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domingo, 8 de abril de 2018

RELEMBRE os passos no XADREZ DA MARMELADA do processo TRÍPLEX do Guarujá, por Luis Nassif

Publicada original em 23/04/2017.
Talvez a rapaziada seguidora da novilíngua da Internet não saiba o significado da palavra “marmelada” – não o doce. Significa combinar de forma desonesta com o adversário o resultado final.
Entenda como se montou a marmelada do tríplex de Guarujá – cuja propriedade é atribuída a Lula.
O maior abuso cometido hoje em dia contra o Estado de Direito é o instituto da delação premiada. É escandalosa a sem-cerimônia com que a delação é manipulada pela Lava Jato, pelo PGR Rodrigo Janot e pelo juiz Sérgio Moro. É o maior argumento em defesa da Lei Antiabuso.
Em um processo, há os dois lados: a acusação e a defesa. E o juiz arbitrando o jogo.
Na teoria, o procurador não é exclusivamente a pessoa da acusação, mas o que busca a verdade. Só na teoria. Na prática, é como o delegado que não quer estragar um grande caso descobrindo a inocência do réu, ou o jornalista que não quer estragar a manchete com dúvidas sobre a culpa do suspeito.
O MPF só aceita a delação de quem diz o que ele, procurador, quer ouvir. O réu não pode dizer mentiras factuais. Mas nada impede que avance em ilações falsas sobre fatos – que é uma forma mais inimputável de mentir – ou afirmações não comprováveis e que, por isso mesmo, podem ser manipuladas ao seu gosto. O melhor, ao gosto do procurador.
Vamos entender melhor esse jogo de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, com a Lava Jato-Procurador Geral da República. Esta semana, Léo declarou que Lula é o verdadeiro proprietário do tríplex de Guarujá, apesar dos advogados de Lula terem mostrado escrituras comprovando que a OAS continua como única proprietária do tríplex
Lance 1 – a armação para pressionar Pinheiro e mudar a versão
O lance Léo Pinheiro foi cantado no dia 29 de agosto do passado ((https://goo.gl/Pt4xbA), quando o Procurador Geral Rodrigo Janot intempestivamente suspendeu as negociações para a delação com base em um motivo ridiculamente primário: uma denúncia anódina contra o Ministro Dias Toffolli, publicado pela revista Veja, e imediatamente atribuída por Janot a Léo – sem nenhuma comprovação.
A delação de Pinheiro comprometia fundamentalmente os governos de Geraldo Alckmin e José Serra, relatando o sistema de propinas em obras públicas estaduais. Até então, o que se sabia das delações da Odebrecht é que se limitavam a relatar financiamentos de campanha por caixa 2 e que Léo Pinheiro avançaria expondo sistemas de propinas.
Escrevi na época:
“Versão 1 – o PGR acusou advogados da OAS de terem vazado parte do pré-documento de delação de Léo Pinheiro, com o intuito de pressionar para que a delação fosse aceita. (...) A versão não se sustenta porque, além de ser ilógica – é evidente que o vazamento comprometeria a delação (...)
Versão 2 – imediatamente Janot suspendeu as negociações para a aceitação da delação do presidente da OAS, Léo Pinheiro. Para justificar a não tomada de decisão ante as 17 delações anteriores vazadas, alegou que a de Toffoli era diferente, porque a informação não existia. Ou seja, tratou drasticamente um vazamento irrelevante (porque, segundo ele, de fatos que não existiam) e com condescendência vazamentos graves.
Na atual edição de Veja, tenta-se emplacar uma nova versão: a de que o anexo (com o suposto vazamento) existia, mas não constava da pré-delação formalizada. Como fica, então, o argumento invocado para livrar os procuradores da suspeita de vazamento?
 (...) No dia 11 de agosto passado, a sempre atilada Mônica Bérgamo deu pistas importantes para entender os últimos episódios (http://migre.me/uMCbH)”
“A revelação feita pela Odebrecht sobre dinheiro de caixa dois para o PMDB, a pedido de Michel Temer, e para o tucano José Serra (PSDB-SP) tem impacto noticioso, mas foi recebida com alívio por aliados de ambos. Como estão, os relatos poupam os personagens de serem enquadrados em acusações mais graves, como corrupção e formação de quadrilha.
 (...) Neste final de semana, Veja traz o conteúdo total da pré-delação de Léo Pinheiro.

Há informações seguras de pelo menos um depósito na conta de Verônica Serra. Esse depósito não aparece na pré-delação da OAS divulgada pela Veja. Talvez apareça mais à frente, quando se avançar sobre os sistemas de offshore”.
Há a necessidade de ler a íntegra da próxima delação de Pinheiro, para uma avaliação melhor sobre a maneira como relatará os esquemas de São Paulo. Mas é fora de dúvida de que, para conseguir se livrar da prisão, Léo Pinheiro teve que se propor a entregar Lula.
Esta semana, as informações sobre o tríplex de Guarujá foram prestadas por ele ainda sem constar do acordo de delação. Mas, antes do início do depoimento, fontes da Lava Jato já antecipavam seu conteúdo, o que significa que já haviam chegado a um entendimento, visando o objetivo central da operação: inviabilizar a candidatura de Lula para 2018.
Lance 2 – a ideia fixa do tríplex
No depoimento prestado a Moro, Pinheiro faz um relato inverossímil das ligações com Lula.
Dizer que financiou o PT é verossímil, assim como o apoio dado ao Instituto Lula. É verossímil também que teria aceitado assumir o edifício do tríplex, por saber que o casal Lula tinha uma cota em seu nome. Afinal, quem não gostaria de ter um edifício tendo como um dos proprietários de imóvel um ex-presidente da República. É igualmente verossímil que tenha convidado o casal Lula-Marise a visitar o edifício, para ver se se interessavam pelo apartamento.
A partir daí, não há um elemento sequer que comprove que Lula ficou com o tríplex. Lula declarou ter visitado o edifício, não ter gostado do apartamento e não ter ficado com ele.
Há uma montanha de testemunhas e documentos comprovando que a OAS permaneceu como proprietária do edifício.
Mas os brilhantes Sherlocks da Lava Jato transformaram o tríplex em questão de honra. Como é um caso mais ao alcance do chamado telespectador comum, a comprovação da posse do tríplex tornou-se uma obsessão.
Por conta dessa obsessão, já quebraram a cara ao descobrir que estava em nome de uma conta do escritório Mossak Fonseca. Promoveram o maior alarido, invadiram o escritório da Mossak, acessaram seu banco de dados e levaram duas pancadas simultâneas. A primeira, a constatação de que a offshore dona do tríplex era da OAS mesmo; a segunda, ao descobrir uma offshore de propriedade da família Marinho, da Globo.
Numa só tacada inocentaram o alvo e comprometeram o aliado.
Foi um custo varrer o elefante para baixo do tapete.
Lance 3 – a encomenda entregue por Pinheiro
Agora, Léo Pinheiro aparentemente cedeu e entregou a encomenda pedida.
Mas há um jogo curioso montado.
De um lado, deu declarações que, sem provas, não têm o menor valor penal. As provas, segundo antecipou o jornal O Globo, são terrivelmente ridículas: comprovações de reuniões com Lula, de telefonemas a funcionários do Instituto Cidadania. Junto, as delirantes provas colhidas pelos Sherlocks da Lava Jato que identificaram quatro (!) viagens em um ano de carros do Instituto até Guarujá.
Fica-se assim, então:
1.     As declarações de Pinheiro garantem alguns dias de cobertura intensiva no Jornal Nacional, preparando o ambiente para uma próxima condenação de Lula.
2.     Mas Pinheiro não entrega nenhuma prova comprometedora contra Lula, nem no caso do tríplex (que não deve ter mesmo), nem em nenhum outro caso relevante.
Além disso, o Código Penal proíbe que uma pessoa seja julgada duas vezes pela mesma acusação. E o caso do tríplex já foi julgado e anulado pela Justiça estadual de São Paulo, apresentada pelos procuradores estaduais.
Ou seja, a grande armação visando ou a prisão ou acelerar a condenação de Lula é ridiculamente frágil.
GGN

