Conforme previsto há tempos, encerrado o ciclo Lula-PT,
ingressa-se em uma nova etapa da Lava Jato, superando o período no qual todos
os abusos eram perdoados. Cessada a blindagem, a Lava Jato começa a ser
questionada pelos tribunais superiores, em alguns casos em defesa das
prerrogativas desses tribunais, em outros, em defesa prévia sobre os avanços
contra políticos aliados.
Tem-se um quadro complexo.
Aberta a caixa de pandora, os procuradores querem avançar
além do fator PT. Ficou nítido nas manifestações da Lava Jato paulista sobre a
perda do foro privilegiado do ex-governador Geraldo Alckmin. Agora, na mira,
está também um dos principais operadores do PSDB, o banqueiro Ronaldo César
Coelho, estreitamente ligado a José Serra, e com as contas bloqueadas na Suíça.
Sua prisão, e uma investigação séria, promoveria uma verdadeira hecatombe no
que restou do partido.
Esse episódio precipitou uma série de movimentos.
Peça 1 – o fator
tribunais superiores
Nas últimas semanas, os tribunais superiores – STF (Supremo
Tribunal Federal) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) – resolveram enfrentar,
finalmente, o juiz Sérgio Moro.
O STF, através dos votos de Gilmar Mendes, Dias Tofolli e
Ricardo Lewandowski, retirou de Moro vários processos contra Lula, todos
baseados na mesma “teoria do fato”, juntando medidas que beneficiaram as
empreiteiras com os casos tríplex e sítio de Atibaia.
Ao mesmo tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou
para um juiz do Distrito Federal a decisão sobre um habeas corpus para um
português envolvido na Lava Jato.
Moro reagiu, em franca desobediência a ambos os tribunais,
provocando reações vigorosas da parte dos desembargadores do STJ.
Ao mesmo tempo, o STF pediu providências para o CNJ (Conselho
Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), contra
manifestações do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o mais agressivo
dos procuradores da Lava Jato. E avisou que, se não forem tomadas providências,
o próprio STF agirá de ofício.
E há, no CNJ, uma representação contra Sérgio Moro pela
divulgação ilegal das conversas de Lula com Dilma – que foi um dos principais
fatores políticos para o golpe do impeachment. A divulgação foi autorizada pelo
então PGR Rodrigo Janot.
Lewandowski está onde sempre esteve. A mudança de posição de
Gilmar Mendes – que voltou a ser o garantista de antes do mensalão – se deve ao
fator Ronaldo César Coelho. O algoritmo mágico do STF distribuiu para Gilmar as
denúncias contra José Serra, Aloizio Nunes, Aécio Neves e Cunha Lima, os
principais nomes do PSDB envolvidos com os escândalos.
Em todo caso, seja bem-vindo de volta ao mundo dos
garantistas.
À medida em que vai sendo cercada, a Lava Jato tenderá a
produzir mais foguetório. E, aí, entra em cena, o fator Raquel Dodge.
Peça 2 – o fator Raquel
Dodge
Sem controle sobre a base, a Procuradora Geral Raquel Dodge
tratou de se blindar perante a mídia – especialmente a Globo – através de um
movimento desmoralizante, que a equipara ao antecessor Rodrigo Janot e às
manipulações dos jovens procuradores da Lava Jato – que, pelo menos, têm o
álibi da juventude.
Dodge seguiu o mesmíssimo figurino de ilações manipuladas da
Lava Jato, a chamada “teoria do fato”, segundo o MPF (leia
aqui sobre o tema) – que é uma versão particularíssima da metodologia
adotada.
Trata-se de uma metodologia adotada por qualquer bom repórter
investigativo e que foi introduzida no MPF pelo procurador Douglas Fischer.
Consiste em criar uma narrativa inicial sobre o tema que está sendo
investigado, para ajudar a organizar as informações.
Os bons investigadores e os
bons jornalistas criam uma narrativa experimental no início das investigações e
vão alterando, à medida em que vão aparecendo novos fatos. O fato é soberano.
Maus repórteres e maus investigadores se aferram à narrativa inicial, ignorando
todos os fatos que possam comprometê-la.
Esperava-se que, com mais experiência na área, a PGR Raquel
Dodge não comprometesse o MPF com esse estilo, adotado por seu antecessor.
Esperança vã!
Vamos entender seu jogo, por partes.
A falsa isenção
Raquel Dodge tem o desafio de não se comprometer com o PSDB
e, ao mesmo tempo, aparentar alguma isenção nas suas investigações.
Para atender às duas necessidades, no caso do PT, atira em
quem está no jogo; no caso do PSDB, mira nos patos mancos – Aécio Neves e
Eduardo Azeredo – e preserva quem está no jogo, José Serra e, especialmente,
Geraldo Alckmin.
Tome-se a denúncia recente contra Lula, Gleise Hofman e Paulo
Bernardo. E compare-se com o caso Geraldo Alckmin. A diferença é escandalosa.
A propina
A Lava Jato identificou um financiamento de campanha da
Odebrecht para Gleise; e outro para Alckmin. Ambos nas eleições de 2014, parte
dos pagamentos pelo caixa 2. Para Gleise, o intermediário foi o marido Paulo
Bernardo, ex-Ministro do Planejamento; para Alckmin, seu cunhado Adhemar
Ribeiro. Não poderia criminalizar Gleise apenas pelo Caixa 2, pois teria que
aplicar a mesma medida contra Alckmin. Qual a saída encontrada pela “teoria do
jogo” de Dodge?
