É
preciso que paremos de assemelhar a Lava a Jato com a Operação Mani Pulite, na
Itália. A Lava a Jato é o Macartismo brasileiro.
Nos
anos 50, o senador norte-americano por Wisconsin, Joseph McCarthy, dava forma a
um movimento muito maior chamado “Red Scare” (Medo vermelho). Muita gente acha
que Macartismo e o “Medo Vermelho” são a mesma coisa, e não são. Apesar de
Wisconsin ser um estado do norte dos EUA (na região dos Grandes Lagos) e não do
Sul (normalmente visto como mais agrário e conservador), McCarthy se elegeu com
a maioria dos votos de agricultores e operários conservadores já tomados pelo
“Medo Vermelho”, que vinha sendo propalado desde a Crise de 1929 e o New Deal
de Roosevelt.
O
Macartismo é, portanto, o resultado de uma intensa campanha contra os direitos
sociais e qualquer forma contrária ao capitalismo mais selvagem. E todas as
acusações de “paternalismo”, “ajudar vagabundos”, “ser comunista” foram
lançadas originalmente contra Roosevelt e seu plano de recuperação da economia
norte-americana. Entre 1945 e 1950, os EUA viram a URSS vencerem a guerra
contra os nazistas, a China fazer sua revolução comunista (1949), a URSS
explodir a sua primeira bomba nuclear (1949) e as Coréias entrarem em guerra,
com vantagem decisiva para o norte comunista.
Assim,
no prazo de cinco anos, o número de pessoas que viviam sob regimes comunistas
saltou de pouco mais de 150 milhões em 1945 para mais de 850 milhões em 1950. O
comunismo parecia imparável e o desespero norte-americano se fez sentir. Daí
surge o bordão “Reds, Pinks and Lavanders” com o qual McCarthy (e inúmeros
outros políticos como o governador de Nova Iorque na época Thomas Dewey) ganhou
imenso poder político. Segundo o senador, era preciso livrar os EUA da ameaça
vermelha (os comunistas), dos rosas (social democratas ou qualquer outro
pensamento assemelhado à terceira via europeia) e os roxos (homossexuais).
Desde o início a temática de unir os comunistas e os “depravados moralmente”
esteve na gênese da propaganda macarthista.
McCarthy
criou comitês de investigação comunista nos EUA e começou sua escalada ao poder
anunciando que tinha uma lista de 57 nomes de altos funcionários do Estado e
que eram ou comunistas ou informantes. Nesta lista estava até o nome do
Secretário de Estado norte-americano Dean Acheson, que havia, junto com
Roosevelt e depois Truman, participado de toda a orquestração internacional do
final da guerra.
A
estratégia do senador McCarthy consistia em acusar sem provas, usar a televisão
e os canais de mídia da época para criar um clima de terror e apresentar-se
como salvador moral do país. As televisões viam em McCarthy uma forma barata de
conseguir audiência. Seus “interrogatórios” eram como shows de auditório,
embora com muito mais audiência. Exatamente como é a Lava a Jato hoje. As
televisões precisavam gastar milhões de reais com programas de baixo nível
(como Big Brother, A fazenda e assemelhados) para conseguir menos audiência do
que os shows da vara de Curitiba proporcionam, de graça.
Depois
de criar o apoio midiático (bom para o senador e para a mídia), os “processos”
se mostravam frágeis e sem nenhuma comprovação. O Macartismo criou a “culpa por
associação”, exatamente como a Lava a Jato. Se o senador conseguisse mostrar,
por qualquer meio esdrúxulo como uma jararaca picando uma cachorra, que o “réu”
estava ligado – de alguma forma – a um núcleo comunista, não havia mais a
necessidade de qualquer outra comprovação. O massacre midiático fazia com que o
acusado perdesse o emprego e fosse agredido e aviltado. O que impressiona é que
a Suprema Corte norte americana apoiou o Macartismo julgando os “Reds, Pinks
and Lavanders” como não merecedores da segurança da primeira emenda da
constituição (que fala da liberdade de expressão, de pensamento e religiosa).