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Lava Jato insiste em procedimento irregular, diz Tacla Durán

O advogado Rodrigo Tacla Durán, em nota pública, voltou a abordar temas que são mal interpretados pela grande mídia e inobservados pela Força-Tarefa da Operação Lava Jato. Fala da situação fiscal de sua empresa, considerada como 'empresa regular' pela Receita, após vasculharem todas as transações ali ocorridas, devidamente declaradas e com impostos recolhidos. Uma investigação que durou anos, com inúmeras prorrogações e a pedido da Força-Tarefa da Lava Jato. 
Vivendo em Madri, e sendo espanhol, Tacla relembra a todos que tem endereço fixo e conhecido pelas autoridades, tanto espanholas quanto brasileiras, inclusive o juiz de piso Sergio Moro. O advogado foi investigado pela Receita Federal da Espanha, que concluiu não haver irregularidade ou delito o envolvendo, o que levou à negativa de extradição por parte do governo italiano. 
O advogado colabora com a Justiça, tanto da Espanha quanto de outros países, e não sofreu condenação criminal. Lembra o advogado que o procurador Douglas Fischer, da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, recomendou o envio à Espanha de quaisquer provas contra ele em poder de Moro e dos procuradores de Curitibam conforme determina a legislação em acordos e tratados internacionais. Moro e a Lava Jato não informaram a Justiça da Espanha em nada, o que está em desacordo com a lei. 
Por fim, Tacla Durán lembra, a quem de direito, que parlamentares apresentaram denúncia junto à Procuradoria Geral da República, requerendo investigações sobre irregularidades ocorridas durante as negociações de seu acordo de colaboração com a Força Tarefa do Paraná, em março de 2016. Esse fato impede que, tanto os procuradores do Paraná quanto o juiz de piso Sergio Moro, conduzam processos e investigações contra ele, 'uma vez que todos têm interesse direto no desfecho de quaisquer causas envolvendo' seu nome. 
Leia a nota a seguir. 
Nota de esclarecimento 
1.      No dia dia 25 de abril de 2017, após dez pedidos de prorrogação de uma investigação iniciada em 14 de julho de 2015, a Receita Federal encerrou o procedimento de fiscalização contra meu escritório de advocacia sem lavrar auto de infração. Ou seja: toda minha movimentação financeira foi corretamente declarada e os respectivos impostos recolhidos.
2.      Conforme certidão emitida pela Receita Federal no dia 20 de fevereiro de 2018, anteontem, o escritório Tacla Duran Sociedade de Advogados tem situação fiscal regular.
3.      Todos os trabalhos prestados para o Grupo Triunfo foram indevidamente apreendidos em novembro de 2016, durante busca e apreensão ilegal autorizada pelo juiz Sérgio Moro, desrespeitando o sigilo profissional e outras prerrogativas, conforme despacho da presidência da OAB-SP.
4.      Sou espanhol, vivo em Madri com minha família, meu endereço é conhecido pelas autoridades espanholas e brasileiras. O juiz Sergio Moro tem meu endereço. A Justiça espanhola negou minha extradição e, no dia 19 de dezembro de 2017, a Receita Federal da Espanha encerrou fiscalização contra mim concluindo que eu não cometi qualquer irregularidade ou delito.
5.      Nunca sofri qualquer condenação criminal e tenho colaborado com a Justiça Espanhola e de diversos países. Embora o procurador Douglas Fischer, da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, tenha recomendado o envio para a Espanha de supostas provas contra mim em poder do juiz Sérgio Moro e dos procuradores de Curitiba, conforme determinam acordos e tratados internacionais, até hoje isso não foi feito ao arrepio da lei.
6.      Há uma denúncia apresentada por parlamentares junto à Procuradoria Geral da República, requerendo investigação sobre irregularidades  ocorridas durante negociações do meu acordo de colaboração com a Força Tarefa do Paraná em março de 2016, o que torna impedidos tanto os procuradores da Lava Jato, quanto  o  juiz Sergio Moro,  de conduzirem processos e investigações contra mim, uma vez que todos têm interesse direto no desfecho de quaisquer causas envolvendo meu nome. 
Madri, 22 de fevereiro de 2018. 
Rodrigo Tacla Duran 
GGN

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O julgamento de Lula no TRF-4: ou, a Operação Lava Jato no banco dos réus, por William Nozaki

