Existe quem confunda poder e governo, embora não
os encontre entre meus esclarecidos leitores.
O poder faz os governos. Quando o povo faz o
governo chamamos democracia; quando são outras forças chamamos tirania.
Próxima à cidade de Ypres, na Bélgica, ocorreu na
noite de Natal de 1914, durante a I Grande Guerra, um fato inusitado: as forças
alemãs, francesas e britânicas, que combatiam nas trincheiras, fizeram um
cessar fogo e se confraternizaram, trocando bebidas, alimentos e fumo.
Prevaleceu sobre a selvageria irracional da
guerra o sentimento da humanidade e da fraternidade.
A respeito desse evento há o filme Feliz Natal
(Joyeux Nöel, 2005), de Christian Carion, e o ensaio de Reinaldo V. Theodoro,
"A Trégua de Natal" (Clube Somnium, 2004, ime.usp.br).
À época, o poder estava nas mãos da aristocracia,
das armas e da igreja – representado pelo príncipe Hohenzollein, pelo general
francês e pelo bispo inglês. Todos agindo como velhacos, com mesquinhez e
preconceitos, típicos destes poderes.
O tempo provocou mudança dos detentores do poder,
mas não alterou suas qualidades. O poder continua se impondo pela fraude, por
argumentos falaces, pela mentira e sempre contra a humanidade.
O povo não sabe usar sua força extraordinária da
maioria da população. Sua ação intuitiva é pela paz, pelo ato solidário.
Foi fácil levar o povo à rua pela fraternidade,
pela igualdade, pela liberdade. Embora o resultado tenha sido, nos séculos
passados, a conquista do poder pela tirania e pela hipocrisia que colocaram
seus títeres nos governos.
Foi igualmente fácil colocar o povo na rua pela
integridade moral, pela honestidade, para entregar o governo aos corruptos, aos
desonestos.
O poder das elites mais perversas e oportunistas
sempre ilude o povo.
Há, no filme referido, uma passagem exemplar
quando o bispo inglês se dirige aos soldados, alistados e recrutados, e pede:
matem em nome de Deus. Quantas vezes, caros leitores, vocês ouviram, leram ou
até viveram situações grotescas semelhantes.
Nada mudou, exceto o detentor do poder nos dias
de hoje. O poder atual está nas mãos do sistema financeiro, que denomino
sinteticamente: banca.
A banca assumiu o controle da indústria – são os
fundos financeiros os principais acionistas das corporações internacionais –, o
controle das comunicações de massa – todas as empresas e agências de notícia
divulgam os mesmos selecionados eventos e personagens, com as mesmas análises,
até com as mesmas expressões, objetivando criar um sentimento homogêneo na
população – e o controle de setores governamentais e mesmo estruturas inteiras
de governos nacionais.
E, pelas farsas de eleições
"democráticas", orientadas por atos terroristas, campanhas que são
verdadeiros linchamentos, informações incorretas, a banca vai construindo
parlamentos e governos que agem como seus executivos.
Mas este poder tem um grande inimigo: o povo, que
cresce, se avoluma, batendo às portas dos empregos, do tratamento de saúde, da
instrução, da própria existência. No Natal de 1914, éramos cerca de 1,8 bilhão
de seres humanos; em 2017 já totalizamos 7,6 bilhões.
Daí decorre o projeto de extermínio da banca. Não
só pelas guerras e conflitos que incitam pelo mundo, colocando etnias e
religiões em oposição – sabemos hoje que o "terrorismo islâmico" foi
constituído com recursos financeiros, armas e treinamento dos serviços secretos
britânico e estadunidense – mas pelas doenças que disseminam, pela miséria que
alastram (com a falta de trabalho e de distribuição de alimentos e produtos de
higiene), pelas prisões abarrotadas por uma justiça cúmplice e pela violência
nas cidades e nos campos pela soma de atos de seus governos títeres.
