quarta-feira, 24 de agosto de 2022

CIRO INSOSSO, FAZ ENTREVISTA SEM EMOÇÃO NO JN. POR FERNANDO BRITO

Parece que a influência do marqueteiro João Santana conseguiu domar o “pavio curto” de Ciro Gomes. Mas o resultado disso foi um Ciro “certinho”, mas insosso.

Expôs um programa de governo algo onírico, que pode encantar gente do famoso Reino da Quinta Essência que Rabelais descreveu como aquele em que se desenhava na água e media-se o salto das pulgas.

A ideia de que um presidente sem base parlamentar vá aprovar plebiscitos a torto e a direito, que dependem de aprovação congressual. E que, recordemos, significa uma renúncia de deputados e senadores a seu monopólio legislativo.

Disse que quer apenas 4 anos, sem reeleição, mas quer moldar o Brasil por três décadas. Quer um benefício de mil reais para dezenas de milhões de famílias, todas as que são pobres no Brasil, mas não fala de salário mínimo, Fala de transformar a educação brasileira numa das melhores do mundo, mas não fala como. Não menciona a saúde, não falou de habitação, não tocou – exceto por uma menção a um suposto sistema inglês – num de seus pontos fortes, o enfrentamento ao endividamento das famílias.

Mas foi, reconheça-se, uma entrevista programática, ainda que de um programa distante das aflições diárias das pessoas. Até ameaçou falar da fome, mas o fez sem emoção, uma imensa chance desperdiçada, como quem ali, no início do programa, é o mesmo que chutar sem força uma bola livre, na marcado pênalti.

Ajudou-o, com certeza, a pouca ou nenhuma disposição de William Bonner e Renata Vasconcelos em desconstruir uma candidatura que, até para seus próprios eleitores, é apenas uma “escala” para um voto em Lula no 2° turno. Simples: a demolição de Ciro ajudaria uma eleição de um turno só e uma vitória de Lula com muito mais força política.

É por isso que não se fez a pergunta óbvia: a de porque a 3a. Via, ele inclusive, não decolou e a população enxerga um Lula ou Bolsonaro como a escolha necessária.

Ciro ficou onde está, numa opção de 2° voto da esquerda, sem contato com o povão. Pode, no máximo, ter mais uma semana ou duas de soro, mas segue minguado, pouco sanguíneo, incapaz de despertar animação.

Tijolaço.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

O CORAÇÃO DE D. PEDRO NO LUGAR DO QUE BOLSONARO NÃO TEM. POR FERNANDO BRITO

Na manhã desta segunda-feira, assistiremos o mórbido espetáculo da recepção, por Jair Bolsonaro, do coração de D. Pedro, trazido numa espécie de vidro de conserva desde a igreja da cidade do Porto, no que seria parte das nossas “comemorações” do bicentenário da Independência.

Não é necessário tratar da estupidez que é tratar assim de um personagem que a memória história deveria colocar num lugar melhor do que num vidro de azeitonas que é levado a atravessar o Atlântico para atender conveniências políticas, o que já lhe fizeram antes aos ossos, despejados num caixote para o fervor patriótico que a ditadura achou que deveria dar aos 150 anos do Ipiranga.

Melhor refletir sobre o fato de Jair Bolsonaro precisar buscar um coração já pálido dos quase dois séculos sem bater para que se simbolize nele o coração que lhe falta vibrar por este país.

É, porque alguém que leva a mão ao peito pelo hino, que saúda em continência a bandeira e que acha que verde-amarelo serve para afirmar a nação no que é possível, os jogos de futebol, não tem de fato o coração de que o Brasil precisa, aquele que se aperta ao ver irmãos com fome, gente tiritando de frio, crianças pelas quais a mãe nos pede comprar um doce, garotos lançados ao crime…

Presta-nos um coração que não se aperta diante de 680 mil mortes, diante das quais só empurra à boca um “e daí, eu não sou coveiro?”. Serve-nos um coração que, em suprema contradição à vida que simbolizaria, cultua a morte?

Talvez por isso Jair Bolsonaro tenha se empenhado tanto em trazer de volta ao Brasil, por alguns dias, o coração de Pedro I.