A Lava Jato como agente da desconstrução de um projeto nacional:​
A Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, caminha para o seu quarto ano próxima de enfrentar um de seus maiores testes no próximo dia 24 de janeiro: o julgamento em segunda instância do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O combate e a prevenção contra a corrupção são desafios fundamentais para a construção de uma sociedade efetivamente republicana no Brasil. Entretanto, os desembargadores, juízes, procuradores e policiais que atuam na Operação Lava Jato não tem o direito, tampouco mandato, para se apresentarem como detentores de um monopólio moral cuja suposta finalidade seria higienizar o Estado e a política no país.
Aliás, as contradições da Operação emergem de sua visão simplista e esquemática sobre o problema da corrupção, ao tratar a questão como mera manifestação do patrimonialismo enquanto peculiaridade brasileira, deixa-se de ir ao cerne do problema: a mistura entre público e privado não é uma singularidade nacional, é antes e sobretudo um traço da economia capitalista como um todo. Ao negligenciar esse diagnóstico fundamental os operadores da Lava Jato tratam uma questão sistêmica como um problema localizado, ou seja, como uma questão particular do setor petróleo, buscando desconstruir e distorcer o papel central da Petrobras no desenvolvimento econômico brasileiro. Com isso a Operação se mostra ineficiente sob três aspectos: político, econômico e mesmo ético. Vejamos cada um desses pontos.
Do ponto de vista político, não há nada que justifique o desmonte do Estado e da Petrobras como resposta à ilícitos, os rankings da Transparência Internacional e do próprio Fórum Econômico Mundial evidenciam: não há uma correlação entre prevenção da corrupção, redução do tamanho do Estado e transferência do patrimônio público para a iniciativa privada, seja ela nacional ou internacional. Até mesmo porque grandes petrolíferas estatais, como a Statoil, e privadas, como a Shell e a Total, enfrentaram casos graves de corrupção, respectivamente, na Líbia, Angola e Nigéria e em nenhum momento isso serviu como argumento para encolher os planos estratégicos de investimento dessas companhias.
Do ponto de vista econômico, por seu turno, quando se iniciou a Operação Lava Jato, o segmento industrial de petróleo e gás natural representava cerca de 13% do PIB brasileiro e a Petrobras previa um pacote de investimentos de US$ 220,6 bilhões para o período 2014-2018. No entanto, a drástica mudança de rota fez com que em 2016 e 2017 a Petrobras e a cadeia de óleo e gás fossem responsáveis por mais da metade da queda do PIB afetando duramente sua lista de mais de vinte mil fornecedores, muitos deles foram judicialmente impossibilitados de participar de licitações junto a governos e de acessar fontes de financiamento público, deixando atrás de si um rastro de obras interrompidas, aumento no desemprego, diminuição na arrecadação fiscal e, consequentemente, piora no quadro econômico do país.
Um dos setores mais afetados foi o das empreiteiras, construção civil e engenharia pesada. Para usar um exemplo ilustrativo, em 2014 a Odebrecht auferiu mais de R$ 109 bilhões em receita bruta contando com 276.224 trabalhadores próprios, já em 2016 a receita sofreu uma queda significativa alcançando R$ 89 bilhões e diminuindo seu quadro de trabalhadores para 79.616, o cenário é análogo para as dez maiores empreiteiras do país: Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, MRV, Construcap, Direcional, A.R.G e Mendes Júnior. Nesse período, em média, as receitas brutas das empresas caíram 18%, mas os postos de trabalho foram reduzidos em 72%, é flagrante a diferença de punição: nesse setor a perda dos trabalhadores tem sido quatro vezes maior do que a dos empresários.               
Do ponto de vista ético-moral, por fim, a Lava Jato também pode ser interrogada. No final de 2017 o Ministério Público apresentou a última sistematização dos dados da Operação, a equipe de Curitiba ostentou como mérito a realização de 222 conduções coercitivas, 163 delações premiadas, mas apenas 10 acordos de leniência. Ao que tudo indica, há um verdadeiro exagero no uso de procedimentos jurídicos pouco convencionais. Entretanto, por trás de tais números há elementos pouco debatidos pela opinião pública. A legislação brasileira da colaboração premiada prevê a aplicação de um elemento chamado “cláusula de performance”, trata-se de uma vantagem financeira, pois cada delator pode negociar para si um percentual do dinheiro recuperado a partir de sua delação, infelizmente a maior parte dessas cláusulas ficam sob segredo de justiça.
Entretanto, em 2015, a imprensa publicizou parte dos termos do acordo firmado pela defesa de Alberto Youssef, que foi agraciado com uma cláusula de desempenho de 2%. Considerando a própria hipótese do Ministério Público, de que esta delação poderia revelar a existência de até R$ 1 bilhão em paraísos fiscais, Youssef poderia embolsar até R$ 20 milhões. Se o nosso delator tivesse apenas guardado seus milhões na poupança, que em 2017 teve retorno real médio de 0,3% ao mês, ele poderia ter um rendimento mensal de RS 60 mil por mês, continuando a fazer parte daquele 1% mais endinheirado da população brasileira. Nada mal para quem, além disso, foi sentenciado a cumprir 121 anos de prisão em regime fechado, mas no mesmo acordo de delação premiada negociou migrar para a prisão domiciliar após apenas 3 anos, cumprindo sua pena em uma cobertura de luxo em um bairro nobre de São Paulo enquanto os 2% negociados com a Lava Jato continuam sendo creditados em alguma de suas contas bancárias.
Não surpreende a existência de inúmeros casos análogos a este, até mesmo porque a negociação das delação premiadas tornou-se um mercado de fraudes e extorsões, como dão notícias os depoimentos do advogado Rodrigo Tacla Duran, infelizmente pouco divulgadas pela grnade imprensa.
O Ministério Público do Paraná aponta que o valor dos ressarcimentos aos cofres públicos, acrescidos de multas, totalizam R$ 38,1 bilhões. Em um exercício hipotético, se supusermos que todo esse dinheiro foi auferido por meio das mais de 160 delações premiadas, e se considerarmos 2% como parâmetro para as cláusulas de performance de cada delator, poderemos chegar a conclusão de que talvez a Operação Lava Jato possa chegar a redistribuir cerca de R$ 760 milhões em dinheiro – agora limpo – entre corruptos e corruptores confessos.
Tal fato evidencia porque é possível dizer que a Lava Jata pune as empresas, mas não necessariamente ela pune de forma efetiva os empresários.
O alto número e a intensa celeridade das delações premiadas contrastam com o baixo número e a vagareza dos acordos de leniência, sem os quais as empresas ficam impedidas de levar adiante projetos já iniciados e precisam cancelar investimentos eventualmente já previstos. Em quatro anos de Operação, como já foi dito, apenas dez acordos de leniência foram firmados.
O clima de incerteza e as más expectativas acabam, fatalmente, impactando de forma negativa as decisões de gasto e investimento, criando obstáculos para a retomada do desenvolvimento econômico. É nesse sentido que a Operação Lava Jato, voluntária ou involuntariamente, direta ou indiretamente, acaba contribuindo para o avanço do desmonte temerário do Estado-nacional e da economia brasileira. Ao criminalizar empresas estatais e ao inviabilizar empresas privadas nacionais o resultado é o fortalecimento relativo do poder das grandes corporações internacionais que atuam no país, muitas delas com interesses financeirizados. Em última instância trata-se de desmontar e desnacionalizar o arranjo institucional que viabilizou a modernização da estrutura produtiva e social do país.
