Sandra
Annenberg fala da greve no Jornal Hoje.
Passei a
tarde de 28 de abril hoje ouvindo – na TV – depoimentos de cidadãos comuns a
repórteres da Globo que ficaram sem transporte em função da greve geral. O tom
da cobertura era previsível: pobres cidadãos indefesos que tiveram seu dia
arruinado pela paralização de trabalhadores, a maior de nossa história.
Parece que a
culpa pelos transtornos enfrentados pelas pessoas nas rodoviárias e nas
estações de trem e do metrô deve ser atribuída ao movimento sindical. Bobagem.
Com um mês
de antecedência, as centrais sindicais informaram ao país inteiro que os
trabalhadores iriam cruzar os braços no 28 de março. Incluía-se aí,
evidentemente, a paralização dos transportes, ação tradicional em toda
paralisação desse porte – na Grécia, na França, ou no Brasil.
Como se não
fosse suficiente, nos cinco dias que antecederam a greve geral, uma centena de
bispos da Igreja católica publicaram vídeos, na internet, convocando a
população a cruzar os braços no dia 28.
O próprio
governo federal preparou-se, reforçando o aparato policial. O mesmo fizeram as
PMs, na maioria dos estados. Anunciaram esquemas de policiamento, avenidas e
regiões liberadas e assim por diante.
O que fez a
Globo? Embora bastasse ler os jornais e dar um simples telefonema as partes
envolvidas para qualquer estagiário de jornalismo inteirar-se do que acontecia,
preferiu fingir que a greve não existia. Retirou o assunto de sua pauta,
quando, em nome do interesse público, poderia ter antecipado a situação e
alertado os espectadores.
Num clássico
exercício jornalismo de serviço, poderia sugerir providências para
enfrentar aquela emergência. Não precisava apoiar nem divulgar a paralização.
Tinha mesmo o direito de fazer críticas – ainda que estas seriam mais
aceitáveis se o Brasil não tivesse uma mídia dominada pelo pensamento único.
Em qualquer
caso, bastava não esconder de seu público que – era previsível – o
protesto teria grande adesão e era prudente tomar as providências cabíveis.
Algo que qualquer emissora de Tv, em qualquer país do mundo, aprendeu a fazer
décadas atrás. Pauta banal do tele-jornalismo norte-americano quando um
desastre metereológico se anuncia.
Mas não foi
o que ocorreu. Possivelmente embriagada com um poder de manipulação social que
possuía em tempos que felizmente não existem mais, imaginou que seria possível
impedir um fato – a greve – pelo boicote da notícia.
O vexame —
cuja origem profunda se encontra no desprezo histórico pela capacidade de luta
dos trabalhadores – se comprovou ao longo do dia.
Desprevenidos
como cidadãos que não são alertados para sair de casa com capa e guarda-chuva
em dia de tempestade, milhares de pessoas chegaram desavisadas às estações de
trem e metrô. Encontraram microfones e câmaras sempre abertas para ouvir
seus depoimentos, sendo colocados na posição de vítimas de grevistas. Com isso,
cumpriam a função política de desgastar as lideranças dos trabalhadores,
evitando reconhecer que elas indiscutivelmente expressam um ponto de vista
partilhado por uma maioria imensa dos brasileiros.
Ainda que
uma greve geral como a de ontem seja um evento particularmente grave na
conjuntura de um governo enfraquecido como Temer, é preciso reconhecer que
paralizações desse porte são eventos corriqueiros sob regimes democráticos. Ao
demonstrar que não aprendeu a conviver com elas, a Globo confirma que pouco
aprendeu com a história do país e com seus próprios erros.
Há 37 anos,
a emissora boicotava a campanha pelas diretas-já, a maior mobilização popular
da historia republicana. Chegou dizer que um comício contra a ditadura,
na Praça da Sé, havia sido uma festa pelo aniversário de São Paulo. Agora,
culpa a luta de trabalhadores, apoiada por várias forças legítimas da
sociedade, inclusive bispos da Igreja católica, pelos efeitos previsíveis de
uma opção politicamente errada de seu jornalismo. Se tivesse mesmo preocupada
com eventuais dores de cabeça que uma greve geral poderia causar aos
brasileiros, o mínimo que poderia ter feito era orientá-los a se preparar para
ela em vez de fazer o possível para esconder uma gigantesca mobilização em
curso.
Do DCM