Se as normas de conservação o permitissem, levantaria com se fosse seu o troféu dourado que o contém como fez Emílio Médici com a Jules Rimet, em 1970, apossando-se das glórias alheias para simbolizar as que não tem.

Ou, neste caso, do coração que o atual presidente não tem, não só para bater pelo povo que porcamente governa mas, pior, nem mesmo pelo país que chega aos 200 anos de existência autônoma, ou declaradamente assim.

Jair Bolsonaro arruinou a festa do bicentenário de nossa independência como arruína tudo em que toca, ao transformá-la num festim mórbido e não no borbulhão de vida que há num povo resistente, sofrido, mas, ainda assim, decidido a defender seu direito – mais que isso, seu destino – a amar e ser feliz.

Laços fora, gritou Pedro; Fora Bolsonaro, grita o Brasil.

Tijolaço.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A SITUAÇÃO CONFORTÁVEL DE LULA NO DATAFOLHA, POR LUIS NASSIF

Em relação ao sexo, Lula vence entre os homens por 39 a 30 e entre as mulheres por 37 a 22.


Consulado Geral de Portugal

A última pesquisa do DataFolha traz uma situação relativamente folgada para Lula, em relação a Bolsonaro.

Vamos a alguns recortes. Em uma das tabelas, a pesquisa desdobra em diversos grupos. Por exemplo, junto à População Economicamente Ativa, Lula tem 10 pontos de vantagem. Mas junto aos assalariados com registro em carteira, apenas 6 pontos. Quando o assalariado não tem registro, a diferença aumenta para 19. Entre desempregados, a diferença vai para 26. Mas entre empresários, a diferença é de 27 em favor de Bolsonaro.

Esses dados mostram que a situação econômica dos entrevistados têm peso efetivo nas suas preferências.

No recorte por renda, Lula tem ampla vantagem entre os que ganham até 2 salários mínimos – 41 a 20. Empata com quem ganha entre 2 e 5 SM – 32 a 31. E perde pára quem ganha entre 5 e 10 SMs (30 a 42) e mais de 10 SMs (30 a 39).

Por região, vence em todas as regiões, com exceção do Norte – onde há empate técnico. Entre as religiões, perde entre evangélicos (26 a 37), mas vence entre católicos (42 a 23) e espíritas (45 a 25).

Ponto relevante é a pergunta sobre o segundo candidato em que o eleitor votaria. O primeiro lugar é de Ciro Gomes – justamente por ter baixa votação como primeiro candidato. Mas, depois dele, Lula tem 19 das preferências e Bolsonaro 14. O que significa que a saída dos demais concorrentes poderá acrescenter mais 5 pontos ao eleitorado de Lula.

A taxa de rejeição de Lula também é inferior à de Bolsonaro. No primeiro turno, 53% não votariam em hipótese alguma em Bolsonaro, contra 38% em Lula.

Na segmentação por sexo e por idade, Lula vence em todos os segmentos, com mais distância em quem tem ensino fundamental (46 a 20), e menos em que tem ensino superior (34 a 31).

Em relação ao sexo, Lula vence entre os homens por 39 a 30 e entre as mulheres por 37 a 22.

GGN.

sábado, 13 de agosto de 2022

A SUJEIRA MAL COMEÇOU, POR FERNANDO BRITO


 

O pedido de vistas – ou de adiar para “perder de vistas” – do ministro André Mendonça para o “pacote” de recursos com que Jair Bolsonaro e outros bolsonaristas acusados de fakenews, abusos funcionais e atos antidemocráticos é só uma desnecessária prova de que não há qualquer possibilidade de um “acordão” para tentar pacificar as relações entre Executivo e Legislativo até a realização de eleições.

Salvo se – e ainda há ministros que não se convenceram de que é exatamente assim – o Judiciário abdicar de seus poderes e aceitar ficar como tutelado, verdadeiro “puxadinho” do Palácio do Planalto, é impossível entendimento com que faz do crime político o seu método de atuação.

Pelo STF, nada mais acontece até o dois de outubro, e não só porque os seus terrivelmente submissos indicados – André Mendonça e Kássio Nunes Marques são figuras sobre as quais, se alguma dúvida pairar, não será a de sobre seu comportamento obediente aos interesses presidenciais.