A Lava Jato como instrumento de um projeto de desnacionalização do país:
Desde 2015 quando a Petrobras iniciou seu processo de desinvestimentos, os movimentos estrangeiros em relação ao setor petróleo ficaram ainda mais claros. A Franca, por exemplo, iniciou um processo de compras de ativos brasileiros que representa um ingresso integrado na cadeia de energia nacional. A Total comprou participações no pré-sal dos campos de Libra (20%), de Iara (22,5%) e realizou uma “parceria estratégica” para atuar no setor de refino e do gás, a Entrepose, com a compra da empresa de engenharia Intech, entrou no mercado de fornecedores locais e a Tereos ampliou sua participação no mercado de biocombustíveis.
Nesse mesmo intervalo, a chinesa CNPC um conjunto de conversas com a Petrobras e com o governa estadual de São Paulo a fim de articular a compra de ativos na Bacia de Santos, desde então a China tem se tornado uma das principais compradoras de campos do pré-sal.
Outro exemplo emblemático se deu em 2017 com a nebulosa historia do lobby britânico para a mudança da legislação de petróleo no Brasil que visava principalmente acabar com a politica de conteúdo local existente no país.
Sendo assim, os calendários da Lava Jato e do Golpe devem ser observados em conjunto e o epicentro que os articula passa necessariamente pela Petrobras, mais especificamente pela convergência entre (i) o apetite de governos e petrolíferas estrangeiras no pré-sal, (ii) o moralismo de corporações e castas do Estado que elegeram a petrolífera brasileira como exemplo de ilicitude a ser combatida e (iii) o coesionamento de forças políticas interessadas em manter sua auto-preservação às custas do desmonte do Estado e das empresas estatais brasileiras, claro, tudo bem regado com alguns temperos: derrapadas do governo na gestão da política econômica, campanhas virulentas propagadas pela grande imprensa e pelas redes sociais, além de uma opinião pública oscilando entre a intolerância e a apatia, dardejada que foi por uma profusão de informações que de tão chocantes provocam aquele instante de silêncio que pode anteceder um grito de revolta ou uma mudez de anomia.
O ápice dessa desnacionalização pode ser catalisado pela combinação fatal entre a diminuição dos índices de conteúdo local prejudicando empresas nacionais e a renúncia fiscal favorecendo petrolíferas estrangeiras; ao passo que o auge da contradição do discurso de combate à corrupção emerge de uma decisão recente da atual direção da Petrobras: a companhia declara em seus balanços uma perda de cerca de R$ 6,2 bilhões com os ilícitos investigados pela Lava Jato, mas aceitou negociar e pagar voluntariamente aos investidores norte-americanos cerca de R$ 9,7 bilhões. Até dezembro de 2017, a Lava Jato devolveu efetivamente cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, dos quais R$ 821 milhões foram ressarcidos à Petrobras. Ou seja: o valor pago para os investidores norte-americanos é quase quatro vezes maior do que o total recuperado pela Lava Jato e é quase doze vezes maior do que o já devolvido a Petrobras. A pergunta que fica é: quanto os EUA vão pagar por terem feito espionagem industrial do pré-sal em 2008, por terem cooptado juízes e procuradores em 2009, por terem tentado bloquear o regime de partilha do pré-sal em 2010 e por terem grampeado telefones da presidenta da República e de altos executivos da Petrobras?
Nunca é demais lembrar: em 2012 o governo norte-americano publicizou suas diretrizes para a política energética, neste documento o Brasil aparece em três das sete linhas estratégicas como um país cujas tecnologias nas áreas do pré-sal, de biocombustíveis e de hidrocarbonetos não-convencionais deveriam ser observadas com atenção (ve em Blueprint for a Secure Energy Future). Já em 2017 o governo dos EUA publicou suas novas orientações para a política de defesa, o documento enuncia explicitamente: “instrumentos econômicos – incluindo sanções, medidas de combate à corrupção e ações jurídicas contra empresas – podem ser elementos importantes de estratégias mais amplas para dissuadir, coagir e restringir adversários” (ver em National Security Strategy of the USA). Há importantes interesses internacionais por trás da instabilidade brasileira, não se trata de teoria da conspiração, até mesmo porque a conspiração não é uma teoria, e sim uma prática que compõe a gramática de qualquer estratégia geopolítica e geoeconômica. 
Julgamento de Lula ou julgamento da Lava Jato?
O passo do Golpe ora em curso consiste na tentativa de condenação da mais importante liderança popular do Brasil, sem crime, sem provas, em um processo marcado do início ao fim por vícios e parcialidades. Lula tem hoje a ampla maioria das intenções de voto em todos os cenários testados pelas pesquisas, subtrair o nome do ex-presidente da urna eleitoral significa impedir que uma parcela importante da população brasileira expresse sua vontade, trata-se, portanto, de mais um cerceamento grave contra a soberania popular.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre (TRF-4) pode reafirmar ou reformar a sentença proferida pela 13ª Vara Federal de Curitiba, condenando o presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão. Como sabemos, nessa arena os supostos justiceiros e os vorazes moedeiros levam vantagem, o processo de criminalização das políticas pró-desenvolvimento e anti-desigualdade, o fechamento do cerco contra partidos, movimentos, lideranças, militantes, intelectuais e artistas do campo progressista de esquerda e centro-esquerda, bem como a tentativa de desmoralizar Lula material e simbolicamente, não parece ser um projeto de curto-prazo, muito embora os ilícitos e trapalhadas dos golpistas mantenham o desfecho do cenário em aberto, até mesmo alimentando vitórias pontuais dos críticos e opositores do governo Temer.  
Entretanto, diante das ruas e da opinião pública, as diversas instâncias do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, vão ter que se haver com um cenário ainda incerto. Em 2016, quando da condução coercitiva de Lula, A Lava Jato e Sérgio Moro eram rejeitados por 33% da população, no final de 2017 a rejeição do juiz e da Operação subiram para cerca de 45%, segundo dados do Instituto Ipsos. Além disso, nesse mesmo intervalo o PT ressurgiu como o partido favorito da população, aprovado por 18% do povo brasileiro, enquanto isso o governo Temer atingiu um recorde e conseguiu angariar a desaprovação de 95% da população, segundo dados do Instituto Datafolha.
Mais ainda, nesse período ao menos cinco episódios contribuíram para aumentar o sentimento de impunidade na opinião pública: (i) a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista; (ii) a mala com R$ 500 mil transportada pelo ex-deputado e assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures; (iii) as caixas com R$ 51 milhões encontradas no apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima; (iv) a gravação sobre desvios, propinas e outros ilícitos que incriminaram o senador Aécio Neves e (v) as duas denúncias de corrupção passiva e organização criminosa contra Michel Temer.
Por tudo isso se pode concluir: o grande crime cometido contra o Brasil não foi perpetrado por Lula, mas por aqueles que estão inviabilizando a construção de um projeto de nação internacionalmente soberana, politicamente democrática, economicamente desenvolvida, socialmente inclusiva e culturalmente plural. No próximo dia 24 de janeiro Lula estará no banco dos réus, sendo observado com atenção e suspeição por uma parte da população, mas quem estará sendo silenciosamente julgada pelo conjunto da opinião pública é a Operação Lava Jato.
William Nozaki - Professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP). 
GGN