Muito mais do que um simples artigo seria
necessário para enumerar e descrever a maléfica ação da banca em nossos dias.
Vou ater-me a um aspecto que causa a nós, brasileiros, enorme prejuízo: a
constituição do "poder judiciário" como o capitão do mato da banca no
século XXI.
O povo, pela didática colonial que lhe é imposta
desde sempre, confunde direito, justiça e a estrutura judiciária, também
denominada "poder judiciário".
Frases imbecis como "decisão de juiz se
cumpre, não discute" soa-me como "agressão de estuprador psicopata se
aceita, não se reage" ou "ao sequestrador se paga tudo, nem se
negocia".
Tenho profunda convicção que quase todos os
juízes, desembargadores, ministros, inclusive do Supremo Tribunal Federal
(STF), tão loquazes e midiáticos, não saberiam discorrer sobre a fonte jurídica
de suas argumentações. Como se expressou antigo Procurador Geral, amigo meu já
falecido, são mero rábulas, apenas conhecem, na melhor avaliação, os trâmites
processuais.
Vou ajudá-los, sem qualquer contrapartida. Entre
os principais pensadores, que os influenciam, está o jurista alemão Carl
Schmitt (1888-1985), que tem em sua biografia a adesão ao nazismo em 1933. Na
mais de meia centena de livros que escreveu, um tem edição no Brasil: "O
nomos da Terra no direito das gentes do jus publicum europaeum"
(Contraponto – Editora PUC Rio, RJ, 2014).
Dois pontos são básicos na construção teórica de
Schmitt: o espaço e a ordem.
Sinteticamente temos no espaço o elemento móvel,
na ordem a permanência, a estabilidade; nenhum constituído pelo povo. São
imposições do poder.
O espaço – além da terra, mar, ar e além da Terra
– inclui os espaços conceituais: espaço político, das guerras, da cooperação,
dos impérios, espaços econômicos e outros.
A ordem é uma busca infindável diante do
dinamismo da vida em sociedade. Seu ideal é a estagnação, onde encontramos a
imobilidade social.
Contrariando o dístico de nossa bandeira, na ação
jurídica de nossos dias a ordem não traz progresso. Este surge da instabilidade
do espaço, conforme o nazi-jurista alemão.
O esclarecido leitor já identificou no
"poder judiciário" a submissão aos ideais de Carl Schmitt: o espaço
do império da banca – que ignora as fronteiras nacionais e zomba da soberania
brasileira – e a ordem que impede a movimentação econômica e social, mantém a
escravidão, a ignorância, a miséria.
Cabe-nos perguntar: o que deve fazer o povo para
reconquistar o espaço nacional e o progresso do Brasil?
Se o direito é o império da lei e esta se aplica
para manter a ordem, e a ordem no século XXI é a ordem monetária da banca –
como em 1914 era da coroa imperial, da espada e da sotaina – extirpar este
direito é condição para própria sobrevivência humana.
Observe o caro leitor que não estou pedindo para
tal ou qual curso de ideias ou ideologias políticas. O carrasco de hoje
enfrentará o patíbulo amanhã, apenas mudando o dono do poder.
Daí a relevância da luta por nova constituição,
que definirá o direito que represente o interesse do povo, criando instituições
que defendam o poder brasileiro, o desenvolvimento social, econômico,
científico, tecnológico do País, a proteção dos habitantes, enfim a legislação
da paz, da soberania e da cidadania.
Constatando também que o sistema judiciário
apenas defende a ordem, como conceituada por Carl Schmitt, é imprescindível
construir um novo sistema de justiça no qual o povo tenha permanente comando e
controle.
Assim, a manifestação do Natal nas trincheiras em
1914 não teria sido um fato inusitado, mas a corriqueira convivência dos povos.
E estaremos livres de poderes cada vez mais excludentes e inimigos da
humanidade.
Pelo povo, fonte de poder, contra a tirania do
financismo.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.
GGN