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quarta-feira, 5 de julho de 2017

A Polícia Federal na era das tecnologias de rede, Nassif

A física do crime organizado
Algumas conclusões importantes, na entrevista com o delegado Bruno Requião.

Formado em física, com mestrado pela Unicamp e em conclusão do doutorado na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Bruno trabalha em uma das áreas científicas da Polícia Federal: os estudos sobre Teoria de Redes e Sistemas Complexos, novo ramo da ciência que está sendo aplicado em vários campos, como biologia, física, ciências sociais.

Seu trabalho consiste em analisar grandes bancos de dados visando tirar conclusões e linhas de investigação.

Trabalhou por anos com repressão a entorpecentes e inteligência policial em regiões de fronteira.

Mais recentemente vem trabalhando com crimes cibernéticos na Delegacia de Defesa Institucional na Superintendência da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, onde, em especial, se destacaram em 2014 e 2016 a Operação Darknet fases I e II de combate à pedofilia virtual na Deepweb.

Da entrevista concedida ao GGN, destacam-se as seguintes informações.

Os sistemas complexos
A pesquisa consiste em trabalhar grandes bancos de dados e levantar as conexões entre as pessoas. Primeiro, as vezes que se comunicam entre si. Depois, incluem-se aspectos qualitativos: afinidades familiares, sociais, profissionais, etárias etc.

Um dos pontos centrais da pesquisa é a identificação das peças-chaves em cada organização, e que quase nunca é o cappo. Suponha-se uma pessoa que faça o meio de campo entre o PCC e o Comando Vermelho. Do ponto de vista de teoria de redes o mais relevante é a pessoa que faz o meio campo entre ambas as organizações.

Os conselheiros da máfia, os contadores, os planejadores, são mais relevantes para a organização do que os chefes, pois elas podem se reorganizar rapidamente em caso de desmantelamento da chefia. Geralmente são funções especializadas, que não são facilmente substituíveis.

Aqui, um exemplo de como são as pesquisas na área:

O empreendedorismo no tráfico
Aproveitei a descrição dele para especular sobre um ponto que levantei aqui, meses atrás, por ocasião dos massacres nos presídios do Norte.

Imaginando o tráfico como um ambiente econômico, ele é constituído de diversas especialidades independentes entre si:

·       A plantação da coca

A especialidade consiste no acesso aos plantadores.

·       O refino

Exige o acesso à coca e a produtos químicos.

·       A logística

O transporte da planta para o refino, do refino para os grandes atacadistas

·       A venda no atacado

Não basta ter o meio de transporte. Tem que ter os canais de venda aos atacadistas.

·       O controle do varejo em cada ponta

A distribuição aos vendedores finais, que podem estar ligados as grandes organizações criminosas, como PCC e CV, ou a grupos menores locais.

·       O acesso aos investidores

Toda essa operação exige investidores. Quem faz o meio campo entre os investidores e as demais pontas são os doleiros.

Têm-se aí, um ambiente econômico que permite um empreendedorismo dinâmico, com competências estabelecidas, possibilidade de terceirização e perspectivas de ganhos astronômicos. Essa possibilidade aumenta as suspeitas sobre helicocas e assemelhados. Ou seja, entradas e saídas rápidas do mercado, para vendas de oportunidade.

Lembrem-se que, com os avanços da Internet, em pouco tempo Telexfree conseguiu mobilizar uma cadeia nacional de estelionatários.

Bruno lembrou que na Holanda os investigadores se deram conta de que, bastava desbaratar uma quadrilha para outra surgir rapidamente ocupando o espaço. E se deram conta de que nasciam justamente dessa soma de competências. Como a maconha, por lá, é cultivada em estufa, a rede se recompunha com especialistas em eletricidade e funções correlatas.

Por aqui, se avança pouco pela incapacidade da Justiça, Polícia Civil e Ministério Pùblico de avançar além das mulas. Fingem que combatem o tráfico, pescando lambaris e deixando soltos os tubarões.

As dificuldades brasileiras
Há dois grandes problemas na repressão ao narcotráfico. O primeiro, é a pouca disposição de juízes e procuradores de alcançarem os cabeças, em muitos casos pessoas influentes, com expressão na economia formal. Contentam-se com os bagrinhos. Toda ação contra redes criminosas, se feita de maneira aleatória, não tem efeito algum.

O segundo problema é a burocracia. Façam modelos de gestão que agilizem as colaborações entre instituições. Qualquer pedido de colaboração dura uma eternidade.

Sobre os especialistas em bancos de dados
As pesquisas em bancos de dados e as analises de rede são o primeiro passo para a investigação. Nada substitui o trabalho de campo, a busca de provas. No entanto, por falta de pessoal e excesso de demanda, muitas investigações se limitam apenas  a essa primeira parte do trabalho, muitas vezes insuficiente para a investigações.

Observação minha: é o caso típico da Lava Jato, cujas investigações parecem se basear exclusivamente na indução na delação premiada, na analise de bancos de dados e nas correlações enfiadas a martelo nos inquéritos.

A probabilidade na acusação
Teorias probabilísticas são relevantes para conferir foco às investigações. Mas quando se utiliza a teoria da probabilidade para condenar réus? Essa inovação consta da última peça da Lava Jato visando condenar Lula no caso do triplex.

Indaguei em tese ao Bruno.

Ele se considera um cientista. E, como tal, busca a verdade objetiva. Ele se diz não especialista em direito. Mas valer-se de teorias probabilísticas para apontar culpados, em sua opinião, é desvirtuar completamente.

GGN