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Brenno Tardelli: Muita convicção, nenhuma prova. O Raio-x da sentença de Moro no caso Triplex

O Juiz Federal Sérgio Moro. Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP

Nesta quarta-feira (12), foi publicada a sentença do Juiz Federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, consistentes na acusação de que ele teria recebido um apartamento triplex no Guarujá (SP) como contraprestação de corrupção em contratos firmados entre a Petrobrás e a construtora OAS.

A condenação consagra a tese da acusação, a qual, no entanto, não conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou a prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70 testemunhas que negaram a existência do crime. Leia a sentença na íntegra.

Para facilitar a compreensão, o Justificando preparou um raio-x da decisão que tem mais de 200 páginas, bem como contextualizou as afirmações de Moro de acordo com as teses de acusação e defesa, explicando a relevância prática de cada argumento. Confira: 

Preliminares: O Lawfare
Atenção: Se quiser entender questões jurídicas diretamente ligadas à causa, pule para a parte “Teses”, que começa com o debate sobre a super competência.

Nas primeiras páginas, Moro dedica seus argumentos para supostamente refutar a tese de que estaria sendo parcial – tese esta defendida tanto pela defesa, quanto por vários juristas que acompanham o caso – e que ele instrumentalizou seus poderes de juiz e o processo para uma “guerra jurídica” frente ao acusado. O termo entre aspas é uma forma de Moro dizer com outras palavras sobre o lawfare, uma das teses centrais da defesa que trata da utilização da lei e do poder judiciário para perseguição política. 

Vários episódios foram destacados para levantar o lawfare e a consequente suspeição do magistrado, como a (i) divulgação dos áudios entre Lula e Dilma para a Rede Globo, a (ii) determinação de grampo telefônico no escritório de advocacia do ex-presidente, apesar de dois ofícios da Telefônica avisando-o da excentricidade da medida, (iii) a decisão de condução coercitiva do réu que sequer havia sido intimado para depor, (iv) a “entrevista do power point” realizada por Deltan Dallagnol, (v) a “animosidade” entre julgador e a defesa, entre outros.

(i) Sobre o áudio vazado para a Rede Globo, Moro preferiu se justificar com os mesmos argumentos utilizados à época, quando o falecido ministro Teori Zavascki, então no cargo no STF, utilizou um discurso duro para condenar o que o magistrado fez com o sigilo telefônico dos ex-presidentes, expondo-os em rede nacional por uma conversa cujo conteúdo não teve consequência jurídica, mas que foi o suficiente para inflamar as manifestações pelo impeachment na derrocada final do governo Dilma.

Apesar do tom utilizado contra o magistrado, os ministros do STF quando julgaram a conduta de Moro proferiram uma contraditória decisão de devolver para o magistrado todo o processo, inclusive a interceptação tão contestada, para julgamento. Na sentença do Triplex, o magistrado ressalta que o fato da corte ter devolvido o processo a ele eliminaria qualquer alegação por parte da defesa.

Não satisfeito, o magistrado logo após enfrentar as críticas do Supremo em sua sentença, passa novamente a fazer considerações acerca do teor da conversa, reafirmando dessa vez sua convicção desfavorável em relação ao réu e favorável à sua conduta. Em outras palavras, pediu desculpas antes, mas depois justificou o que fez como se certo fosse, pois, nas suas palavras, o Judiciário não poderia ser guardião de “segredos sombrios”: “não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo Tribunal Federal”.

Ao final, Moro escreveu sobre as conversas íntimas divulgadas que expunham a família de Lula. O caso mais notório ocorreu com a divulgação do áudio da ex-primeira dama Marisa Letícia que, em conversa telefônica privada com seu filho, manifestava repúdio aos paneleiros. Após o falecimento da primeira dama, aumentaram as críticas ao juiz em razão da desnecessidade dessa exposição gratuita da intimidade. Para Moro, contudo, “há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação”.

(ii) Sobre o grampo no escritório de Advocacia Teixeira Martins, a defesa apontou como exemplo prático de lawfare o sistemático grampo nos telefones dos advogados. No caso, uma matéria da revista eletrônica Conjur, em março de 2016, apontava que todo os 25 advogados do Teixeira Martins – banca que advogava para o ex-presidente – foram grampeados no telefone central do escritório. Vale dizer que Roberto Teixeira, sócio do escritório, teve seu telefone pessoal interceptado.

