Quando
foi votada a PEC do Teto – congelando os gastos orçamentários por 20 anos –
insistimos aqui que o STF (Supremo Tribunal Federal) deveria analisar sua
constitucionalidade. Não se poderia aceitar as imposições como se fossem
verdades científicas, ainda mais em um mundo que passou a questionar
vigorosamente as políticas de arrocho fiscal. As experiências em inúmeros
países comprovaram os prejuízos aos direitos sociais básicos, sem terem sido
solução de nada.
A
PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), órgão da Procuradoria
Geral da República, resolveu questionar o Supremo sobre a PEC entrando com uma
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
Nesta
quinta-feira o STF deverá analisar a questão. E o voto do relator Ricardo
Lewandowski será francamente favorável às teses da PFDC.
Se
os demais Ministros apoiarem a tese, pela primeira vez – desde que teve início
da crise atual – o STF terá demonstrado firmeza na defesa dos direitos
fundamentais dos cidadãos e colocado um freio nas loucuras que vêm sendo
cometidas pelo grupo de Temer.
Mais
que isso, poderá pela primeira vez questionar o bezerro sagrado dos gastos
orçamentários, hoje em dia pressionados pelas mais altas taxas de juros do
planeta. Trata-se de uma discussão que o mainstream econômico se recusa a
entrar porque é o ponto central do rentismo brasileiro.
Até
hoje, jamais foram colocados limites ao pagamento de juros. Trata-se, de longe,
do item de maior relevância do orçamento, que sempre foi tratado como
prioridade absoluta, com a plena liberdade para o Banco Central fixar os juros
no nível que bem entendesse, em nome de um duvidoso conhecimento científico.
A
ADIN questiona o artigo 2o e 3o , que definem os limites de gastos
para a saúde.
Por
reduzirem o financiamento da saúde, “atentam diretamente contra direitos
fundamentais à vida e à saúde, contra o princípio da vedação do retrocesso
social e contra o princípio do devido processo legal substitutivo”.
A
ADIN cita Estudos do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS)
estimando perdas máximas de R$ 12,53 bilhões em 2016 e R$ 4,29 bilhões em 2017,
para um sistema que já padece com problemas de subfinanciamento. E acrescenta
que a crise do emprego deverá aumentar substancialmente a demanda pelos
serviços do SUS, pela incapacidade dos desempregados de arcarem com planos de
saúde privados.
As alegações do Executivo
Questionados,
o Presidente do Congresso alrgou que a tramitação da PEC obedeceu aos
princípios constitucionais legais e regimentais, “não havendo porque falar em
inconstitucionalidade”. Ora, não se questionava a legalidade da tramitação, mas
o fato de atropelar cláusulas pétreas da Constituição.
A
Advocacia Geral da União (AGU) discordou do argumento de desobediência da
cláusula pétrea, defendendo o exercício do chamado Poder Constituinte
reformador.
Trata
de maneira bizarra a questão do princípio da vedação do retrocesso – que reza
que não poderá haver retrocesso na aplicação de qualquer direito. Sua alegação
é que o princípio se destina a proteger o núcleo essencial dos direitos
fundamentais (como se saúde não fosse), e “não a impedir a adequação do Texto
Constitucional às variações ocorridas nos campos político, econômico e social”,
como se não fosse papel da Constituição defender os direitos contra maiorias
eventuais e quando a “adequação do Texto Constitucional” atropela esses
direitos.
Os
argumentos da PGR reforçaram a ideia do retrocesso, pela redução drástica de
recursos para ações e serviços em saúde. E invoca o Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos Sociais e Culturais, de 1992, e o Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Protocolo de São Salvador, de
1999.
O voto do relator
Em
seu voto, Lewandowski lembra que a Constituição prevê, “ao lado do direito
subjetivo público à saúde, o dever estatal da sua consecução, cuja garantia
pressupõe políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”.
E
essa oferta de serviços, prossegue o voto, foi definida estruturalmente no
artigo 198 da Constituição, na forma do Sistema Único de Saúde e do seu
financiamento adequado. E cita análise do colega Celso de Mello em um outro
julgamento, no qual assevera não caber a manipulação da atividade financeira do
Estado que inviabilizasse o estabelecimento e a preservação do direito à
saúde”.
Diz
Celso: “Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese –
mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou
político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor das pessoas e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência”.
Na
continuação, lembra que o Constituinte definiu os objetivos do sistema de saúde
e previu seu financiamento.
No
voto, fala-se do gasto mínimo definido para a saúde. Segundo Lewandowski, esse
gasto mínimo não poder ser interpretado “na restrita e manipulável concepção de
uma equação matemática para fins de elaboração e execução dos orçamentos
anuais”. É preciso mais: “extrair correlação, de fato, substantiva entre os
meios fiscais e os fins constitucionais a que eles se destinam”.
E
conclui: “Diante do quadro fático ora descrito, resulta evidente a urgência nas
concessão de liminar, uma vez que a manutenção de eficácia das normas atacadas
vem dificultando ou mesmo impossibilitando, a cada dia e de forma irreversível,
o gozo dos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros”.
GGN