A contrapartida
Na denúncia de cada propina, há a necessidade de se
identificar a contrapartida oferecida
Gleise Hoffman
A denúncia se reporta a uma decisão de 2010 (quatro anos
antes do financiamento eleitoral da Odebrecht!), da Câmara de Comércio
Exterior, ampliando o financiamento às exportações de serviços para Angola,
medida fiel à estratégia de expansão brasileira na África.
A decisão passou pela
Camex, constituída pelos seguintes órgãos:
• Conselho de Ministros da CAMEX, órgão de deliberação superior e final;
•
Comitê Executivo de Gestão – Gecex;
•
Secretaria-Executiva;
•
Conselho Consultivo do Setor Privado – Conex;
• Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações–Cofig;
•
Comitê Nacional de Facilitação de Comércio – Confac;
•
Comitê Nacional de Investimentos – Coninv; e
• Comitê Nacional de Promoção Comercial – Copcom (tema em discussão).
O Comitê de Ministros é composto dos seguintes Ministros:
•
Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República;
•
Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços;
•
Ministro de Estado das Relações Exteriores;
•
Ministro de Estado da Fazenda;
•
Ministro de Estado dos Transportes, Portos e Aviação Civil;
• Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
• Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; e
• Chefe
da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Paulo Bernardo era um dos oito Ministros do Conselho, com
status inferior aos Ministros da Casa Civil, da Fazenda, das Relações
Exteriores, e da Secretaria-Geral da Presidência. Pouco importou à PGR. Foi o
responsável pelo aumento das linhas de financiamento, e não se fala mais isso.
A partir daí, repetiu a teoria do fato apud MPF – que consiste em
enfiar provas a martelada na narrativa escolhida. E denunciou a “organização
criminosa” comandada por Lula. O que demonstra que a parcialidade e falta de
senso não são prerrogativas da 1ª instância do Ministério Público Federal.
Geraldo Alckmin
De acordo com delação premiada de ex-executivos das
empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, Geraldo Alckmin recebeu R$ 10,3
milhões em caixa 2, através de seu cunhado, Adhemar Ribeiro. Todas foram beneficiadas
por obras do governo paulista, autorizadas diretamente por Alckmin, do Rodoanel
ao Metrô. Mas o caso foi tratado meramente como financiamento de campanha, sem
sequer criminalizar o caixa 2, e remetido para o Tribunal Regional Eleitoral,
integrado, em sua maioria, por juízes e procuradores estaduais aliados de
Alckmin.
Peça 3 – o terror e o
aparato policial
Há um conjunto de evidências mostrando que o crime organizado
e a violência política estão cada vez mais entronizada entre integrantes de
corporações armadas.
O deputado Antônio Francisquini foi Secretário da Segurança
no Paraná, em 2015, no governo tucano de Beto Richa. Antes disso, ocupou cargo
de relevância no Espírito Santo. Pertence a ala mais barra-pesada da Polícia
Federal e, por seus cargos anteriores, têm relações estreitas com o aparelho
policial do Paraná. No seu Twitter trata-se os membros do acampamento como “bandidos
órfãos de Lula”
Por aí se entende a quase impossibilidade de apuração, pela
polícia do Paraná, dos atentados cometidos contra a caravana de Lula e contra o
acampamento do MST em Curitiba.
Esses atentados, mais os que resultaram na morte da vereadora
carioca Marielle Franco, mais a identificação de munição das forças de
repressão encontradas nos locais dos atentados, são um indicativo preocupante.
Indicam que há uma força armada, provavelmente com integrantes dos aparelhos
policiais, enveredando cada vez mais pelas sendas dos atentados políticos.
Falta pouco para saírem totalmente de controle.
Mas não apenas político.
A mesclagem entre forças de repressão e crime organizado
ficaram nítidas em dois episódios. O primeiro, no poder crescente das milícias
no Rio, e na influência do PCC em São Paulo. No âmbito federal, o tratamento
dado pela Polícia Federal ao caso da helicoca – o helicóptero do senador
Perrela, com 500 quilos de cocaína. Qualquer adolescente, detido com
quantidades irrisórias de droga, é inapelavelmente preso e condenado. No caso
do helicoca, o piloto foi solto em questão de dias, para voltar a delinquir,
sendo apanhado em outra operação, a serviço do PCC.
Peça 4 – a teoria do
caos
Tem-se, então, os seguintes componentes do caos atual:
O embate entre tribunais superiores e a Lava Jato.
As principais instituições sendo comandas por Michel Temer
(Executivo), Carmen Lúcia (STF), Raquel Dodge (MPF) e Rodrigo Maia
(Legislativo). É mole?
O racha do STF, anulando completamente seu papel
anti-majoritário. Em pleno tiroteio, com atentados explodindo, com a violência
política se espalhando, o inacreditável Luís Roberto Barroso se prestava a um
trabalho de auditoria para conferir se os condenados da Lava Jato estavam
pagando ou não suas multas. E, obviamente, tratando de espalhar o meritório
trabalho pelas colunas de jornais.
A economia sem nenhuma perspectiva de recuperação.
O grupo do golpe sem nenhum candidato competitivo.
A partir desses dados, montem suas apostas.
Do GGN