Em sua defesa, Moro afirmou que não sabia que o telefone grampeado era da defesa do ex-presidente e que queria grampear apenas uma empresa de palestras que operaria no mesmo número e que, na sua opinião, tinha ligação com o crime investigado.

Ocorre que logo após a determinação do grampo, a Telefônica oficiou o juízo de Curitiba por duas vezes para alertar sobre gravidade da medida, afinal escritórios de advocacia são protegidos por lei, mas foi ignorada. Para os advogados de Lula, o grampo no escritório e no telefone pessoal do sócio foram parte de um monitoramento das estratégias que seriam utilizadas e configuraram em um grave atentado ao direito de defesa. 

Na sentença Moro afirmou que precisava investigar a empresa de palestras e que não se atentou aos ofícios da Telefônica, que não foram analisados com atenção ante as “centenas de processos complexos” julgados na Vara. Em resposta, a própria Conjur o lembrou de que ele tem uma equipe para julgar os casos e que, por determinação do TRF-4, ele não recebe nenhum outro processo que não seja ligado à operação.

Sobre o telefone pessoal, Moro justificou o grampo no celular do Advogado do Presidente Roberto Teixeira por ele ser, na visão do magistrado, suspeito pelo crime de lavagem de dinheiro. A última informação apurada pelo Justificando, no mês de junho, era no sentido de que grampo ainda está ativo por decisão judicial e, desde então não há notícia de sua revogação.

(iii) Sobre a condução coercitiva sem que houvesse uma intimação para depor, como evidente prática de lawfare, uma vez que formou-se um grande espetáculo em torno da oitiva de Lula, Moro negou que se tratava de uma perseguição contra o ex-presidente. Na época, o caso teve grande repercussão e críticas ao arbítrio do magistrado.

Em sua defesa, ao argumentar na sentença o juiz afirmou que a questão de levar coercitivamente quem sequer foi intimado é “polêmica” no direito. Ocorre que não se trata de uma polêmica, pois sequer há algum jurista que defenda a legalidade teórica de prática como essa, a não ser o próprio Juiz Federal e a força tarefa do MPF.

Em todo caso, ele justificou que, no contexto específico da Lava Jato, fazia sentido essa determinação, a fim de que agentes policiais não fossem expostos a algum risco. De outro lado, Moro argumentou que o tempo teria lhe dado razão, pois houve uma concentração de militantes no Aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente foi levado por um grande aparato policial para ser ouvido.

Quanto às argumentações, vale lembrar que Lula já foi ouvido por dezenas de vezes a convite do Poder Judiciário e nenhum episódio foi tão conturbado quanto a oitiva coercitiva e o interrogatório em Curitiba.

(iv) Sobre o famigerado power point, que gerou a denúncia que conseguiu a presente condenação, o magistrado argumentou que tal episódio não representa o “lawfare“, pois, na sua visão, ainda que a linguagem de Deltan Dallagnol e seu Power Point fossem criticáveis, tal fato não teria efeito prático para a ação penal, onde o que importaria seriam, em tese, as peças processuais produzidas.

O debate gira em torno do dia em que Deltan convocou toda a grande imprensa para, em rede nacional, fazer uma apresentação de slides de power point com uma série de adjetivações a Lula. “Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma “guerra jurídica” contra o ex-Presidente”, afirmou o magistrado. 

Embora Moro tenha argumentado que a conduta do Procurador não influiu na ação penal, vale dizer que Deltan Dallagnol foi o Procurador responsável por acusar Lula até o fim do processo e já anunciou que vai recorrer da decisão para aumentar a pena.
v) Sobre a animosidade do Juízo frente aos advogados Moro aproveitou sua sentença para reclamar do comportamento da defesa. Na sua visão, foi uma comportamento rude: “este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade” – queixou-se. Entretanto, as audiências mostraram o contrário, uma vez que raros foram os momentos nos quais a participação da defesa foi bem vinda, como ficaram nítidos em episódios marcantes, como quando ele debochou do ex-presidente nacional da OAB José Roberto Batochio para que ele fizesse concurso para juiz. 

Mas o mais rumoroso caso gira em torno da intervenção do advogado e assistente de acusação da Petrobrás René Ariel Dotti quando ele cassou, aos berros, a palavra da defesa que debatia com Moro sobre uma pergunta feita a Lula. Para o magistrado, a censura foi ótima, como pode ser lido na referência feita ao “renomado e veterano advogado criminal René Ariel Dotti“. No meio jurídico, no entanto, o cenário foi outro: diversos criminalistas de renome fizeram um desagravo para os advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Fernando Fernandes, bem como foi publicado artigo do criminalista de renome mundial Juarez Cirino dos Santosem tom crítico às condutas de Moro e René.

Ao final desse trecho da sentença, Moro vangloriou-se de ter sido sereno, pois, na sua opinião, ele poderia se quisesse tomado “providências mais enérgicas”: “poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito” – afirmou contra as alegações de lawfare.
Teses – 1. Competência da Ação
A supercompetência da Lava Jato é um tema técnico que lida com questões processuais penais de conexão e suscita críticas desde os primórdios da Operação e que ainda vai render muito debate. Resumindo o debate: diversos juristas contestam o tamanho da abrangência da competência de Moro, que julga processos de todo o país e os mais variados contextos de acusação de corrupção. O STF, ao julgar essa questão, afirmou que Moro somente pode julgar corrupção que tenha relação com a Petrobrás. Por isso, quando a força tarefa quer atrair um processo para Curitiba, eles reforçam a tese da super competência para lidar com o “maior esquema de corrupção da história”. Na visão da acusação e do juízo, ainda que a corrupção não tenha relação direta com a Petrobrás, presume-se muitas vezes essa conexão dado o suposto vasto tamanho da Operação e o fato de que o dinheiro, bem sobre o qual ela estaria montada, é fungível e de difícil rastreamento.

A questão foi evidentemente atacada pelos advogados do ex-presidente, uma vez que a relação na visão acusatória é entre Lula e Léo Pinheiro, da OAS, não havendo Petrobrás para justificar a ida do caso a Curitiba. No caso, o imóvel do Triplex é anterior à Lava Jato. Marisa firmou um carnê no sindicato dos bancários para pagamento de cota de um apartamento junto à Bancoop – cooperativa da categoria.