O foco, agora, é o Tribunal Superior Eleitoral, onde não se vislumbra uma situação em que algum ministro, ao menos abertamente, preste-se ao papel de watch dog do Planalto e onde os ritos, ao tratar-se de campanha eleitoral, são muito mais sumários.

É por isso que não se deve esperar qualquer moderação do bolsonarismo, entulhando o TSE de reclamações contra a campanha de Lula, como forma de inibir que a oposição possa haver-se livremente na campanha e usando a recusa de providência em tal ou qual ação como justificativa a que não se aja em outra, muito maior e evidentemente transgressora.

A única forma de minimamente conter o avanço das agressões bolsonaristas é, portanto, que a campanha de Lula se inicie com muita prudência em relação às críticas – portanto ninguém se espante se ela começar com as história de progresso de pessoas e comunidades nos governos do petista, para poder ir logo testando a disposição do Tribunal em conceder “direito de resposta” aos ataques que, apesar dos pedidos dos marqueteiros, virão logo nos programas inaugurais de Bolsonaro.

A conversa de que Bolsonaro estaria pretendendo “paz nas eleições” é fiada e mal fiada, porque já vai começar com um teatro de comoção da tropa, revivendo o episodio da facada em Juiz de Fora.

Vai ser jogo bruto e sujo.

Tijolaço.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

ATOS DE ONTEM INVERTERAM A INICIATIVA POLÍTICA, POR FERNANDO BRITO

Terminadas os atos que marcaram a leitura da carta pela democracia, algumas impressões ficam nítidas.

A primeira delas é, sem dúvida, que foi um momento de reversão das iniciativas políticas, diferente das muitas outras manifestações antibolsonaristas que tivemos, até com mais gente na rua.

Até agora, seja com seu “pacote de bondades” eleitoreiras, seja na ameaça de um Sete de Setembro golpista, quem pautava a campanha era Bolsonaro.

A natureza política das manifestações de hoje foi diferente das outras mobilizações contra Bolsonaro e isso é fácil de se constatar pelo comportamento da grande mídia e dos agentes econômicos e organizações da sociedade civil, aderindo aos atos de maneira que jamais fizeram nos anteriores.

Bolsonaro fez a eles o que seus promotores não fizeram: atrelaram as manifestações à campanha de Lula e, se algo conseguiram com isso, foi mostra que a rejeição ao ex-presidente nas camadas médias da população é menor, muito menor, do que ao atual.

Importantíssimo para Lula, num momento em que Bolsonaro, com a chuva de “bondades” algum farelo consegue entre os mais pobres, ainda que o favoritismo do candidato petista siga sendo enorme entre eles.

O movimento provocado pela carta democrática, nenhuma dúvida há, mobilizou segmentos importante da classe média e gente que, para eles, é referência, como é o caso dos artistas e intelectuais, formadores de opinião. Não decidem eleição, é certo, mas ajudam a formar círculos concêntricos que, como uma pedra no lado, vão espalhando ondas. São superficiais, mas movimentos muito importantes se bem próximo das eleições.

São, também, uma “vacina” contra as mobilizações que os bolsonaristas preparam e dão a assinatura do que significam: se os de hoje são pela democracia, os de Sete de Setembro, ainda que iguais ou até maiores, serão contrários.

Vamos ver estas demonstrações de massa se multiplicarem nos atos de campanha, pela quebra do imobilismo que, devemos reconhecer – tem marcado uma boa parte do período pré-eleitoral.

E nós precisamos, por isso, estar prontos para mais e maiores atos, que sirvam para mostrar que atropelar a democracia não será fácil para os fascistas.

Tijolaço.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

“POSTO IPIRANGA” NA CAMPANHA DE 2018, GUEDES É ESCONDIDO POR BOLSONARO EM 2022

Se antes economista era tido como suposto solucionador de problemas, mandatário encerra ciclo com crise galopante.

Bolsonaro e Guedes tentam coagir o Congresso para liberar dinheiro desnecessário - Antonio Cruz/Agência Brasil.

