A
ideia até parece engenhosa. Se as buscas policiais não encontraram recibos do
aluguel de um imóvel usado por Lula, bastaria desenvolver uma narrativa
incriminadora cuja contestação dependesse dos tais documentos. Afinal, os
delatores servem exatamente para atar os fios soltos do PowerPoint.
Os
heróis da Lava Jato estavam tão convictos na infalibilidade da estratégia que
não lembraram que o mandado da Polícia Federal se restringia a papéis de outro
inquérito. Iguais a jogadores neófitos, subestimaram os adversários, blefaram
na hora errada e transformaram um lance trivial numa série de tropeços juvenis.
Recapitulemos
brevemente os lances da partida.
1)
Os procuradores cobram os recibos. 2) A defesa fornece cópias. 3) Os
procuradores divulgam papéis com erros e, incentivados pela mídia, apostam
alto. 4) A defesa cobre a aposta e deixa que a questão dos recibos vire o
centro da teoria acusatória. 5) O Ministério Público acusa a falsidade
ideológica, jogando nela todas as suas fichas. 6) Só então a defesa afirma ter
periciado os documentos e exige condições para apresentar os originais.
É
um caso clássico de esperteza que engoliu o sabujo. Acostumados aos confortos
da pós-verdade coercitiva, os procuradores achavam que os recibos deixariam de
existir apenas porque isso convinha à trama do Lula falsário. Terminaram
enredados numa comédia em que os próprios acusadores ajudam o réu a
desmoralizá-los.
Cabe
salientar que a trapalhada não confirma nem desacredita o efetivo pagamento do
aluguel ou a lisura das cópias apresentadas. A questão é que o MP engasgou,
deixando no ar uma dúvida que, no desequilíbrio de forças em disputa, só
favorece o acusado. E nunca é demais lembrar que essa ninharia imobiliária
deveria esconder um hipotético desvio de imensas fortunas ilegais.
A
ingenuidade presunçosa do MP conseguiu estremecer toda a linha de trabalho da
perseguição a Lula. Desqualificou os informantes. Colocou a questão das provas
materiais em destaque. Forneceu um triunfo simbólico à defesa e,
principalmente, permitiu a ela constranger Sérgio Moro na delicada seara ética. Em resumo, demonstrou um
amadorismo que decerto embaraçou muitos profissionais tarimbados do Judiciário.
Vivêssemos
sob um regime jurídico “normal”, talvez Moro fosse obrigado à vexatória
absolvição do desafeto. Mas, sob um regime jurídico “normal”, ele já teria sido afastadode qualquer processo envolvendo
Lula. Por isso, apesar da agressão ao bom-senso, não acredito em reviravoltas
na primeira instância.
Resta
observar como serão os desdobramentos do episódio. Por um lado, a questão das
perícias, que não apenas terá grande influência nas etapas recursais, mas também pode
causar danos à própria Lava Jato. Por outro, a nova tática do MP, a um passo de
ver seus delatores caírem em desgraça, precisando urgentemente das provas que
ele mesmo exigiu.
De
qualquer forma, quanto maior o silêncio da mídia a respeito, mais eloquente é o
sinal da importância que o assunto vem ganhando nos bastidores.