Agora
se entra no campo dos ganhos financeiros com palestras e desmascara-se o álibi
do bom mocismo, de que as palestras eram para que pudesse levar a mensagem de
Deus aos ímpios.
O
poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que
os grandes homens são quase sempre homens maus. Lord Acton.
A
reportagem de hoje da Folha, sobre a #Vazajato, começa a entrar no campo
definitivo, os interesses financeiros dos procuradores envolvidos no caso, na
figura de Deltan Dallagnol (aqui)
e suas palestras.
Nas
conversas, Deltan combina com o colega Roberto Pozzobon a criação de uma
empresa, a se tocada pelas duas esposas, para organizar palestras sobre
corrupção. A data dos diálogos coincide com a da tentativa de criação da
fundação que receberia R$ 2,5 bilhões do Departamento de Justiça, justamente
para estimular a divulgação de trabalhos anti-corrupção.
Como
vimos apontando desde o início, esse é o tema que atinge diretamente os
fanáticos por Deltan Dallagnol. Atropelar leis, combinar julgamentos, inventar provas
são infrações aceitas, em um país com pouco cuidado com princípios legais, em
nome do bem maior.
Agora
se entra no campo dos ganhos financeiros com palestras e desmascara-se o álibi
do bom mocismo, de que as palestras eram para que pudesse levar a mensagem de
Deus aos ímpios.
Juntando
as conversas divulgadas com as denuncias de 2017, sobre as palestras de Deltan,
identifica-se claramente o processo de ceder gradativamente às tentações quando
se dispõe de um poder sem limites. E o poder da Lava Jato era garantido pela
blindagem total de quem se apresentava como arauto da moralidade.
Primeiro,
se aceitam os pagamentos com algum constrangimento, doando parte do que recebe.
Depois, a cupidez se impõe e passa-se a ser cada vez mais exigente. Surge o
deslumbramento com as possibilidades de ganhos – e isso fica amplamente
demonstrado nos diálogos.
Em
2017, quando vazaram as primeiras informações sobre os ganhos de Deltan,
conversei com o responsável por sua contratação para um evento, e ele se dizia
espantado com a cupidez demonstrada.
A
defesa de Deltan foi informar que, no ano anterior, doara parte dos cachês a um
hospital de tratamento de câncer infantil. Provavelmente era verdade.
Mas
em 2017 já estava a pleno vapor faturando as palestras para si próprio e
inventando argumentos falsos para se eximir de explicações – como se verá a
seguir. Mais que isso, parte do interesse pelas palestras decorria do terror
que a Lava Jato passou a infundir em todas nas empresas.
Em
2018 já de vangloriava de faturar R$ 400 mil com palestras. Em 2019, planejava
montar uma empresa só de palestras. Aliás, mesmo caminho percorrido por
Rosângela Moro.
À
medida em que se foi entrando nesse terreno, quais os limites obedecidos, ainda
mais em um universo em que advogados desconhecidos que passaram a ganhar cachês
milionários com esquemas de delações? Esse é o teste final. Até onde foram
nessa cupidez? Atravessaram o Rubicão e entraram na seara das delações
premiadas? Ou se limitaram a atropelar apenas princípios éticos?
O
fundo do poço do MPF
O
episódio expõe, de maneira clara, a maneira como a Lava Jato esgarçou os limites
éticos do próprio Ministério Público Federal, desarmando os sistemas de
controle.
Há
uma regra ética tácita, de que procurador não pode faturar com temas em que
esteja trabalhando. Palestras, debates sobre o tema que se está trabalhando
fazem parte do trabalho.
Tinha-se,
na Lava Jato, um grupo de jovens procuradores, provincianos, deslumbrados,
inexperientes com o sucesso, e facilmente influenciáveis pela dinheirama que
escorria entre seus dedos. Caberia à corregedoria orientá-los e definir
limites. Como diz o nome, a corregedoria co-rege. Em vez disso, considerou
perfeitamente normal receber cachês milionários. E como dizer o contrário se,
pelos diálogos divulgados, sabia-se até o cachê de R$ 30 mil do próprio
Procurador Geral Rodrigo Janot?
Além
dos aspectos éticos, esse deslumbramento criou vulnerabilidades que podem ter
comprometido as investigações.
Uma
empresa com culpa no cartório – e ainda não descoberta pela Lava Jato – poderia
contratar uma palestra, ou de um procurador ou do próprio PGR, e pagar
regiamente. Quando seu nome aparecesse, estaria instantaneamente blindada.
