Cena 1 – as caçadas de Pedrinho e
de Sérgio Moro
A
história é de Monteiro Lobato no seu clássico “As Caçadas de Pedrinho”.
O
rinoceronte foge do circo e se embrenha no mato. Cria-se um pânico geral e é
montada uma força tarefa para caçar o rinoceronte. Em pouco tempo, a força tem
centenas de homens nas mais variadas funções. Instala centrais telefônicas, de
telégrafo para seus membros de comunicarem.
Por
fim, descobrem o rinoceronte vivendo placidamente no sítio do Pica Pau Amarelo.
Toca então negociar com a dona do sítio, dona Benta, com a intermediação da
boneca Emília.
Decidem
deixar o bicho por lá, mas com a condição de se manter o caso sob sigilo. Se
soubessem que o rinoceronte estava em paz, o governo teria que desmontar toda a
força tarefa criada.
De
certo modo, a história reflete a saga de Sérgio Moro e seus companheiros da
Lava Jato. Por lei, nem deveriam ser companheiros, mas cada qual na sua, a
Polícia federal investigando, o Ministério Público denunciando ou não, e o juiz
julgando. Todos se uniram irmãmente na mesma empreitada de caçar o rinoceronte,
as provas definitivas contra Lula.
Gastaram
energia, manchetes, recursos. Pressionaram testemunhas para delatar,
transformaram as delações em manchetes definitivas e, agora, descobrem que o
rinoceronte não existe. Não existe a bala de prata, a delação definitiva, a
prova irrefutável. O rinoceronte é uma miragem.
E
agora? Como fazer com as dezenas de anúncios dizendo que a caça ao rinoceronte
estava prestes a se completar, que ele seria encontrado, preso e enjaulado?
Foram três anos de caçadas de Moro, de celebrações antecipadas de vitória, de
retratos tirados ao lado do rinoceronte morto, na forma de Power Point. E
chega-se à conclusão de que o rinoceronte não existe.
Depois
de tanto carnaval, não dá simplesmente para chegar ao distinto público e
admitir que “foi engano”. Em vez de filé de rinoceronte, iriam exigir ensopado
de Moro com molho de fígado de Dallagnol.
Esse
é o dilema da Lava Jato, agora que sua hora começa a passar, sem que haja o
mínimo sinal de rinoceronte à vista.
Cena 2 – o procurador que viu o rei
nu
Ontem,
viu-se o primeiro efeito regenerador do Ministério Público Federal (MPF), já
sob os eflúvios da nova direção.
Lá
atrás, o procurador Ivan Cláudio Marx desmascarou as denúncias de pedaladas
contra Dilma Rousseff. Foi massacrado. Na oportunidade seguinte, analisando
procedeimentos abertos por conta da delação do ex-senador Delcídio do Amaral,
taxou Lula de “chefe de quadrilha”, denotando os efeitos da enorme pressão
sofrida com a decisão anterior.
Agora,
solicitou
o arquivamento de procedimento investigatório contra Lula, aberto em cima
da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, Para Ivan Marx, "não se pode
olvidar o interesse do delator em encontrar fatos que o permitissem
delatar terceiros, e dentre esses especialmente o ex-presidente Lula,
como forma de aumentar seu poder de barganha ante a
Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação."
Ivan
Marx disse o óbvio. Seguiu estritamente o que manda a lei. Como o menino da
fábula, enxergou o rei nu e teve coragem de externar sua opinião. Por que
agora, e não lá atrás? Porque o clima mudou. A fada do bom senso começa a
baixar sobre o MPF e a corporação se dá conta de que o novo normal instituído
pela Lava Jato, era insubsistente, ilegal, atentatórios aos princípios
basilares de direito.
Enquanto
isto, no Paraná, os procuradores questionam os benefícios concedidos por Sérgio
Moro a Renato Duque. Segundo os próprios procuradores, a unica contribuição de
Duque foi afirmar que "Lula sabia de tudo", comprovando, agora em
casa, a ideia fixa e falta de discernimento jurídico da operação (https://goo.gl/NGuQwQ).
Enfim,
há um vento forte varrendo os dejetos que se acumularam no MPF, no
período em que foi presidido por um Procurador Geral pusilânime.
Cena 3 – a lógica dos acordos de
leniência
À
medida em que vai se retirando as coberturas de vento colocadas pelos jovens
deslumbrados da Lava Jato, é possível entender melhor a consistência, os
conceitos centrais que fundamentam os institutos dos acordos de leniência e da
delação premiada.
Não
se pense que Deltan Dallagnol e seus companheiros sejam capazes de alguma
sofisticação analítica. O máximo que conseguem extrair das novas doutrinas são
gambiarras capazes de se encaixar nas suas narrativas e o uso despudorado do
tribunal da mídia para suprir a falta de investigações.
A
lógica dos acordos de leniência – firmado com as empresas – é torna-las “cães
de guarda” da ética empresarial. A punição pela reincidência é tão grave que, a
partir do acordo, a empresa terá que zelar pelo estrito cumprimento da lei
internamente, estendendo à toda a rede de fornecedores e clientes. Ela se torna
um cão de guarda da legalidade.
