É instigante o processo de desenvolvimento de Minas Gerais.
Dispondo de matéria prima abundante, material humano, sendo precursora dos
programas de desenvolvimento no país, Minas Gerais acabou ficando para trás no
processo de industrialização.
Nos últimos anos Minas exportou 1,6 milhão de pessoas
formadas para São Paulo e outros estados, e recebeu apenas 600 mil, enquanto
São Paulo recebeu 9 milhões de todo o país e cedeu apenas 800 mil. Tornou-se
fundamentalmente um Estado produtor de commodities, profundamente afetado pela
Lei Kandir.
Depois de perder o bonde da industrialização, e das vantagens
competitivas decorrentes do adensamento da cadeia industrial, como montar um
projeto de desenvolvimento valendo-se das novas tecnologias?
Este foi o desafio principal do seminário “As empresas
públicas na promoção do desenvolvimento regional”, uma parceria da Plataforma
Brasilianas com a Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais).
O pioneirismo que não
deu certo
Como relatou o economista e historiador João Antônio de Paula
– um dos palestrantes- , os Inconfidentes tinham um projeto. Propunham a
construção de universidades, a mudança da capital, correio regular, sistema de
comunicação entre as vilas. Discutia-se até a escravidão. A idéia era de um
Estado com papel econômico relevante.
Ao longo do século 19, essa precocidade se mantem com Teofilo
Ottoni. Empresário, grande liberal, preso em 1842, se insurgiu contra a
centralização do Segundo Reinado. Construiu a cidade de Nova Filadélfia, que
depois se tornou Teófilo Ottoni, com projetos de ferrovia, canais, multimodal.
Extremamente avançado para a época, se baseava no modelo norte-americano de
federalismo, ao contrário da visão hispânica hegemônica.
No final do século 19, outra figura fundamental foi João
Pinheiro, dos mais relevantes personagens da história política do Brasil.
Torna-se a principal liderança civil em Minas Gerais e teria sido o primeiro
governador pós-República, não fossem as circunstâncias políticas da época. Mas
foi o segundo governador de Minas, presidente do Congresso Agrícola-Industrial
Mineiro de 1906, precursor dos projetos de desenvolvimento em políticas
públicas, reunindo classes de produtores e empresariado mineiro, que formularam
série de demandas de desenvolvimento.
Morreu precocemente em 1908, aos 47 anos, quando era
candidato certo à presidência da República. Poderia ter sido o mais inovador
presidente na República Velha.
Em 1906 inaugurou a reforma do ensino, precursora de uma
inovação decisiva, com a criação dos grupos escolares, currículos estruturados,
seriado, com professores qualificados. Essas sementes vão frutificar a partir
dos anos 30, período típico do desenvolvimentismo, como espécie de ideologia do
desenvolvimento.
Minas foi o único Estado pós-1930 sem intervenção federal. O
primeiro governador, Olegário Maciel montou um time que juntava Gustavo
Capanema, Benedito Valadares. Morreu precocemente em 1933 e Getúlio Vargas
indicou Benedito Valadares para sucessor.
Ao contrário das lendas, Valadares foi um governador
extremamente atuante e inovador. Escolheu para a Secretaria da Agricultura (que
incluía indústria, comércio e trabalho) Israel Pinheiro que, de 1933 a 1942,
fez uma gestão bastante profícua.
Israel deixou a Secretaria para se tornar presidente da
Companhia Vale do Rio Doce. Em seu lugar assumiu Lucas Lopes, primeiro
presidente da Cemig. Em 1944 ele criou o Instituto de Tecnologia Industrial,
modelar, trabalhando com inovação tecnológica e formação de pessoal. Seu
Secretário da Agricultura, América Gianetti, que depois se tornou prefeito de
Belo Horizonte, em 1947 montou o primeiro plano de desenvolvimento regional do
Brasil. Propôs novos impostos para custear investimento. Desse esforço sai um conjunto
de companhias, entre as quais a Cemig, que ajudam a tornar o governo Juscelino
Kubitschek (1951 - 1955) um dos mais inovadores do país.
Com a queda de Getúlio, o udenista Milton Campos se tornou
governador, mas manteve o olhar no futuro. No seu governo foi lançado o plano
de eletrificação de Minas Gerais, coordenado por Lucas Lopes e entregue em
1950.
JK se elegeu com o binômio energia-transporte, reorganiza o
Departamento de Estradas e Rodagens e impulsiona as grandes empresas de
engenharia nacionais. Em seu governo apareceu pela primeira vez a ideia de
criação de um banco de desenvolvimento, o BDMG, funcionando de acordo com o
modelo BNDES.
Nas décadas seguintes, Minas inova com a criação do INDI
(Instituto Integrado de Desenvolvimento Econômico), o esforço interno que
permitiu a atração da Fiat, a expansão da Usiminas.
Porque a
industrialização não se espalhou por Minas?
Na opinião de Marco Antônio Castello Branco, presidente da
CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), ao longo de
sua história Minas produziu áreas de excelência, mas atuando de forma
desarticulada.
Na definição de um dos estudiosos do fenômeno mineiro,
Virgílio Almeida, Minas produz muitos cérebros, mas é zero em sinapses – a
capacidade das células do cérebro interagirem com o corpo.
Há problemas culturais, no conservadorismo do mineiro, muito
fechado em seu canto. Há problemas na própria formação econômica do Estado,
especialmente com a perda dos principais bancos para São Paulo. Todo o capital
financeiro foi para São Paulo e as regras de aplicação do Banco Central
permitem que os bancos possam captar de todo o país e concentrem seus
empréstimos em São Paulo.
