Mais
uma postagem da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, feita
em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM. Outras matérias da série podem ser
vistas aqui.
Exclusivo:
O que Tacla Durán deve dizer na CPI, por Joaquim de Carvalho
A
imagem da tela do smartphone com a conversa do advogado Carlos Zucolotto é
apenas uma das provas que o advogado Rodrigo Tacla Durán pretende mostrar no
depoimento à CPI da JBS, na próxima quinta-feira. Tacla Durán entregou o
celular e notebook para um perito da Espanha, para que ele atestasse que não
houve montagem nas imagens nem nas planilhas arquivadas.
A
conversa com Zucolotto foi pelo apliacativo Wickr, que funciona como muitos
outros programas de troca de mensagens, com a vantagem de que estas não podem
ser rastreadas. Além de serem protegidas por criptografias, desaparecem depois
de seis dias e não ficam armazenadas ou passam por nenhum servidor.
Tacla
Durán fez print screen das telas com a conversa, e essas imagens é que foram
para o perito, que já teria atestado não se tratar de montagem. No livro que
Tacla Durán está escrevendo, Zucolotto transcreve o trecho de uma conversa
sobre negociações para acordo de delação premiada com o Ministério Público
Federal:
Zucolotto:
Amigo, tem como melhorar esta primeira… Não muito, mas sim um pouco.
Rodrigo
Durán: Não entendo.
Zucolotto:
Há uma forma de melhorar esta primeira proposta… Não muito. Está interessado?
Rodrigo
Durán: Como seria?
Zucolotto:
Meu amigo consegue que DD entre na negociação.
Rodrigo
Durán: Correto. E o que que se pode melhorar?
Zucolotto:
Vou pedir para mudar a prisão para prisão domiciliar e diminuir a multa, ok?
Rodrigo
Durán: Para quanto?
Zucolotto:
A ideia é diminuir para um terço do que foi pedido. E você pagaria um terço
para poder resolver.
Rodrigo
Durán: Ok. Pago a você os honorários?
Zucolotto:
Sim, mas por fora, porque tenho que cuidar das pessoas que ajudaram com isso.
Fazemos como sempre. A maior parte você me paga por fora.
Rodrigo
Durán: Ok.
Zucolotto:
Enviaremos um modelo com um valor alternativo, porque o valor de fora está
bloqueado. Portanto, você para um terço em R$. Quando você vir (o modelo), vai
entender.
Tacla
Durán conta que, de fato, os procuradores Júlio Noronha e Roberson Pozzobon
enviaram por e-mail um modelo de acordo com as condições alteradas por
Zucolotto. “Recebi o rascunho no dia 27 de maio de 2016, e deveria estar no
Brasil no dia 30, para assinar. Sozinho em casa na Flórida, pensei muito e
decidi não assinar nem voltar ao Brasil. Não poderia admitir crimes que não
cometi. Eu pedi ao meu advogado Leonardo Pantaleão, que me representou na
reunião prévia com os procuradores, para discutir o texto e as cláusulas. Os
procuradores, ao saberem da minha negativa em admitir os crimes que não havia
cometido, não quiseram mais conversar comigo e as negociações terminaram. Este
foi nosso último contato”, escreveu no livro que ainda não foi publicado.
Zucolotto
é amigo de Sergio Moro e o site de seu escritório apresentava a esposa do juiz,
Rosângela Moro, como uma das advogadas associadas. Pessoas próximas a Tacla
Durán disseram não acreditar que o contato com os procuradores da Lava Jato
seja feito através de Rosângela. As relações são estreitas não só através das
amizades de Rosângela, mas entre outros advogados e membros do Ministério
Público Federal. O irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, Rodrigo, por
exemplo, é advogado de João Santana e Mônica Moura, que fizeram acordo de
delação premiada.
O
procurador Orlando Martello Júnior, que atua com Deltan Dallagnol e Carlos Fernando
dos Santos Lima desde a investigação do Banestado, em 2002, é muito próximo de
Marlus Arns, advogado que fechou vários acordos de delação premiada em
Curitiba.
Marlus
também é profissionalmente ligado a Rosângela Moro, através da APAE e
também de uma antiga ação da massa falida da GVA, em Guarapuava, interior do
Paraná. Por sua vez, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima já foi
cliente do escritório de Zucolotto, em uma ação trabalhista.