A Bancoop não teve fôlego para pagar e, em 2009, o imóvel foi passado à OAS. Nesse momento os moradores poderiam resgatar o valor que pagaram nas mensalidades ou continuar pagando mensalidade para aquisição do apartamento. Marisa e tantos outros não se pronunciaram e ficaram com o crédito do valor pago até então – por volta de R$ 200 mil (em 2015, ela ingressou no Judiciário para reaver o o dinheiro pago via Bancoop).

Anos se passam até que três promotores em São Paulo – que ficariam mais tarde conhecidos pelo pedido de prisão com base em Marx e Hegel – acusaram Lula e Marisa de ocultarem o imóvel que teriam recebido junto à Bancoop como produto de lavagem de dinheiro (a acusação, contudo, não apresenta registro do apartamento em nome de Lula ou de Marisa). 

De outro lado, ávidos para entrarem no caso, os Procuradores da força tarefa repudiaram a ação dos promotores paulistas. Para atrair a competência a Curitiba e tirar o processo da competência de São Paulo, o MPF teve que ligar o Triplex à Petrobrás e para isso utilizou a narrativa do “maior esquema de corrupção no mundo” – tese praticamente “copia e cola” em todos os casos que eles, procuradores da Lava Jato, puxam para acusar. Essa tese e essa prática contam com a anuência e entusiasmo do Juiz Federal.

Logo, pela nova história da acusação e do juiz, o Edifício foi transferido pelo Bancoop à OAS e esta teria dado um imóvel mais caro e feito reformas para o ex-presidente como forma de corrupção. De início, há a contradição entre histórias conflitantes.

“Ou você diz que a Bancoop deu a Lula o tríplex antes de 2009, ou você diz que a OAS deu a Lula o tríplex depois disso. Inferir as duas coisas ao mesmo tempo não faz o menor sentido”, questiona o Advogado Márcio Paixão.

Outro ponto levantado na questão da competência é que a tese de “maior esquema de corrupção no mundo” ainda não foi julgada no Supremo Tribunal Federal e a ratificação de que Lula estaria envolvido nisso, ainda que em tese, depende ainda dessa análise, para ser afirmada em sentença penal. A defesa pediu para que o processo do Triplex fosse adiado até que fosse julgado esse inquérito no Supremo que apura esse suposto esquema, mas o pedido foi indeferido.

2. Delações Premiadas, ou quase
Outro ponto que Moro discutiu por diversas páginas em sua sentença diz respeito às delações premiadas. O Justificando já apresentou uma série de críticas que esse instituto recentemente importado para o Brasil traz ao processo penal, tais como a voluntariedade do delator em falar o que o acusador/juiz querem ouvir, como também a prática reiterada de “prende para delatar” e “solta porque delatou”, dentre outras questões que são recorrentemente tratadas. Moro cuidou de defender seu ponto de vista pela legalidade e valor das delações, algo fundamental neste caso para condenar Lula, uma vez que a acusação e a sentença estão amparadas quase que exclusivamente nas palavras de Léo Pinheiro, dono da OAS, e de outros delatores.

Protagonista da principal prova testemunhal, Léo Pinheiro negociou delação por duas vezes. A primeira delação, na qual ele inocentava Lula, foi cancelada pelo Procurador da República Rodrigo Janot, pois, segundo a narrativa oficial do MPF, a Revista Veja vazou o conteúdo da delação que apontava para o ministro do STF Dias Toffoli (até então, vazamento de delações não era considerado uma nulidade, sendo admitido em inúmeras circunstâncias anteriores). 

Em seguida, após ter a primeira delação cancelada, Léo Pinheiro é preso por decisão de Sérgio Moro e depõe no caso do Triplex, quando então ele troca de advogado, muda a versão, acusa Lula – que ele havia primeiramente inocentado – e se torna a grande peça para acusação. Para evitar esses questionamentos, argumentos de Moro em favor da delação premiada permeiam toda a sentença.

Um detalhe importante é que a delação premiada de Léo Pinheiro sequer foi homologada, mas teve o maior destaque para condenação, ocupando dezenas de páginas na sentença. Ao final, mesmo sem acordo homologado com o Ministério Público, Moro o reconhece como delator, transformando seu depoimento como réu no primeiro acordo de delação premiada informal da história.

3. Propriedade do Apartamento – 5 parágrafos para a tese de defesa
“Essa é a questão crucial neste processo”, afirma o próprio Sérgio Moro na sentença. A questão é justamente de quem é o apartamento no Guarujá – pois afinal, se Lula está sendo acusado de ter recebido um imóvel em troca de corrupção, o lógico seria que, pelo menos, o imóvel fosse dele ou que a OAS podia dele dispor para entregá-lo a alguém.

Ocorre que no imóvel não tem nem uma coisa, nem outra. O registro do apartamento está em nome da OAS e o imóvel está hipotecado para um fundo da Caixa Econômica Federal, banco público que emprestou dinheiro para a construtora, mas exigiu uma série de garantias, dentre eles o Condomínio Solaris e tantos outros.

Soma-se a isso o próprio processo de recuperação judicial da Construtora. Em casos como esse existe uma lista de credores que decide em assembleia o destino dos imóveis da empresa em recuperação judicial. Em outras palavras: (i) o imóvel não está no nome de Lula, (ii) a OAS não pode dispor dele para outra finalidade que não seja a venda e, mesmo se pudesse, ainda assim (iii) a operação de venda ou entrega teria que ser aprovada em assembleia de credores.

Em cinco parágrafos, Moro, contudo, desconsiderou toda a documentação, pois “isso não é suficiente para a solução do caso”.

Em contrapartida, ele dedica incontáveis páginas na sentença para valoração de papéis que não indicam compra, propriedade, posse, ou qualquer coisa que seja. Um dos exemplos levantados foi o documento de “proposta de adesão sujeita à aprovação”, não assinada por Lula, no valor de R$ 200 mil, como se fosse uma intenção de adquirir o imóvel. Nesse documento, há uma rasura escrita “TRIPLEX”. Essa seria a prova documental. Como apontam inúmeros criminalistas, não é possível ignorar toda a documentação de garantia e propriedade do imóvel para canalizar a condenação com base em um documento que não tem qualquer valor de propriedade, muito menos está assinado e, não bastasse, é uma rasura.

