A
condescendência com que é tratado pela Rede Globo é a comprovação maior de que
a defesa da democracia é apenas um instrumento de luta política, quando o
déspota de plantão não satisfaz.
Cena 1 – a defesa dos
valores democráticos
Nos
últimos meses, houve um aumento da defesa da democracia, uma atoarda
impulsionada pelos arroubos de Jair Bolsonaro, e pela convicção de que ele,
efetivamente, aposta em um golpe, em um ponto qualquer do futuro.
Na
parcela mais informada da população, da mídia, do Congresso e dos Tribunais
superiores, não há mais dúvidas sobre as ameaças que pairam sobre a democracia.
As
manifestações de apreço pela democracia são comoventes, sendo engrossadas por
figuras que, até algum tempo atrás, eram os maiores arautos do discurso de
ódio.
Até
que ponto essas manifestações são sinceras, ou apenas expressam o desagrado com
o candidato a ditador de plantão.
Para
saber, é só fazer a prova do pudim: Sérgio Moro.
Cena 2 – Sérgio Moro é
uma vocação autoritária
Cinco
pontos para comprovar que Moro é uma ameaça à democracia muito mais grave do
que Bolsonaro. É a maior vocação autoritária que chegou ao Ministério da
Justiça, desde Felinto Miller e Armando Falcão.
Cinco cenas exemplares,
Lei de Segurança Nacional
contra o porteiro do Condomínio de Bolsonaro.
Invocou
a LSN para colocar a Polícia Federal no encalço do porteiro e obriga-lo a
retificar o depoimento anterior, de que o motorista do carro que conduziu o
assassino de Marielle Franco, tinha entrado no condomínio pedindo autorização
para a casa 58, de Bolsonaro. Seria inconcebível esse tipo de atitude com o
Ministro da Justiça de qualquer outro presidente do período democrático, de
José Sarney a Dilma Rousseff.
Usou a LSN contra Lula,
por críticas a Bolsonaro.
Valeu-se
do mesmo expediente, de invocar a LSN, para obrigar Lula a depor na PF, por
críticas endereçadas a Bolsonaro. Foi tão vexaminoso, que obrigou a própria PF
a assumir o papel de juiz, em um comunicado em que dizia não ter identificado
atentado à segurança nacional na declaração.
Lista dos bandidos mais
procurados sem Adriano da Nóbrega
Mais
uma vez colocou o Estado na defesa do presidente. O miliciano Adriano da
Nóbrega já era procurador pelas polícias de vários estados, mas não entrou na
lista de Moro, sob o argumento que não era crime da alçada federal.
Inação com milícias
digitais
Não
tomou nenhuma medida contra as agressões sofridas por jornalistas, incluindo
ataques à reputação, ameaças de morte, exposição dos filhos menores. As
milícias continuam agindo incólumes, apesar dos notórios atentados contra o
Estado de Direito.
Lei de Segurança Nacional
contra festa punk
Endossou
a decisão de utilizar a LSN contra festa punk em Belém do Pará, por cartazes
considerados ofensivos contra Bolsonaro. Em nenhum momento tomou qualquer
medida contra cartazes insinuando morte de Lula e de outras lideranças da
oposição.
Não condenação do motim
dos policiais do Ceará
Foi
ao Ceará, acompanhando a tropa convocado pela Garantia de Lei e Ordem, e
minimizou o motim dos policiais, alegando que a GLO não foi feita para
enfrentar motins, mas apenas para garantir a tranquilidade das ruas. Ora, o
primeiro ponto de justificativa de uma GLO é justamente a possibilidade de
motim das políticas estaduais.
Depois,
não reagiu contra a ordem de Bolsonaro, de interromper a intervenção antes do
final da greve. Só voltou atrás quando os governadores ameaçaram enviar suas
tropas para conter os amotinados.
Ameaças a Glenn Greenwald
Mais
um episódio em que invocou a LSN contra adversários, no caso um jornalista no
exercício do seu trabalho profissional.
Cena 3 – por que é
poupado pela Globo?
A
condescendência com que é tratado pela Rede Globo é a comprovação maior de que
a defesa da democracia é apenas um instrumento de luta política, quando o
déspota de plantão não satisfaz.
Alguns
poderiam interpretar que é uma prova de má consciência, pelo apoio dado a Moro,
quando se tornou peça central da campanha do impeachment.
Mas,
se houvesse intenção, haveria um episódio de corte, para justificar a mudança
de posição: a própria indicação de Moro para Ministro da Justiça do governo que
ele ajudou a eleger.
É
evidente que Moro é tratado como exército de reserva político, em função do seu
atual nível de popularidade, amplamente turbinado pelo Jornal Nacional.
Essa
é a grande desgraça nacional. Não existe convicção democrática, mas uso
oportunista do discurso, dependendo das circunstâncias. A mesma voz que
estuprava a democracia passa a ser sua defensora. E, dependendo das
circunstâncias, amanhã voltará de novo a namorar o estado de exceção. E a
hipocrisia nacional fingirá que há sinceridade nos dois momentos.
Do
GGN