Para o juiz aposentado Marcelo Tadeu Lemos de Oliveira, não
foi surpresa a denúncia surgida de relatório do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) em torno da família Bolsonaro. O órgão,
subordinado ao Ministério da Fazenda, apontou movimentação financeira suspeita
de um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro
(PSL/RJ), o policial militar Fabrício José Carlos Queiroz. “A família Bolsonaro
foi toda construída dentro da estrutura do Estado”, afirma.
“Toda aquela retórica de anticorrupção nunca existiu. Imagine
um parlamentar com 30 anos de legislatura no estado do Rio de Janeiro e todos
esses episódios lá e nada disso ele tinha conhecimento? Claro que tinha. Agora
está provado e não só sabia como dele se utilizou”, ressalta.
Segundo Oliveira, da forma como está construído o sistema
político, todos os partidos utilizaram um caminho que não é formalmente
correto. “Ele seria diferente de quê, esse homem puro veio de onde, do Rio de
Janeiro? Família Bolsonaro pura, do Rio de Janeiro? Como é possível? Seria um
aborto da natureza”, ironiza.
Sobre o R$ 1,2 milhão movimentado pelo assessor e os valores
transferidos para a conta de Michelle Bolsonaro, futura primeira-dama, o
ex-juiz acredita que a família não vai ter como justificar. “Um ex-soldado PM,
com remuneração de 8 mil contos, como é que vai movimentar isso. Eu, como juiz
de direito, passo anos pra ter essa quantia na minha conta”, compara. “As
justificativas apresentadas até agora são fraquíssimas, acho até que vão optar em
ficar em silêncio porque não vão ter como corrigir o que está lá. Não tem
como.”
As consequências da denúncia para o presidente eleito, Jair
Bolsonaro, são muito graves, na opinião de Oliveira. “Vai tomar posse já
enfraquecido e, se precisar do Congresso para a governabilidade, vai ficar mais
caro ainda o apoio, não só para implementar as ideias macabras dele, como para
se manter no poder. Qualquer movimento que implique numa fragilidade de
apoiamento político, pode levar a uma cassação.”
Para o advogado, Bolsonaro vai tomar posse precisando mais do
que nunca do Congresso. E acha, ainda, que o ex-capitão perde força para
escolha dos presidentes (da Câmara dos Deputados e do Senado). “Estavam batendo
forte na pessoa do senador Renan Calheiros, por exemplo, na disputa à
presidência do Senado. Flavio Bolsonaro, que vai tomar posse como senador, que
tinha no seu gabinete esse PM lotado e nomeado por ele, dizia que Renan não
seria nunca (o presidente do Senado) porque afinal de contas era um homem
cheios de processos, com corrupção. E agora, Flavio?”
Nada disso, no entanto, é um acaso, na opinião de Marcelo
Tadeu. “Aparecer isso agora é uma resposta, um aviso que está sendo dado à
família Bolsonaro. Ou ele se alinha e se ajusta ou dança”, avalia. “Essa é a
opinião de quem foi magistrado por 25 anos e já foi candidato a deputado
federal, no microssistema político de Alagoas. Bolsonaro entra com a corda no
pescoço e o Congresso pode puxar a qualquer momento.”
Moral inabalável?
Agora advogando em Maceió (AL), Recife (PE) e Brasília (DF),
Oliveira diz ter “certeza” de que é muito constrangedor para Sergio Moro fazer
parte de um governo como esse. “Para quem alardeou para o povo brasileiro que
se tratava de um juiz de uma atuação do ponto de vista moral e ético
inabalável, está provado que não é”, afirma.
Ele ressalta que o ex-juiz da Lava Jato, e futuro Ministro da
Justiça e Segurança de Bolsonaro, decidiu servir a um governo “com problemas
mais graves ainda do que aquele que ele tanto perseguiu, que foi o Lula”. E
compara: “No caso de Lula é 'parece', 'seria', 'teria'”, diz, em relação às
acusações que levaram o ex-presidente à condenação. "Com Bolsonaro não é
‘teria’, mas ‘tem’, não é ‘faria’, é ‘fez’, não é ‘se corromperia’, mas ‘se
corrompeu’".
Para o juiz aposentado, Moro deveria ter vergonha e pedir
exoneração se quisesse manter a história dele. “Ou a falsa história ou o verniz
de verdade. Porque agora ele vai se desmoralizar por completo. Esse juiz Sergio
Moro nunca me enganou.”
Nesta segunda-feira (10), após quatro dias das denúncias
originadas no relatório do Coaf – que inclusive ficará subordinado à sua pasta,
Moro afirmou que os fatos precisam ser “esclarecidos” e que seria
“inapropriado”, como futuro ministro da Justiça, comentar.
“Ele (Moro) só comentava casos do Lula. Minha visão é de que
se trata de um magistrado, ou ex-magistrado, que tem o cinismo como ponto de
apresentação em sua personalidade. Ele é cínico demais!”, afirma Marcelo Tadeu
Lemos de Oliveira.
Moro teria dito ainda a uma emissora de rádio: “Sobre o
relatório do Coaf sobre movimentação financeira atípica do sr. Queiroz, o sr.
presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante
dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o
ex-assessor, ou por apuração”.
GGN/Da
RBA