Mencionado constantemente como nome de destaque na campanha eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro (ex-PSL e hoje PL) em 2018, em que ficou conhecido pelo apelido de “Posto Ipiranga”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem sido apagado das menções do chefe do Executivo em meio aos discursos e agendas que miram o pleito de outubro deste ano.

Chamou a atenção nesse cenário, por exemplo, a ausência de Guedes do palanque de Bolsonaro quando a chapa foi oficialmente lançada pelo PL, no último dia 24, no Rio de Janeiro (RJ). O ministro não compareceu ao evento, cujo palco foi marcado inclusive pela presença de lideranças do centrão.

Um levantamento feito pelo portal Poder 360 comparou o discurso do presidente no evento do PL deste ano com a retórica adotada quando Bolsonaro se lançou candidato ao Planalto em 2018. Guedes esteve entre os nomes mais citados há quatro anos, mas, em 2022, a predominância foi para figuras políticas como a deputada e ex-ministra da Agricultura de seu governo, Tereza Cristina (PP-MS), figura de peso na bancada ruralista, e para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do centrão.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), não é possível separar o fracasso e o sumiço de Guedes da ascensão do centrão, grupo de direita liberal que é maioria no Congresso e controla o chamado “orçamento secreto”. A parlamentar entende que a musculatura política que o segmento adquiriu nos últimos anos ajudou a reduzir o poder e a influência do ministro da Economia junto ao presidente da República.  

“É um governo que está terceirizado nas mãos de um setor fisiológico que tenta manter o governo para continuar mandando, mas, objetivamente, a tendência é um processo de demonstração que se faz com políticas de pequeno fôlego, que não resolvem o problema da população, e o governo se desmoralizou.

O ministro perdeu prestígio em meio ao conjunto de problemas que hoje marcam o cenário socioeconômico nacional. Destacam-se principalmente os índices históricos de desemprego, o descontrole inflacionário, o crescimento da miséria entre as faixas de renda menos favorecidas e a volta do país ao chamado “Mapa da Fome”, elaborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação da Agricultura (FAO). Diante de uma crise socioeconômica galopante, restou a Guedes a antipatia de distintos setores da economia.

Agenda

O ministro passou a incomodar também grupos neoliberais que esperavam uma agenda mais aprofundada do ponto de vista desse modelo econômico. Isso foi ampliando, aos poucos, o descrédito do mandatário junto a segmentos como o mercado financeiro, por exemplo.

Entre outras coisas, o então “Posto Ipiranga” de 2018 havia se comprometido a aprovar reformas de caráter estrutural, como a tributária, mas a pauta ainda não teve oxigênio suficiente para ir até o fim do trâmite legislativo e empacou no Congresso.

 “Guedes não é um ministro habilidoso politicamente. Ele não sabe lidar com aquele jogo do centrão, do Congresso Nacional. Ele não é um economista tecnicamente competente, mesmo admitidas as premissas neoliberais”,  observa professor Francisco Tavares, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que se dedica a temas como sociologia fiscal, entre outros.

O ministro também havia dito, em 2018, que venderia todas as estatais do país. No entanto, para a felicidade de opositores e segmentos da sociedade civil do campo progressista, o governo não conseguiu avançar na cartilha para além da privatização da Eletrobras, que foi finalizada em junho deste ano a uma bagatela de R$ 33,7 bilhões.

“Em que pese o fato de não terem ocorrido privatizações significativas, o Estado tampouco investiu. A taxa de investimento público no Brasil é uma das menores de todos os tempos da nossa República”, acrescenta Tavares.

O professor Frederico Gonzaga Jayme, da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também avalia o mau desempenho do governo em outros aspectos: “Do ponto de vista econômico, o Paulo Guedes não conseguiu entregar absolutamente nada em termos minimamente sociais. Do ponto de vista dos interesses do grande capital, teve a reforma da Previdência, por exemplo, mas não foi ele que entregou, e sim o Congresso”, lembra.

Francisco Tavares pontua que o ministro da Economia também não conseguiu entregar para o próprio Bolsonaro resultados provisórios eleitoralmente vantajosos e medidas de curto prazo que pudessem impulsionar o governo mesmo sob a manutenção do receituário neoliberal.

