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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

MANOEL BOMFIM, O REVOLUCIONÁRIO ESQUECIDO, POR LUIS NASSIF

Aula Magna na abertura dos cursos de Mestrado e Doutorado da PUC-SP.
Conheci Manoel Bomfim através de seu livro “América Latina, males de origem”, no início dos anos 90. Era a reedição de um livro pequeno, escrito logo após a Proclamação da República.
Mal saído da ditadura, após os transtornos do governo Collor, o país discutia intensamente o que queria ser, qual o modelo de Estado, de Nação. E ali, no livro, havia duas pérolas.
A primeira delas, a descrição objetiva de um modelo de país, com o Estado atuando como estimulador das iniciativas internas, com uma definição preciosa, sobre onde atuar e onde estimular a sociedade.
A segunda, a descrição da crise do Encilhamento, que quase destruiu o país. Dizia Bomfim que o Estado entra em crise, por conta de sua apropriação por interesses de grupos. Como o Estado emite moedas, o que era uma crise exclusiva do Estado transforma-se em crise do país. Quando a população começa a entender esse vício, surge a figura do financista, o sujeito que estudou na Europa, que presumivelmente conhece a ciência da economia e que vem com fórmulas salvadoras, destinadas apenas a desviar a atenção dos abusos que são cometidos contra o Estado.
O livro descrevia com precisão o que ocorreria cem anos depois no Brasil, com os economistas do Cruzado. De sua leitura para frente, passei a acompanhar a história recente do país de outra maneira, como uma releitura do que ocorreu no início da República. Desses estudos resultou o livro “Os cabeças de planilha”, de 2005, no qual mostro que a remonetização do Real recorreu ao mesmo golpe aplicado por Ruy Barbosa no Encilhamento, visando beneficiar banqueiros aliados. E, juntando as peças, um estudo de Gustavo Franco, do segundo time do Real, publicado ainda nos anos 80, descrevendo o Encilhamento e as razões que levaram ao fracasso Ruy Barbosa. E, por fracasso, não se entenda a crise em si, mas o golpe do enriquecimento de grupos aliados através da remonetização da economia.
Mas Bomfim foi muito além desse seu livro. Não chegou a ser um historiador, no sentido clássico de se dedicar ao trabalho sistemático de reconstituir a história. Nem chegou a ser um cientista, apesar de suas inequívocas contribuições ao estudo da psicologia. Era um educador, uma pessoa com uma visão extraordinariamente moderna e perspicaz do que ocorria à sua volta, que lançava seu olhar crítico sobre todas as formas de conhecimento.
Em um momento em que os “iluministas” julgavam que tudo se resolveria com o avanço da ciência, e usavam a ciência até para justificar teorias raciais, Bomfim defendia a tese de que não existe ciência neutra. Toda forma de conhecimento reflete os interesses do cientista. A maior contribuição à isenção científica, portanto, seria identificar os interesses dos cientistas e sua influência sobre as conclusões a que chegavam.
Na parcialidade do cientista, uma observação que cai como uma luva nas elucubrações sociológicas do inacreditável Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal: “Como seria fácil impingir teorias e conclusões sociológicas, destemperando a linguagem e moldando a forma à hipócrita imparcialidade, exigida pelos críticos de curta vista!... Não; prefiro dizer o que penso, com a paixão que o assunto me inspira; paixão nem sempre é cegueira, nem impede o rigor da lógica.”
Suas observações se encaixam admiravelmente no que se vê no Brasil de hoje, especialmente quando se vale de um dos métodos mais instigantes de conhecimento: a interação de diversas ciências, uma ajudando a complementar a outra.
Bomfim juntou princípios da sociologia, biologia e economia para uma análise abrangente do país, fugindo completamente do padrão de seus contemporâneos, e dos intérpretes que viriam a seguir, de centrar a análise em características de raça.
Dez anos antes dos primeiros estudos sobre psicologia social, Bomfim levantava a tese de que, para se entender os processos psicológicos, era necessário uma visão sociológica de maneira a tratar os problemas psicológicos não apenas como questões individuais, mas dentro de matrizes socioculturais (https://goo.gl/uNW6mt).
As primeiras tentativas dessa junção surgiram na Europa na segunda metade dos anos 20. Dez anos antes, Bomfim já antecipara essa tendência.
Através da biologia – era médico formado na Bahia, psicólogo formado na França – foi o primeiro a questionar as teorias raciais no país. A partir desse questionamento, buscou as explicações para as interpretações sociológicas, que tratavam os males do país como consequência da “sub-raça” que se formou da miscigenação brasileira. Desmontou as teorias raciais. Qual a razão do subdesenvolvimento, então?
E aí, foi bater no modelo de Estado, herança das relações coloniais presentes na formação brasileira.
A raiz de todos os vícios
Em uma tese sobre Bomfim, de Rebeca Gontijo, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, há uma constatação de Bomfim que anteciparia algumas das falhas centrais das brasilianas brasileiras, tão bem expostas recentemente por Jessé de Souza.
