rebater e se contrapor ao que o acusado afirmou em seu interrogatório, e apenas 0,4% é dedicado às testemunhas da defesa, menos de uma página de um total de 218.

A questão central do processo, a titularidade do imóvel que teria sido recebido em contrapartida aos atos que beneficiariam empresas, é tratada pelo juiz com absoluto desdém, a ponto de dizer que no processo "não se está, enfim, discutindo questões de direito civil, ou seja, a titularidade formal do imóvel, mas questão criminal".

Ora, para resolver o processo era fundamental que o Ministério Público provasse ter o ex-presidente recebido o referido imóvel em troca de favorecimentos a terceiros e, para o Código Civil, a única forma disso acontecer é com a transferência da sua titularidade.
Em resumo, a sentença pode ser caraterizada como uma expiação narcísica de atos autoritários do juiz, preenchida pelo profundo desprezo aos argumentos da defesa e pela miséria jurídica e intelectual. Lula estava condenado antes mesmo de ser julgado.

A ânsia em condenar a maior liderança popular do Brasil fez com que o juiz furasse uma fila de quatro processos de outros acusados que estavam prontos para sentença desde o ano passado. Tudo isso pela vaidade de tentar recuperar um protagonismo perdido, fruto do crescimento das críticas de setores sociais que antes o apoiavam.

O juiz que já havia favorecido Michel Temer ao criminosamente gravar a presidenta Dilma Rousseff e depois divulgar o conteúdo da gravação, novamente o faz, proferindo sentença absolutamente ilegal, em meio ao julgamento pela Câmara dos Deputados da admissibilidade de denúncia oferecida perante o STF.

É simbólico que a sentença contra Lula tenha sido proferida no dia seguinte à criminosa condenação dos direitos trabalhistas pelo governo ilegítimo que Moro ajudou a estabelecer e agora ajuda a se manter com suas estapafúrdias, ilegais e atabalhoadas decisões judiciais.

A esperança é que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possa, de forma imparcial, reformar a sentença e corrigir essa injustiça manifesta contra o ex-presidente e sua família. No julgamento da história, no entanto, Lula já foi absolvido.

Do 247  

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Wadih Damous: O Direito brasileiro esculhambou-se tamanho o estrago causado pela promiscuidade com a política

Há poucos anos, o Brasil era o centro das atenções mundiais. Ao longo dos dois mandatos de Lula, e do primeiro de Dilma, a mídia internacional abria espaços generosos para o extraordinário avanço social, econômico e político do país, alçado à condição de ator de primeira grandeza da diplomacia global.

Um ano depois que um golpe de estado rasgou a Constituição da República, a voracidade com que as forças conservadoras se lançaram à destruição do legado da era dos governos petistas não encontra paralelo não só na história do Brasil como também de nenhuma outra nação.

Sem qualquer legitimidade, impõem um programa radical de restauração conservadora que jamais seria aprovado nas urnas. Já entregaram o pré-sal, degradaram a empresa pública de comunicação, congelaram os gastos sociais por 20 anos, feriram gravemente a CLT com a terceirização irrestrita e estão prestes a desferir-lhe o tiro de misericórdia através da reforma trabalhista. Também o direito à aposentadoria está por um triz com o avanço da reforma da previdência no Senado.

Imerso em uma espécie de atoleiro jurídico, político e moral, o direito brasileiro virou uma esculhambação. Lamento sinceramente a utilização dessa expressão, mas não encontro outra no vernáculo capaz de refletir com tamanha precisão o estrago causado pela promiscuidade entre o direito e a política.

Hoje, não importa mais a instrução e as nuances de um processo penal, e sim sua utilização para se atingir objetivos políticos. Confesso o meu estarrecimento ao ler recentemente a declaração de um juiz dando conta de que votara em sintonia com o que é melhor para o país. Juiz que se preza e honra a magistratura vota de acordo com os autos do processo, com a lei e a Constituição. Ponto.

Na realidade, o votar segundo os interesses do país serve de biombo para esconder o óbvio: o melhor para o Brasil é o que sai publicado nas cartas dos eleitores, nos editoriais dos jornalões e na linha editorial das redes de televisão.

Moro e os procuradores da República de Curitiba rezam exatamente por essa cartilha. Para eles, fazer justiça é se submeter aos ditames do monopólio midiático e ao clamor do agronegócio, das grandes corporações empresariais e dos banqueiros, apoiadores de primeira hora e financiadores do golpe.

Não resta dúvida de que o governo Temer é o mais calamitoso da história. Se não bastasse estar ocupando a presidência mercê de um golpe de estado, adota o banditismo como método de ação política, o que lhe renderá inclusive nos próximos dias uma denúncia da PGR por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça.

Contudo, a aversão e o sentimento de repulsa por essa quadrilha não me turvam a visão jurídica. Por isso, reputo como tecnicamente correto o julgamento do TSE que absolveu a chapa Dilma/Temer. Os fundamentos do estado de direito são claros : juiz só julga com base na prova dos autos e o direito à ampla defesa é o pilar da democracia.

Todas as tentativas de impugnar o resultado eleitoral de 2014 levadas a cabo por Aécio Neves (que depois seria flagrado confessando que o fizera sem base legal, apenas para “encher o saco do PT”) foram rejeitadas, com trânsito em julgado no TSE. No entanto, Gilmar, sempre agindo como coronel da política, violou a coisa julgada e determinou que o Ministério Público Eleitoral investigasse as contas já aprovadas.

A mídia, por sua vez, exerceu forte pressão também para inserir no processo de forma ilegal elementos extemporâneos aos autos, como as delações dos executivos da Odebrecht e dos marqueteiros, que não integravam a causa de pedir. A não aceitação desse contrabando por parte do TSE foi uma decisão acertada do ponto de vista jurídico.

Voltando ao desmanche do país, o ministro Gilmar Mendes, que fala e faz o que bem entende, agora ataca a justiça eleitoral. Só no Rio de Janeiro, 113 zonas eleitorais estão em vias de ser extintas pelo presidente do TSE. No momento em que se discute a necessidade de uma ampla reforma no sistema político-eleitoral, é uma irresponsabilidade propor o enfraquecimento da própria espinha dorsal do processo eleitoral.


Vi o Mundo, Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB-RJ