A
chamada República de Curitiba é quase uma família. Ou "panela', como teria
definido o consultor financeiro Ivan Carratu, prestador de serviços da UTC,
empreiteira para a qual ambos trabalharam. Tacla Durán também guardou mensagens
trocadas com com Carratu quando o dono da empresa, Ricardo Pessoa, preparava um
adendo a seu acordo de delação premiada.
Tacla
Durán disse aos dois deputados que estiveram com ele em Madri (Wadih Damous e
Paulo Pimenta) que foi avisado por Carratu de que seria citado na delação
de Ricardo Pessoa. Ivan Carratu teria lhe sugerido contratar um advogado da
“panela” de Curitiba e adiantado que, com a assistência de um desses advogados,
o acordo de delação premiada seria favorável.
De
fato, Tacla Durán foi citado no adendo ao acordo de delação, mas em um
depoimento que é estranho não apenas pelo conteúdo, mas pela forma. Quem toma o
depoimento, como se fosse um procurador ou delegado da Polícia Federal, é a
própria defesa de Ricardo Pessoa. Na verdade, são dois depoimentos — o de
Ricardo Pessoa e o do diretor financeiro da UTC, Walmir Pinheiro Santana.
Um
complementa o outro. Walmir diz que Tacla Durán é quem fazia o câmbio das
propinas pagas no exterior. A cada dois meses, segundo Walmir, Tacla Durán
comparecia à sede da UTC, em São Paulo, e entregava dinheiro vivo, em reais,
correspondente aos dólares depositados lá fora. Pessoa diz a mesma coisa, só
que nega o contato direto com Tacla Durán. Era Walmir quem recebia o dinheiro,
na garagem da empreiteira.
O
que enfraquece a versão é a falta de provas. Nos depoimentos, dizem que Tacla
Durán não tem registro na portaria da empresa, nem houve gravação em vídeo da
presença dela. Outro relato que tira credibilidade da narrativa é que, segundo
Walmir Pinheiro, o dinheiro era entregue a ele e levado para ficar sob a guarda
do doleiro Alberto Youssef. Não faz sentido. Por que Durán não levava o
dinheiro diretamente a Youssef?
Para
a defesa de Tacla Durán, essa versão de que teria havido triangulação entre
doleiros, foi criada para evitar que Youssef fosse envolvido diretamente na
história — ele teria que confirmar. Era mais fácil circunscrever a narrativa no
âmbito de Pessoa e Walmir, um confirmando o outro.
O
mais estranho no adendo à delação dos diretores da UTC é a forma como o
depoimento foi registrado. É como se os advogados, pagos por Walmir e Pessoa,
estivessem interrogando os clientes.
“QUE,
o colaborador inicialmente gostaria de ressaltar que as informações agora
reveladas de forma alguma foram escondidas ou guardadas conscientemente com a
intenção de não revelar a movimentação financeira realizada”, escrevem os
advogados no adendo de Walmir Pinheiro, como se fosse um depoimento tomado or
autoridades constituídas.
Ricardo
Pessoa, no depoimento dele, aparece complementando:
“QUE
(…) o COLABORADOR solicitou a oportunidade de fazer um levantamento nos
arquivos da empresa, estando agora em condições de prestar a presente
declaração e documentos a respeito de fatos envolvendo a empresa de TACLA
DURÁN”.
Não
existe documento, apenas planilha, e o tempo que demorou para Pessoa recobrar a
memória sobre a existência de Tacla Durán foi de aproximadamente um ano.
Para
a defesa de Tacla Durán, o nome dele foi citado para esquentar a investigação,
numa época em que os procuradores precisavam apertar o cerco à Odebrecht —
Tacla Durán prestou serviços também para a Odebrecht.
Não
existe prova de que Durán esteve na UTC, mas haveria um jeito de saber se houve
contato entre eles. Bastaria verificar, nas datas indicadas como de entrega de
dinheiro, se o advogado esteve na região da UTC. Basta quebrar o sigilo telefônico.
A torre das operadoras tem o registro do deslocamento de seus clientes.
Mas isso não foi feito, porque, a rigor, não houve inquérito para apurar as
operações atribuídas ao advogado.
O
auto-interrogatório de Walmir Pinheiro e Ricardo Pessoa não foi homologado pela
Justiça, mas tem sido citado em despachos de Sergio Moro para justificar
medidas coercitivas contra o advogado. Tacla Durán deve relatar todo esse
episódio à CPI da JBS, para mostrar o calcanhar de Aquiles da Lava Jato: na
falta de provas para atingir um alvo, os procuradores arrumam um jeito de
ajustar versões e simular cenários de crime.
GGN