“Nesse sentido, já não há mais nenhuma vantagem pro Bolsonaro em se utilizar desse nome. Ele [o presidente] consegue conquistar o latifúndio improdutivo por si só, por exemplo, e não precisa de uma figura que é politicamente desastrada e tecnicamente incompetente”, avalia o professor da UFG.  

A jornada de Guedes no governo também foi marcada por episódios como a debandada ocorrida no ministério em outubro do ano passado, quando Bruno Funchal e Jeferson Bittencourt, então secretário especial do Tesouro e Orçamento e secretário do Tesouro Nacional, respectivamente, pediram exoneração dos cargos.

Pegaram o mesmo bonde a secretária-adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e ainda o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo, que também se demitiram. Apesar de os quatro terem alegado oficialmente motivações pessoais, a iniciativa foi associada à insatisfação do grupo com a má gestão fiscal do país. A questão já vinha sendo apontada nos bastidores como um dos principais pontos de descontentamento da equipe com a gestão.

O professor Frederico Gonzaga Jayme destaca o peso negativo que as políticas de Guedes tiveram no cenário nacional nos últimos tempos e qualifica a gestão como “desastrosa” em aspectos como inflação, políticas públicas e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

“Nada deu certo do ponto de vista econômico, então, nada mais razoável também do que o Bolsonaro deixar um pouco de lado nesta eleição o Paulo Guedes, que não deu o retorno esperado, porque, obviamente, um governo de extrema direita precisaria de algum retorno que desse um verniz de razoabilidade ao governo, mas nada disso aconteceu”.

Jayme faz ainda uma ligação entre o ofuscamento de Guedes e as políticas apontadas como eleitoreiras das quais a gestão tem lançado mão neste momento que antecede o pleito de outubro. É o caso do aumento das parcelas do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, da ampliação do valor do vale-gás e da criação de um benefício específico pra taxistas, todas elas válidas até o fim do ano.

“Com a popularidade muito baixa, é o momento de ele tentar fazer algum tipo de política de aumento do gasto público de uma maneira pouco comum na estrutura das regras vigentes, inclusive da Lei de Responsabilidade Fiscal, pra tentar reverter essa situação. Isso vai totalmente contra tudo o que propõe o Guedes, então, estrategicamente, é melhor que ele tente mantê-lo mais distante mesmo.”

B de F.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

BANCOS, INDÚSTRIA E SETORES DO AGRO SE AFASTAM DE BOLSONARO ANTES DA ELEIÇÃO

Empresários e entidades setoriais assinam manifestos contra golpe e são criticados por presidente, que se diz perseguido.

Bolsonaro perde apoio de parte da elite a dois meses do primeiro turno das eleições - Sergio Lima / AFP

Faltando menos de dois meses para a eleição, empresários ligados a bancos, à indústria e até ao agronegócio estão cada vez mais afastados politicamente de Jair Bolsonaro (PL). Após um desempenho ruim da área econômica do governo e de discursos golpistas do presidente, entidades patronais de diferentes setores assinaram cartas em favor da democracia e acabaram virando, inclusive,  alvo de críticas de Bolsonaro.

O distanciamento vem tomando forma há mais de dois meses, ainda antes do surgimento dos manifestos em defesa das eleições, mas já motivados por questões eleitorais.

Em junho, por exemplo, a Folha de S.Paulo noticiou que Paulo Skaf, ex-presidente da Federação das Indústria dos Estado de São Paulo (Fiesp), afirmou a aliados que se sentia traído pelo presidente justamente por falta de apoio à sua candidatura ao Senado. Skaf foi aliado próximo de Bolsonaro e chegou a ser nomeado para o Conselho da República.

Já em julho, foi a vez do empresário do ramo do agronegócio Elusmar Maggi criticar Bolsonaro. Elusmar é sócio da Bom Futuro, irmão do empresário Eraí Maggi, conhecido como "rei da Soja", e primo do ex-ministro de Michel Temer (MDB), Blairo Maggi. Ele se posicionou após críticas de agricultores de Mato Grosso à uma aliança de candidatos ligados ao setor com o Partido dos Trabalhadores (PT) no estado.