Diz
Rodriguez:
“Sob
esse ângulo, o exemplo mais fecundo para reflexão sobre a Lava Jato não seria
tanto a operação
Mãos Limpas, na Itália, mas o processo Brown versus Board of Education (Brown contra Junta de
Educação), decidido em 1954 pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Trata-se do
caso mais importante da jurisprudência constitucional americana no século 20”.
Era
um caso de segregação e exclusão social. Havia hábitos arraigados de segregação
– assim como há hábitos arraigados de corrupção nas relações empreiteiras-poder
público.
“Ao
reconhecer a uma menina negra o direito de se matricular em um colégio
localizado em distrito escolar no qual habitavam apenas brancos, a Suprema
Corte considerou não ser suficiente declarar o direito. Orientou cortes
inferiores a tomar medidas necessárias para efetivar a promessa constitucional
de igualdade na educação, o que incluiu —por intermédio das chamadas ordens
judiciais de dessegregação— realocar linhas de ônibus entre distritos
escolares, capacitar professores para ensinar em ambiente de maior diversidade,
rever bibliotecas etc.
Ou
seja, tratou de criar as condições para mudar radicalmente o ambiente que
permitia a permanência da segregação.
(...)
A partir dessa situação, criou-se uma prática judicial nos EUA (chamada de
execução complexa), para além da aplicação
típica da lei a controvérsias específicas. Seu emprego, que contou
muitas vezes com o apoio do Poder Executivo, estendeu-se de escolas a hospitais
públicos e prisões.
O
Direito serviu mais para desestabilizar costumes arraigados do que para
refleti-los”.
Por
aqui, transformou-se esses instrumentos em um parangolé jurídico, com
procuradores unicamente empenhados em instrumentalizar as ferramentas para
propósitos político-partidários e de autopromoção.
Cena 4 – o fim do golpe
O
golpe do impeachment acabou. Não significa que não haverá ainda consequências.
A própria aprovação da nova lei trabalhista é prova disso.
O
método e o conteúdo foram tão primários quanto o discurso de ódio que levou
multidões às ruas, colocando de joelhos Ministros do Supremo.
Nenhuma
multinacional vai investir no país com base nessas reformas.
É
evidente que havia necessidade de reformas na legislação trabalhista. Há
mudanças enormes no universo do trabalho, novas formas de trabalho, novas
organizações.
Mas
o caminho seria uma discussão ampla que permitisse um entendimento sobre o
trabalho nesses novos tempos, a identificação clara dos pontos vulneráveis nas
relações de trabalho e, a partir daí, uma nova legislação erigida em torno de
conceitos bem definidos.
Por
exemplo, hoje em dia há duas partes fracas na Justiça trabalhista: os
empregados de alguns grandes setores e as pequenas e microempresas.
Há
um universo regulado nas grandes metrópoles, entre empresas modernas e
respectivos sindicatos. Fora dos grandes centros, abusos intermináveis, como é
o caso das centenas de denúncias contra a JBS no campo. Nos grandes centros,
uma indústria de ações trabalhistas vitimando especialmente pequenos
empresários. E, por cima de tudo, novas formas de relações de trabalho, como é
o próprio caso da Uber e seus motoristas.
Segundo
especialistas, a nova legislação foi montada a golpes de machado.
Juntou-se um grupo de empresários em uma sala
e se perguntava o que incomodava na legislação trabalhista. Alguém apontava um
item qualquer que imediatamente era decepado.
O
caminho correto seria chamar especialistas para destrinchar as novas formas de
trabalho e definir um aparato conceitual que permitisse identificar os pontos
de precarização tanto do trabalho como da segurança dos pequenos empresários.
Uma
reforma séria deveria obrigar que parte do dinheiro do Sistema S (que é
dinheiro de impostos) fosse alocado em programas de defesa e de aprimoramento
do trabalho nas pequenas empresas. Grandes empresas nas grandes cidades
dificilmente são alvos de ações trabalhistas, porque sabem se locomover no
cipoal regulatório. Nada mais justo que as federações empresariais usassem o
dinheiro dos impostos que recebem para defender e modernizar as pequenas e
micro empresas.
Em
vez disso, o que se viu foi a manipulação escandalosa de estatísticas até por
Ministros do Supremo, e a transformação do que deveria ser fruto de um novo
pacto social, em uma vitória absoluta sobre a outra parte.
Nenhuma
multinacional racional irá aportar por aqui por conta das mudanças na
legislação trabalhista. Ainda há uma Justiça do Trabalho a zelar por pontos
centrais. Qualquer forma de precarização do trabalho, por si, abre espaço para
novas demandas trabalhistas, independentemente do que reza a lei.
Em
vez de um pacto social, o que a nova legislação promoverá será um boom nas
ações trabalhistas por todo o país. A reconquista dos direitos perdidos trará
de volta as grandes batalhas campais dos primórdios do capitalismo.
GGN