Em esplêndida
entrevista ao GGN – que será publicada logo mais - , o cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos situa o início da subversão institucional
brasileira na AP 470 – o julgamento do chamado “mensalão”. Ali teria começado o
desequilíbrio que resultou no golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, diz
Wanderley.
Segundo ele, essa
subversão se baseou em três pilares:
Pilar 1 – quando o
Ministro Joaquim Barbosa declarou que a Constituição é aquilo que o Supremo diz
que ela é. E sua declaração foi endossada pelos demais Ministros. A partir dali
o Supremo decidiu que aquilo que ele diz que a lei é, é. Essa premissa foi
consagrada na AP 470.
Pilar 2 –a tese do
Ministro Ayres Britto, endossada pelos demais, no caso José Dirceu – mas
valendo para qualquer outro réu. O acusado não teria que demonstrar que era
inocente, mas comprovar que não era culpado. Criou-se o paradoxo: ninguém pode
não saber do que não participou, a não ser sabendo o que aconteceu.
Pilar 3 – a Ministra
Rosa Weber dizendo que quanto maior a responsabilidade da autoridade do
acusado, menor a possibilidade que se encontrem provas de que ele é o
criminoso. Ou seja, quanto menor o número de provas contra o acusado, pior a
sua situação. No limite, quem não tem nenhuma prova contra, é o maior culpado.
Com isso, os Ministros
do STF entregaram a todas as instâncias do Judiciário instrumentos de absoluta
tirania. Começou ali o caos institucional.
Diz Wanderley que não
adianta, vez por outra, o ex-Ministro Joaquim Barbosa dizer-se chocado com o
que está acontecendo. Ele foi um dos autores centrais da ideologia que permitiu
essa tirania do Judiciário.
Quem montou essa
subversão total foi a AP 470 e o relator Joaquim Barbosa. A Lava Jato é apenas
a decorrência, a consumação final dessa subversão.
Outros Ministros
contribuíram para essa linha, diz Wanderley.
O Ministro Celso de
Mello, por exemplo, não se limita a dar um voto. Ele exercita ritos de
degradação do acusado. Investe contra algo que é uma conquista da civilização
do século 18 para cá. É uma visão fascinada pela possibilidade de exercer esse
discurso interminável, com bibliotecas inteiras jogadas em cima do acusado, o
tipo que se compraz com a degradação.
Outro é o Ministro Luís
Roberto Barroso, diz Wanderley, que acredita que a má qualidade do Legislativo,
com seus silêncios, é justificativa para o Judiciário legislar como bem
entender. A Constituição menciona que é preciso a legislação apropriada para
cada capítulo. Se o Congresso não faz, o Supremo poder fazer, defende Barroso.
Não fazer é opção do Legislativo, diz Wanderley, não é uma não decisão. É uma
decisão de não fazer aquilo naquele momento, independentemente de concordarmos
ou não.
Finalmente, aqueles que
interpretam as leis de acordo com os acusados. Como são competentes nas suas
disciplinas, não têm dificuldade em enrolar a opinião pública.
Além disso, tem-se um
Supremo em que ninguém quer se opor ao colega, para garantir a sua vez. É o
mesmo jogo de troca de figurinhas do Congresso, mas com solenidade, conclui
ele.
Pilar 4 – um quarto
pilar foi erigido ontem, com a decisão do Supremo autorizando o prosseguimento
de processos contra governadores, mas retirando o poder da Assembleia
Legislativa de opinar sobre o tema – e aí a opinião é minha, não de Wanderley.
Como informou o
governador de Minas, Fernando Pimentel, a decisão lhe foi favorável. Permitirá
o prosseguimento do processo, agora dando oportunidade de ele se defender - Até
agora, o que havia era vazamentos periódicos de inquéritos. E tirará a espada
de Dâmocles do pescoço do governador, ao mantê-lo no cargo.
Por outro lado, deu um
tiro mortal no já precário federalismo brasileiro, ao tirar da Assembleia
Legislativa até o poder de deliberar sobre o governador.
De passo em passo, o
Supremo vai invadindo todas as áreas da política.
Pilar 5 - manutenção da subordinação total à Rede
Globo. Ontem, em evento da ANER (Associação Nacional dos Editores de Jornais),
a Ministra Carmen Lúcia repetiu o beija-mão de seu antecessor, Ayres Britto,
prometendo revitalizar uma comissão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela
liberdade de imprensa, contando com membros indicados pela ANJ (Associação
Nacional dos Jornais), ABERT (Associação Nacional das Empresas de Rádio e
Televisão).
O primeiro ato do
governo Temer foi o de impor uma censura ideológica a toda publicidade de
empresas do governo, sem que Carmen Lúcia e o CNJ movessem uma palha.
Jornalistas independentes têm sido alvo de ações judiciais por parte dos
grandes veículos, por membros da Lava Jato e por Ministros do Supremo, numa
clara ação visando sufoca-los financeiramente.
Todos os relatos de
arbitrariedades, até ameaças físicas, são contra jornalistas que não têm a
retaguarda de um grupo de mídia.
Disse a Ministra:
As
redes sociais proporcionaram uma nova forma para o exercício da democracia
atualmente. Na visão dela, a realidade atual exige “informação permanente”, o
que estabelece “novos modelos de convivência democrática no estado democrático”
e “um novo modelo de democracia”.
Disse mais:
A
imprensa é livre e não é livre como poder. É livre até como uma exigência
constitucional para se garantir o direito à liberdade de informar, e do cidadão
ser informado para exercer livremente a sua cidadania. Portanto, eu vou dar
cumprimento ao que o Supremo já decidiu reiteradamente: é fato, cala a boca já
morreu”, disse a ministra Cármen Lúcia durante sua intervenção.
Evidente que o cala
boca não morreu. Aliás, os cala bocas continuam eficientes, a ponto de uma
perseguição ideológica implacável contra jornalistas não ligados a grupos de
comunicação não merecer um gesto sequer de defesa por parte de quem se diz
defensora de um novo modelo de democracia. Calou-se a boca do CNJ.
Pilar 6 – haverá a
manutenção das arbitrariedades da Lava Jato, com a decisão de Luiz Edson Fachin
de jogar o caso de Antônio Palocci para o pleno do Supremo? Já há dois votos
garantidos, a favor do uso da prisão provisória como elemento de pressão para a
delação – Fachin e Celso de Mello. Provavelmente essa posição será endossada por
Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Contra a prisão sem julgamento ficarão
Gilmar Mendes, Dias Toffolli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. A
decisão dependerá de Luiz Fux e Marco Aurélio de Mello.
O gênio escapuliu da
garrafa e o Supremo não faz questão de coloca-lo de volta.
Do GGN, Nassif