Ele diz que "contra a natureza, contra o espírito americano, contra a própria história” foi construída uma história do Brasil com o intuito de demonstrar que a nação deveria pertencer à dinastia que fizera a Independência. Diz Rebeca: "Empreiteiros dessa história", os historiadores teriam deturpado ou esquecido qualidades essenciais do caráter brasileiro, "inventando vícios e crimes por conta da nação". No seu dizer, uma "história triste" assim foi feita, merecendo "exclamações de protestos, repugnâncias, cólera, motejo, repulsa..."; contudo, o intuito da crítica era destacar na historiografia (ou, nas "historiagens") os "hiatos, acasos, erudições chulas e elogios parvos" que constituíram efeitos antinacionais”.
No livro “Brasil na História”, Bomfim vê o homem como um ser moral, “cuja subjetividade lhe permitiria escapar das influências externas (do meio) e internas (da hereditariedade psíquica e/ou biológica), subordinando-as aos seus interesses”.
E aí se entra no centro de sua análise sobre a importância do conceito de Nação.
Existiam duas formas de interesse, segundo Bomfim. Numa ponta, os interesses gerais da espécie humana — "moral, justiça, humanidade...". Na outra, os interesses particulares — "egoístas".
Os interesses gerais se fortalecem através das relações sociais que, ao favorecerem "sentimentos socializadores", e teriam contribuído para o predomínio de necessidades coletivas, necessárias para o progresso humano.
A maneira de consolidar os interesses gerais seria através do conceito de Nação – e Bomfim antecede em quase meio século o pensamento de Celso Furtado. Nação se organiza através da comunhão de tradições, científicas, políticas, se opondo à ideia da prática científica neutra. E a consolidação se daria através da Educação, como processo de formação do conceito de nacionalidade, visto como a redenção do país para superar a herança colonial. Bem antes de Paulo Freire, sua proposta era de que os professores deveriam introduzir elementos nacionais em todas as disciplinas, da matemática, as aulas de moral, política e sociologia.
A maneira de incutir nos jovens os interesses gerais seria através da reformulação da História como matéria escolar. Bomfim era crítico do mero ensino de enunciação dos fatos. Dizia que esse modelo tornava o “ensino inteiramente árido, estéril, difícil e inútil”. Sem contextualizar, o ensino da história seria uma recitação de “nomes de príncipes, listas de datas, indicação de casas reinantes”. O ensino da história serviria para mostrar em que medida os indivíduos influem sobre os acontecimentos. E, especialmente, “de que forma se refletem sobre a alma dos heróis as necessidades e as aspirações gerais”. Seria a maneira de estimular os estudantes a entender os conceitos de interesses gerais da nação.
“Desde a virada do século, Manoel Bomfim defendia a instrução popular como precondição para o progresso humano que, por sua vez, conduziria ao progresso da sociedade. Esse papel progressista atribuído ao ensino lhe teria permitido afirmar a viabilidade do Brasil diante das teses deterministas que naturalizavam o atraso e o progresso das nações, orientando-se pelas noções de meio e raça”, conclui Rebeca.
O intelectual maldito
Quando saiu o livro, em conversa com o professor Antônio Cândido, ele me contou que seu primeiro contato com a obra de Bomfim foi ainda na adolescência. E quem chamou sua atenção para o autor foi seu pai. A reedição do “América Latina, males de origem” se deveu a uma sugestão do próprio Cândido.
A repercussão da reedição da obra fez com que Francisco Weffort, quando se tornou Ministro da Cultura, a incluísse em reedição das brasilianas, as obras fundamentais sobre o Brasil.
Em seguida foi reeditado o “Brasil Nação”. A editora me pediu que escrevesse a orelha. O prefácio foi de alguns estudiosos, entre os quais o respeitado crítico Wilson Martins que fez uma crítica descabida. Escrito em 1928, o livro reflete o profundo pessimismo de Bomfim, àquela altura em fase terminal de câncer, com a República e mostrando que estava pior que na monarquia. Martins via uma incongruência: como, quem criticou tanto os Bragança, teria mudado de opinião assim. Simplesmente porque a República Velha acentuou os maiores vícios do império.
O prefácio do livro, do próprio Bomfim, é a comprovação de que o passado sempre ressurge no Brasil (https://goo.gl/JZPec8).
As razões para o esquecimento de Bomfim são claras. No início da República, a abertura indiscriminada da economia era fruto de uma construção ideológica que atribuía todos os males do país ao povo. Bomfim ousou divergir e identificar o problema nas estruturas de poder, que refletiam o passado colonial brasileiro.
Logo após o lançamento do “América Latina, Males de Origem”, Bomfim foi alvo de uma campanha sistemática comandada por Silvio Romero, intelectual sergipano, segundo Antônio Cândido, seguidor da escola da crítica destrutiva e da inveja intelectual (além de Bomfim, tentou desconstruir Machado de Assis).
Outros críticos do sistema de poder no pais, como Joaquim Nabuco, se salvaram adaptando sua opinião ao status quo posterior.
Alguns estudos sobre Bonfim:
“Os sentidos da retomada de Manoel Bomfim no século XXI” Sidinilha Sampaio de Almeida (https://goo.gl/bdQ9xe)
“Sobre a presença de Manoel Bomfim no pensamento social brasileiro, no centenário de América Latina, Males de Origem”, de Ronaldo Conde Aguiar, autor de uma biografia de Bomfim (https://goo.gl/3NDr74)
Do GGN