Em vários casos a Suprema Corte avalizou processos criminais e prisões contra
professores, enfermeiros, artistas e etc. por cima da constituição. Exatamente
como a Lava a Jato.
As
gritantes injustiças e inconstitucionalidades tomaram eco pelo país todo,
afinal se a Suprema Corte e o Senado podiam agir daquela forma, então, com
muito mais violência, agiam os cidadãos e tribunais regionais. Pessoas passaram
a ser perseguidas, agredidas em público, suas casas atacadas, filhos e família
escorraçados apenas pela “delação” feita por algum desafeto. Bastava que
houvesse uma “denúncia anônima” (como as que o MPF usa) para que a vida do denunciado
estivesse acabada.
O
ataque era violento contra professores (como o Escola sem Partido). Chandler
Davis, professor de Matemática da Universidade de Michigan, foi um dos
acusados. Levado “coercitivamente” a prestar depoimento, permaneceu em silêncio
invocando a quinta emenda (a que constitui garantias contra o abuso de
autoridade do Estado e permite o silêncio em qualquer interrogatório). Em 1960,
três anos após a morte de McCarthy, a Suprema Corte americana mantinha ainda
preso Davis porque entendeu que o silêncio seria comprovação de culpa.
Exatamente como fazem juízes da lava a jato e outros hoje no Brasil.
Em
1954, a professora primária Anne Hale, diante do absurdo das acusações, decidiu
não se declarar culpada (que era vista como uma forma de diminuir o sofrimento
dos acusados injustamente) e disse: “Eu acho que será menor o prejuízo para
meus alunos me verem defendendo aquilo que eu acredito ser verdadeiro do que me
ver fugindo ou me escondendo”. Ela foi demitida de seu emprego na cidade de
Wayland, nunca mais conseguiu qualquer emprego nos EUA. Todas as acusações
contra ela se mostraram falsas. Quando morreu, em 1968, Hale trabalhava como
professora voluntária ensinando crianças com disfunções cerebrais e fazia
faxinas para poder ter o que comer.
Nenhuma
acusação macarthista foi provada. Nem nunca precisou ser. Quando na falta de
provas criava-se a “culpa por associação”, difamava-se política e socialmente
usando a “perversão sexual e moral” como forma de demonstrar a
“depravação” que ameaçava os EUA. Exatamente como temos visto na Lava a Jato e
nos movimentos que a apoiam. Todos com forte linguagem messiânica, baseados
numa moralidade heterossexual branca e machista, violentos, agressivos e
totalmente ignorantes. De Frota a Moro, passando por Dallagnol, Magno Malta ao
silêncio do STF (acovardado) o roteiro é o mesmo do que ocorreu nos EUA.
Inclusive com os mesmos trejeitos, linguagens, abusos e tudo mais exatamente
igual.
McCarthy
acusou de serem espiões comunistas Charles Chaplin, Orson Welles, Leonard
Bernstein, Dean Acheson e até mesmo Robert Oppenheimer que havia sido o
cientista chefe do projeto Manhattan, que criou a bomba atômica para os EUA. Em
seguida, McCarthy lançou-se contra as forças armadas, denunciando o comunismo
dentro do exército e foi necessário que o herói de guerra, general e presidente
Eisenhower entrasse em disputa direta com o doidivano senador para que membros
das FAs não fossem submetidos aos métodos da Lava a Jato. Perdão, aos métodos
do Macartismo.
Milhares
de pessoas agredidas, presas e com suas vidas destruídas. Duas mortes. Um país
inteiro paranoico e voltado para o seu umbigo. Um antintelectualismo grosseiro
e messiânico. O fortalecimento de políticos conservadores e religiosos
espalhafatosos. O domínio dos Republicanos no Congresso. E nenhuma prova.
Nenhuma prova. Ilações, relações, suposições, histórias estapafúrdias e o
acovardamento inconstitucional da Suprema Corte. Este foi o caminho dos EUA, e
está sendo o nosso, de forma assustadoramente idêntica.
GGN