Além disso, Moro argumentou que Marisa não reviu o dinheiro investido no carnê do Bancoop, quando tiveram opção de resgatar dinheiro ou continuar contribuindo, e que tal apartamento nunca esteve à venda, pois estava reservado ao casal. A narrativa que torna Marisa e Lula proprietários do Triplex também se vale de uma matéria do jornal O Globo que afirmou que em 2010 o Triplex pertencia a Lula. A matéria, contudo, além de se equivocar quanto à propriedade quando diz que Lula é proprietário sem que haja o registro do imóvel, comete um erro crasso ao dizer que Lula declarou o imóvel em nome de Marisa, quando na verdade ele declarou o valor recolhido na cota junto ao Bancoop. Entretanto, apesar de erros identificáveis com facilidade, Moro cita essa matéria para fundamentar a condenação em nove passagens, tratando como se prova documental fosse.

O magistrado descreveu a série de reformas que a OAS fez no imóvel e uma conversa entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, Diretor de Engenharia e Técnica da OAS Empreendimentos, onde eles tratavam do chefe [que seria Lula], da madame [que seria Marisa] e Fábio, filho do casal. Na conversa, Paulo disse a Léo que o imóvel estava pronto para eles visitarem e Léo Pinheiro foi avisado sobre reformas feitas para agradarem o ex-presidente, para que ele, então, ficasse com o apartamento. O que ficou claro pelos depoimentos é que Léo Pinheiro de fato pretendia que Lula ficasse com o imóvel e até tentou adaptá-lo para servi-lo melhor, mas não ficou comprovado a compra, o usufruto ou a entrega do bem.

Nas audiências, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel uma única vez, mas decidiu não comprá-lo, apesar da intenção da construtora. Marisa visitou outra vez o apartamento e também nunca mais voltou.

A questão jurídica, como aponta o criminalista Fernando Hideo Lacerda, não permite que o juiz conclua que Lula tem esse imóvel. O especialista explica que Moro sustentou que Lula e Marisa eram “Proprietários de Fato”, isto é, que eles receberam um imóvel por corrupção de forma oculta. Ocorre que a propriedade é determinada no Código Civil pelo registro do imóvel e, fora isso, o ordenamento também prevê a posse, que também não cabe, já que ele foi ao imóvel apenas uma vez e nunca mais voltou.

4. Tese de corrupção
O tipo penal da corrupção dispõe a conduta como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Como explica o criminalista Fernando Hideo, é necessária a aceitação da promessa ou efetivo recebimento da vantagem indevida e a contrapartida do funcionário público. Moro sustenta que o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.

Entretanto, explica o criminalista: “o pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação (a) do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e (b) da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST / RNEST com a Petrobrás”. 

Moro não argumenta sobre nada disso. Aliás, para escapar desse beco sem saída, o magistrado afirmou que “basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam” – escreveu na sentença, como lembrado por Lacerda.

Em seguida, na sentença, o magistrado reconhece que não comprova o ato de corrupção: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.

O Criminalista Márcio Paixão também aponta uma série de questões que Moro não responde e que impedem a condenação pelo crime de corrupção: “muito embora se esforce bastante, Moro não conseguiu esclarecer, em nenhum momento:

(i) a data em que Lula teria recebido o tríplex, dito algo como “é meu, muito obrigado”;

(ii) o local em que Lula estava quando recebeu o tríplex;

(iii) as circunstâncias em que Lula recebeu o tríplex.

As primeiras duas informações são hiper relevantes – a primeira vai estabelecer o marco inicial da prescrição, a segunda vai estabelecer qual juiz é competente para julgar o caso (competência territorial). O que há na sentença é algo como Lula recebeu esse tríplex em algum momento, em algum local, em circunstâncias desconhecidas'”.

Vale lembrar que o Direito Penal é regido por princípios jurídicos, dentre os quais o da taxatividade, que impede que o magistrado aplique a lei para condenar ampliando a interpretação do texto do tipo penal. Em outras palavras, não há base jurídica para condenação por corrupção sem um ato comprovado que tenha beneficiado a OAS, como também não é possível condenar sem que exista a vantagem indevida.

5. Tese de Lavagem de dinheiro
De acordo a acusação e o juiz, a lavagem de dinheiro consiste na “ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”. Ou seja, Lula teria recebido o apartamento como decorrência de corrupção, o fato de não estar no nome dele seria ocultação do apartamento e consequente lavagem. Como explica Lacerda, é “juridicamente ridículo” sustentar isso, já que a lavagem pressupõe transformar um dinheiro sujo em limpo para reintrodução do bem no mercado.

Pela ótica da acusação, não houve incorporação do patrimônio aos bens de Lula. Logo, sequer em tese há a lavagem ou limpeza do bem. Para Lacerda, a ocultação defendida pela retórica acusatória faz parte da conduta de corrupção e que não faria sentido lógico em se conceber a lavagem para algo que permanece oculto.

“Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio” – explica o criminalista.

6. Penas

(i) Léo Pinheiro
“Questões novas demandam soluções novas”. Dessa forma Sérgio Moro conseguiu o feito de unir todas as penas de Léo Pinheiro, que foi condenado em outra ação penal, totalizadas em mais de 30 anos, para determinar que ele cumpra apenas dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado. Léo Pinheiro recebeu o tratamento privilegiado concedido a delatores, embora ele não tenha homologado seu acordo de delação no processo do Triplex.

“O problema maior em reconhecer a colaboração é a falta de acordo de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade”, afirmou Sérgio Moro na sentença. Para ele, no entanto, esse problema poderia ser resolvido com uma solução inédita de estabelecer que Léo Pinheiro no máximo dois anos e meio, considerando a condenação por outro processo que não estava em julgamento.

(ii) Lula
Considerando a culpabilidade extrema, Moro elevou as penas base para nos crimes de lavagem e de corrupção para chegar a 9 anos e 6 meses de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa Um detalhe curioso é a determinação do sequestro do Triplex da OAS, que lista o imóvel na lista de credores na recuperação judicial, bem como da Caixa, que tem as garantias sobre o imóvel. Ou seja, além do apartamento não ser de propriedade de Lula, tanto o banco público, como também os credores da recuperação judicial da OAS tiveram diminuição patrimonial e não poderão mais contar com o imóvel, em que pesem dívidas e acordos celebrados em torno do bem.

Moro, ao final, mostra sua benevolência ao dizer que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas que a “prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.

Do Justificando