segunda-feira, 17 de abril de 2017

O lado revolucionário de Jesus

(Defensor dos pobres e excluídos, Jesus certamente seria taxado de comunista se resolvesse voltar).

 “Amai ao próximo como a si mesmo”.

Você pode ser ateu, umbandista, agnóstico, católico ou professar qualquer outra religião. Mas se você sonha com um mundo diferente, mais justo, onde todas as pessoas tenham o direito de viver com dignidade, você também é um adepto do grande ensinamento de Jesus.

Afinal, é o amor pelo próximo que nos motiva a lutar contra a tirania, a injustiça e a desigualdade.

Para muitos historiadores, entretanto, o personagem histórico Jesus Cristo não foi somente um cara paz e amor que pregava o oferecimento da outra face como resposta à agressão, mas sim um militante revolucionário.
É o que defende o escritor norte-americano de origem iraniana Reza Aslan. Aslan fez mestrado em teologia na Universidade de Harvard e doutorado em história das religiões na Universidade da Califórnia.

Em seu livro “Zelota: a Vida e a Época de Jesus de Nazaré”, de 2013, o autor defende que o principal objetivo de Jesus era político e revolucionário: libertar a Palestina da dominação de Roma.

Alguns trechos desta entrevista de Aslan:
(Jesus) formou um movimento forte pelos pobres, doentes e marginalizados. Um movimento tão ameaçador aos religiosos e políticos do período que fez com que ele fosse procurado, preso, torturado e executado por crimes de sedição (organização de rebeliões, incitamento das massas), o único crime pelo qual alguém poderia ser crucificado sob a lei romana.
(…)
o fato é que o Jesus da história não era um simples pacifista que pregava a palavra de Deus, mas um líder revolucionário que desafiou o estado, não apenas ‘pregou’ para ele – e é por isso que o estado quis a sua morte.

O próprio Jesus não deixa muita margem para dúvida a respeito do caráter revolucionário de sua pregação, segundo o Evangelho de Mateus: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas a espada.”

Nos tempos sombrios em que nos encontramos, de golpes, injustiças, aumento da intolerância e explosão da desigualdade, é importante termos dentro de nós os dois lados, por assim dizer, de Jesus: amar ao próximo como a nós mesmos mas ter a consciência de que o amor não basta: não há libertação possível sem luta.

Do Cafezinho, por  Pedro Breier