Como planejar o
desenvolvimento
Sem a massa crítica acumulada por São Paulo no tecido industrial,
financeiro e de serviços, como planejar um desenvolvimento sem que os avanços
sejam sugados pelo vizinho poderoso?
Há muitas Minas Gerais, a do Nordeste, no Vale de
Jequitinhonha, a paulista, no sul de Minas e no triângulo, com enormes
disparidades de renda. As regiões mais pobres têm 25% da população e 17% dos
votos, enquanto as mais ricas possuem 58% da população e 66% dos votos.
Portanto, a distribuição não se dará pela via legislativa.
A tentativa de planejamento recente, no governo Fernando Pimentel,
consistiu, inicialmente, em criar um projeto pensado na Cedeplar, o Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional, braço da Faculdade de Ciências
Econômicas, que historicamente foi berço das melhores propostas de
desenvolvimento do Estado desde os anos 50.
Surgiu de lá a criação dos Territórios de Desenvolvimento,
fóruns regionais com reuniões bianuais, juntando empresários, organizações
sociais e representações diversas de cada região para discutir o seu próprio
desenvolvimento.
Depois, identificar as vantagens comparativas do Estado. De
um lado, setores tradicionais já consolidados. De outro, centros de tecnologia
de primeira, especialmente na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Finalmente, riquezas minerais estratégicas para as novas eras
tecnológicas.
A partir daí, a ideia foi criar ou fortalecer polos
regionais, que funcionariam como sementes, permitindo alcançar novos atores.
Com uma crise fiscal brava, houve um filtro rigoroso dos investimentos, de
maneira a contemplar aqueles que garantissem um diferencial
tecnológico.
Castello Branco destaca que a estratégia para direcionar
investimentos dentro do escopo de projetos apoiados pela CODEMIG foi enxergar
os setores prioritários a partir de três lentes: vocação territorial, capacidade
de atuação da companhia de investimentos e impacto econômico. Os setores que
alcançam esse as três vertentes são chamados de "estratégicos".
A partir dessa lógica, os planos de investimento são
arranjados entre setores tradicionais e inovadores, sempre respeitando as
características regionais.
"Esse arranjo fundamentou a estruturação organizacional
da companhia, anteriormente focada na execução de grandes obras de
infraestrutura, agora está baseada em três eixos estratégicos - alta
tecnologia, indústria criativa e mineração, energia e infraestrutura -, atuando
assim no desenvolvimento social e fomento de novos negócio", completou em
sua apresentação.
Hoje, a carteira de investimentos da CODEMIG é diversificada
o suficiente para alcançar desde propostas para exploração de terras raras e
produção de grafeno, passando por setores como aeroespacial, defesa,
biotecnologia, semicondutores até gastronomia, moda e turismo, contemplando ao
todo 21 áreas produtivas.
Terras raras e outros
investimentos
O ideia central do planejamento foi aproveitar as riquezas
minerais, os arranjos produtivos já existentes e a inovação que brota da UFMG e
dos institutos tecnológicos. E apostar em indústrias-chave, com apoio
financeiro e participação no capital.
Foram feitas várias apostas. O programa de investimento em
terras raras, insumo decisivo para a produção de eletroeletrônicos, induziu,
por exemplo, a CODEMIG a buscar parcerias com centros de desenvolvimento
tecnológico de fora do Estado, são eles: o Centros de Referência em Tecnologias
Inovadoras (CERTI), a Universidade Federal de Santa Catarina e o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT). A iniciativa é para viabilizar o primeiro
laboratório-fábrica de Ligas e Ímãs de Terras Raras no Brasil (LabFabITR),
incluindo acordos com empresas como a BRATs, Imag e CBMM.
As terras raras também são matéria prima para craqueamento de
óleo de soja. O que fez a CODEMIG investir também na produção de bioquerosene
de aviação, juntando setor de ponta com agricultura.
Minas é o maior produtor de grafite. O Estado criou a
Neografeno, com 45 pessoas trabalhando e investiu em uma empresa de Oxford que
desenvolveu tecnologia de bateria de lítio. Entrou também no capital da
Companhia Brasileira de Lítio, uma empresa familiar em Araçoaí, que produz
lítio metálico para baterias.
Foram criados, ainda, fundos, entre os quais a Aerotec, que
investiu em uma empresa de Uberaba que está desenvolvendo resina e software
para impressoras 3D.
Em relação às atividades tradicionais, implantou um programa
de certificação, essencial para o aumento das exportações. E passou a trabalhar
as riquezas culturais do Estado, das quais a mais relevante é a
culinária.
O programa lançado visa elevar a culinária de Minas ao mesmo
patamar do Peru, por exemplo.
Em resumo, a estratégia mineira de desenvolvimento contempla
não apenas a interiorização, mas também a diversificação nos patrocínios de
projetos e eventos.
Editais com esse foco - ampliação do acesso aos recursos,
diversificação da economia, descentralização de investimentos e interiorização
do desenvolvimento -, são lançados pelo Governo do Estado e a CODEMIG desde
2015. De lá para cá foram lançados 3 pelo Governo, com investimentos de mais de
R$ 3 milhões para 100 projetos. A própria companhia, completa Castello Branco,
lançou 4 chamadas públicas de patrocínio com ofertas que totalizaram R$ 3,5
milhões para mais de 300 projetos.
De qualquer modo, são quase projetos piloto, pelo valor
investido e pelo número de empresas alcançadas, que só ganharão escala quando
Minas Gerais resolver a grave crise fiscal decorrente da queda da atividade
econômica e das pedaladas fiscais da gestão Antônio Anastasia - paradoxalmente,
o relator das pedaladas fiscais de Dilma Rousseff no Senado.
Case Voe Minas Gerais
GGN