Afinal, que procurador – ou PGR – indiciaria uma empresa, sabendo-se que, mais
tarde, poderiam ser levantados os pagamentos pelas palestras contratadas?
Além
disso, a exploração econômica das operações – Deltan aparece orientando uma
colega sobre como faturar em palestras sobre o tema que investigava – criou um
padrão que se espalhou, pelo mau exemplo, por toda a corporação. Além da quebra
da economia brasileira, dos pre-juízos infligidos à Petrobras com ações
deletérias de acionistas, alimentados por provas da Lava Jato, o pior legado de
Janot foi a dissolução dos valores que regiam tacitamente a instituição. Para
procuradores influenciáveis, e mais flexíveis, retorno financeiro pessoal das
operações passou a ser um critério de seleção de temas.
Este
é o segundo maior desafio de sua sucessora, Raquel Dodge, que seguramente não é
feita da mesma massa de Janot.
Capítulo 1 – quando o
fato vazou
Em
junho de 2017, uma empresa promotora de eventos ofereceu Deltan por cachês que
iam de R$ 30 mil a R$ 40 mil. O assunto circulou pela Internet e Deltan soltou
uma nota alegando que doava “praticamente tudo” o que recebia com palestras e
que apenas pretendia contribuir “modestamente, como qualquer cidadão de bem”
para com o país (aqui).
Dizia a nota:
- Embora eu pudesse legalmente dar destinação pessoal aos recursos, como muitos profissionais da área pública e privada fazem, optei por doar praticamente tudo para que não haja dúvidas de que a minha motivação é apenas contribuir modestamente, como qualquer cidadão de bem, para um país com menos corrupção e menos impunidade.
Capítulo 2 – as
explicações de Deltan
Pelo
Facebook, por notas oficiais, ou por reportagens de jornais do Paraná, Deltan
deu duas explicações divergentes – mas ambas visando propagandear sua fama de
rapaz do bem.
Doação para hospital de
câncer infantil
Como
explicou o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em edição de 17.06.2017 (aqui)
- “Em seu post, Dallagnol disse que a maior parte das palestras que dá são gratuitas. Eventualmente, há remuneração envolvida e os valores foram sempre doados. No ano passado, o valor total recebido pela participação em eventos, não divulgado pelo procurador, foi doado para o hospital Erasto Gaertner, entidade filantrópica localizada em Curitiba que oferece tratamentos contra câncer.”
Doação para fundação de
combate à corrupção
Em
seu perfil no Facebook, deu outra explicação:
- (…) Em 2017, após descontado o valor de 10% para despesas pessoais e os tributos, os valores estão sendo destinados a um fundo que será empregado em despesas ou custos decorrentes da atuação de servidores públicos em operações de combate à corrupção, tal como a Operação Lava Jato, para o custeio de iniciativas contra a corrupção e a impunidade, ou ainda para iniciativas que objetivam promover, em geral, a cidadania e a ética.
Nunca
divulguei isso antes para evitar que tal atitude fosse entendida como ato de
promoção pessoal. Contudo, diante de ataques maldosos e mentirosos, reputo
conveniente deixar isso claro para evitar qualquer dúvida de que o que me
motiva é o senso de dever, como procurador e como cidadão.
Desafiamos
a comprovar o que dizia, porque era nítido que escondia a informação:
Nunca
comprovou as doações para o tal fundo. Mas já antecipava os planos da
super-fundação, com R$ 2,5 bilhões de dotação pagas pela Petrobras e
intermediada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Ponto 3 – as conversas
pelo Telegram
Nas
conversas, Deltan combina com o colega Roberto Pozzobon a criação de uma
empresa, gerida pelas respectivas esposas, para gerenciar as palestras. Planeja
não apenas conversar sobre a Lava Jato como oferecer aulas de empreendedorismo.
Aliás,
o mesmo caminho percorrido por Rosângela Moro.
Principais
informações divulgadas.
Pelas
conversas, percebe-se que o tema palestras ficava restrito aos parceiros mais
próximos, Roberto Pozzobon e o ex-PGR Rodrigo Janot.
O cachê de Janot
Fica-se
sabendo, pelos diálogos, que o PGR Rodrigo Janot cobrava R$ 30 mil por
palestra. Qualquer empresa que, de alguma maneira, pudesse temer os efeitos da
Lava Jato, pagaria de bom grado esse valor. Ou calaria o PGR pelo pagamento, ou
calaria pelo constrangimento, caso algum dia pudesse vir a ser indiciada.
Orienta colegas sobre
como faturar com operações
Para
a colega Thamea Danelon, Deltan ensina como faturar com palestras em cima de
cada caso.
Do
GGN