O tecido político está
se rompendo. Daqui a pouco será cada um por si. Eles conseguiram sabotar a
democracia brasileira na sua mais delicada essência pós ditadura: a organização
social.
O rescaldo de ódio
acumulado que perdura, embora menor que há dois anos, é suficiente para
alimentar a fantasia da imprensa e os interesses do PSDB. Termos, portanto, que
reunir forças para fazer uma travessia. Será mais uma travessia histórica
duríssima que a elite brasileira nos deixa com herança.
O julgamento de Lula
mudou a realidade dos fatos. A força política da esquerda que ia se recompondo
aceleradamente sofreu o seu mais duro golpe da história. Foi quase uma
decapitação.
Aqui, vale um alerta e
uma análise expressa. Muita gente pode estranhar a suposta e aparente
"guinada" da minha posição. Na verdade, não há guinada. Quando a
realidade muda, muda-se a leitura da realidade. Não tem como escapar disso, se
a leitura tem como base dados empíricos e discursivos.
Em momentos assim - de
inflexão da realidade sócio-política -, algumas pessoas mobilizam imediatamente
seus "argumentos" tímicos: otimismo versus pessimismo. Ah, você é
pessimista. Ah, você é otimista.
Se pudéssemos reunir os
piores tipos de argumento de uma sociedade, certamente, eu votaria no argumento
- que não é um argumento - 'pessimismo versus otimismo'. Talvez, isso seja tão
óbvio que eu nem deva tocar no assunto, correndo o risco de parecer ingênuo - o
que, a rigor, é outro não-argumento muito popular na praça.
Desfilar adjetivações
desta cepa - ingênuo, otimista, pessimista - é um desserviço ao debate público
que, se fosse dotado de desejo próprio, certamente gostaria muito de voltar a
ter alguma importância estrutural num país como o nosso.
Digressão encerrada,
concluo reiterando: o tecido político está se rompendo neste exato momento.
Declarações confusas, falta de unidade, desespero, apatia, tensão, medo e
derrotas judiciais sistemáticas (por mais infundamentadas que sejam).
Há o imponderável,
claro. A questão aqui não é "acertar" uma previsão. Eu não sou
vidente, sou linguista. Pode acontecer, portanto, qualquer coisa. Podemos ter
uma liderança nova que surpreenda. Podemos ter o filme sobre Dilma Rousseff
vencendo o Festival de Cinema de Berlim e se tornando uma denúncia mundial.
Podemos ter a imprensa
estrangeira engrossando o coro contra o golpe brasileiro. Podemos ter os
intelectuais e artistas americanos encampando em uníssono uma campanha global
pela volta da democracia no Brasil (se houvesse um brasileiro minimamente
razoável em comunicação internacional, este apoio já estaria em curso - é muito
fácil construí-lo, basta algum grau de inteligência e iniciativa).
Enfim, para atender um
pouco aqueles que raciocinam com base em otimismos e pessimismos, entoo um
alento: tudo pode acontecer.
Mas o tecido político -
insisto - foi rompido (está se rompendo). Esse é o dado empírico que pode
re-orientar novas ações neste momento. O que seria esse rompimento? Trata-se,
pura e simplesmente, da dispersão do discurso.
Todas as declarações de
todos os líderes políticos da esquerda nesse momento estão desencontradas.
Chega a assustar. Nem entrarei em detalhes, até porque é algo que me
entristece.
A explicação, a rigor,
é: sem Lula - o único ser político capaz de produzir enunciados dotados de sentido
político e histórico - a capacidade de análise, julgamento e mobilização do
campo progressista se estilhaça. O poder de Lula tem essa consequência
dramática. É um poder tão imenso e onipresente, que sua proscrição do processo
político provoca um vácuo assaz traumático.
Resta termos muita
atenção. Mesmo a esquerda saindo vencedora destas eleições, o cenário ficará
terrivelmente mais pobre sem Lula. Resta saber, também, como se dará essa
"proscrição" de Lula. Ela pode nem acontecer, é verdade. Mas tudo
indica que o lado 'sombrio' não vai desistir e nem poupar esforços para tal.
Tudo, realmente, pode
ser muito rápido. A "iraquização" do Brasil está em curso e é também
acelerada, com ministra de tribunal reunindo-se com representantes da Shell
para falar mal de Lula. É algo fora do comum.
Devastação, genocídios,
explosão de violência, doenças, liquidação de patrimônio público, cancelamento
de contratos, tudo isso também se desenrola com extrema rapidez e amplitude
avassaladora.
É o preciso e
definitivo momento de reinvenção do Brasil. Ou o Brasil se reinventa ou ele
deixa de existir tal como um dia foi conhecido. Uma apoteose. Uma quarta-feira
de cinzas. Uma despedida em festa, como sói acontecer em nossos
carnavais.
Do GGN