"Que fria esse presidente [Bolsonaro]. Se esse ele fosse bom, ele teria dado uma verba como o PT deu para fazer armazéns", afirmou, em áudio reproduzido pela imprensa. “Esse presidente é muito ruim de serviço. Esse presidente motoqueiro, que não passa de um simples motoqueiro e que ainda dá mau exemplo para a nação.”

O agronegócio é um dos setores mais identificados com Bolsonaro e ao qual o presidente mais dá atenção. Segundo levantamento publicado pelo site Poder360, desde que lançou sua pré-candidatura à reeleição, em 27 de março, o presidente esteve 15 vezes com empresários do agro. Ao todo, nesse período, o presidente esteve com empresários de todos os setores 37 vezes – ou seja, quase metade do tempo dedicado ao agro.

Golpismo amplia distância

Também durante sua pré-campanha, Bolsonaro reforçou seus ataques às urnas eletrônicas e seu discurso contra instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF). As falas do presidente motivaram manifestos em favor da democracia. Entidades empresariais e empresários renomados aderiram a esses manifestos, contrariando Bolsonaro.

Ainda em julho, os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú-Unibanco, os empresários Guilherme Leal, da Natura, Horácio Lafer Piva, da Klabin, assinaram um documento elaborado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Hoje, esse manifesto já tem mais de 740 mil assinaturas.

Dias depois, foi a vez da própria Fiesp anunciar que estava elaborando a sua carta em favor da democracia. O documento ganhou a adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP), da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e das principais centrais sindicais.

Bolsonaro menosprezou a iniciativa. Primeiro, lembrou que o atual presidente da Fiesp, Josué Gomes, é filho de José Alencar, falecido vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje candidato à Presidência. Depois da adesão da Febraban, disse que o manifesto era uma reação dos bancos à uma perda de lucro por conta do lançamento do Pix durante seu governo. Essa perda nunca ocorreu.

Por conta da carta elaborada pela Fiesp, Bolsonaro cancelou uma visita à entidade à qual ele mesmo havia marcado para o dia 11. Nessa visita, ele se reuniria com empresários e seria convidado a assinar o manifesto da entidade, o qual ele critica.

Nova relação

Bolsonaro foi eleito com apoio do empresariado e seu esforço para a aprovação da Reforma da Previdência, por exemplo, foi bem-recebido pelos donos de empresas. Os bancos têm registrado lucros recordes neste governo e têm sido beneficiados por medidas de estímulo ao crédito proposta pelo governo, como a concessão de empréstimos consignados vinculados inclusive ao recém-criado Auxílio Brasil.

Segundo o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a relação entre os donos do capital e o governo nunca esteve tão ruim basicamente por dois motivos: primeiro, porque a economia, no geral, vai mal; segundo, porque eles sabem que qualquer tentativa de golpe pioraria ainda mais a situação.

"O empresariado percebeu que se trata de um governo desastroso. Não há interesse do empresariado em estar num país com um governo desastroso", explicou Couto. "Também não há interesse numa ruptura institucional."

Segundo Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma parte dos empresários, principalmente ligados ao setor industrial, parece estar mobilizado pela criação de uma política de desenvolvimento do país. O governo Bolsonaro não se movimentou para isso. Por isso – e pensando na sobrevivência de seus próprios negócios – eles parecem buscar um novo presidente.

"Um projeto de desenvolvimento para o Brasil que precisa ser um projeto que em primeiro lugar respeite a democracia", disse ela, analisando o movimento da Fiesp, por exemplo.

André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrou que o empresariado tem interesses heterogêneos. Ele concorda que empresários se afastaram de Bolsonaro recentemente, mas disse que o presidente ainda tem apoio de setores do comércio, do agronegócio e do mercado de capitais.

"Muita gente está lá na Faria Lima que sentem que seu patrimônio melhorou", disse. "Eles ainda confiam no Bolsonaro e na agenda econômica que o ministro Paulo Guedes representa."

A última pesquisa sobre intenções de voto divulgada pela Quaest e financiada pelo Banco Genial, por exemplo, aponta que, entre as pessoas que têm renda familiar acima de cinco salários mínimos (cerca de R$ 6 mil), Bolsonaro lidera a corrida presidencial e ganha cada vez mais votos. Em janeiro, ele tinha 27% das intenções. Neste mês, tem 45%.

B de F.