sábado, 31 de julho de 2021

PODER LEGISLATIVO; PODER JUDICIÁRIO E O ‘PODER DO MOLEQUE’, POR FERNANDO BRITO

Escrevi o post anterior antes que Monica Bergamo confirmasse, em sua coluna, que não há condições de chamar, a esta altura, um “diálogo institucional” entre os poderes da República, já que “Bolsonaro é chamado de moleque no Supremo e ministros dizem que TSE não ficará mais só no palavrório“.

O que há para conversar com um moleque que, não sendo moleque por idade, é porque mente, dissimula, cria histórias para justificar o que não é mais que seu desejo egoísta de continuar dono de um brinquedo chamado Brasil.

Todos viram Jair Bolsonaro dizer que “os mesmos que soltaram Lula é que vão apurar os votos”.

Os ministros do STF que integram o TSE – Alexandre de Moraes, Edson Fachin, e o presidente da corte eleitoral, Luís Roberto Barroso – votaram TODOS contra o fim da prisão em segunda instância que tirou Lula da cadeia.

O “especialista” Eduardo que distorceu dados eleitorais, na live de ontem, da mesma forma, foi exibido de forma mentirosa: trata-se de um coronel da reserva pendurado num cargo do Planalto, pessoa de confiança dos generais Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto e não tem qualquer expertise em sistemas eletrônicos.

Anunciada como “bombástica”, a live foi apenas uma “bomba na latrina”, com muito barulho e pouco conteúdo, para fingir uma questão técnica onde há apenas o desejo político de confundir um quadro político desfavorável.

Tudo foi agitação para a manifestação com que Bolsonaro pretende “peitar” Congresso e STF no domingo, aliás com parcas perspectivas de sucesso, embora as máquinas robóticas nas redes sociais estejam a todo vapor.

Só pode haver diálogo entre poderes se houver harmonia e não há, neste momento, nem uma nem outra.

Pois o “moleque”, na definição de ministros do Supremo, quer coagir Congresso e Justiça a fazerem “prova” de que nossas eleições foram e serão fraudadas se não forem seguidas suas ordens.

Tijolaço.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

UNIR A DIREITA E ‘PRÉ-MELAR’ ELEIÇÃO DE 2022 SÃO OS PLANOS DE BOLSONARO, POR FERNANDO BRITO

 

Não foi só ao ministro Luiz Roberto Barroso que Jair Bolsonaro acusou ontem de estar preparando uma fraude eleitoral.

Foi ao Supremo Tribunal Federal, a quem acusou de tê-la planejado, ao soltar – e depois anular os processos viciados de Curitiba.

Acusações, como registraram a imprensa e os sites de verificação de notícias, falsas, distorcidas e, sobretudo, sem qualquer prova.

Como, diante de algo assim, vai o Poder Judiciário, fazer um bilu-bilu institucional ao presidente, reunindo os chefes de poderes para um entendimento.

Entendimento sobre o quê?

Fazer o Legislativo e a Justiça cederem ao desejo presidencial de impor uma votação em papel que nada tem a ver com a necessária capacidade de auditar a eleição, mas de mobilizar um sistema de coações sobre os eleitores?

Parece evidente, até a onde a vista alcança, que não haverá a submissão de ambos ao quase-ultimato presidencial.

É outra a estratégia presidencial, que consiste em criar um clima de turbulência no processo eleitoral, previamente desqualificado como fraudável e efetivamente fraudado, como o acusou de ser Bolsonaro.

O primeiro movimento é o de “tocar reunir” entre antipetistas, conservadores, militares e tudo o mais que se puder juntar à sua candidatura, tirando o que puder dos demais candidatos da direita. Conservar seu “núcleo duro”, fanático e agressivo, é ponto central em seu projeto de continuidade.

O segundo, a depender de um bom resultado de primeiro turno, o que já começou, segundo as pesquisas, a se tornar incerto, é alcançar uma polarização em segundo turno que lhe permita um movimento para “melar” o processo eleitoral sob a bandeira de um veto (militar e/ou judicial) a Lula.

Ao Judiciário e ao Legislativo, ceder agora significaria reconhecer que a eleição é fraudável e já foi fraudada, como acusa Bolsonaro.

Que, não por acaso, diz que só Deus o tirará da cadeia presidencial. Como Deus não tem título de eleitor….

Uma vitória de Lula só terá segurança se lhe der uma vantagem à prova de golpes.

Tijolaço.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

NO QUE VAI DAR O “NÃO ME DEIXEM SÓ” DE BOLSONARO? POR FERNANDO BRITO

1° de agosto.

Jair Bolsonaro convocou e reconvocou o “não me deixem só” dos governantes em má situação.

Problemão fazer isso: tem de mostrar o que anda difícil acreditar que tem.

Um quarteirão ou dois da Paulista não bastam para provar apoio quando este é pedido com a explicitude que se pediu na live presidencial.

Não são terceiros convocando, é ele próprio chamando sua massa a uma manifestação pelo voto impresso.

Sucesso e, sobretudo, fracasso, serão seus.

Os robôs já entraram em ação, convocando para o ato de 1° de agosto no qual o presidente jogou as sua fichas.

Mas robôs só existem no mundo virtual e vai ser preciso gente de carne e osso para que a demonstração de força funcione.

E precisa ser muito grande para botar medo, não basta enfileirar as motos para aumentar o seu tamanho.

Porque não será com Ciro Nogueira e com a “militância” do Centrão que irá encher a Avenida, como prometeu.

Jair Bolsonaro, como se disse antes, está chegando ao estado patético que os que viveram os anos Collor conheceram.

Tijolaço.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

BOLSONARO DIZ QUE ‘ENTREGA A ALMA’ DO GOVERNO. QUE GOVERNO, QUE ALMA? INDAGA FERNADO BRITO

Jair Bolsonaro mente com sinceridade ou, se você preferir, é mentirosamente sincero.

Ao dizer hoje que que está entregando “a alma do governo” a Ciro Nogueira, está praticando esta sincera mentira ou a sinceridade mentirosa.

Bolsonaro não vive uma situação aguda imediata.

Não há risco iminente de impeachment, o que existe é um imenso risco, quase uma certeza, de uma derrota eleitoral acachapante em 2022.

Bolsonaro entrega o governo, pelo qual tem uma enorme inapetência, mas não entrega alma que é sua força maléfica essencial.

Ele não se incomoda que uma nuvem de gafanhotos caia sobre o país indefeso e se prepara para colocar-se como vítima para encobrir seu fracasso.

E o que o Centrão quer, igual, não é alma, mas governo.

É uma soma infernal, onde o fanatismo assume o controle da política e o fisiologismo, o da máquina.

Quem não entender que, para extirpar o mal é preciso enterrar as mãos nas estruturas das podres políticas vai fazer o jogo da dobradinha selvagem que só poderá ser evitada se tivermos um personagem que torne impossível que elas se aliem, por temor eleitoral, às forças do fascismo.

Se, para isso, será preciso entregar parte do governo, que seja, desde que fique penada, isolada, solitária a alma do fascismo.

Tijolaço.

terça-feira, 27 de julho de 2021

CIRO JÁ É MINISTRO, MAS MINISTRO DE QUEM E DE QUÊ? POR FERNANDO BRITO

Ciro Nogueira tuitou, há minutos, que é ministro da Casa Civil.

Será?

O ministro da Casa Civil fala pelo presidente com outros ministros mas é difícil crer que Ciro será tido como esta voz.

O ministro da Casa Civil fala com parlamentares, líderes partidários e dirigentes do Judiciário em nome do presidente e por ele assume compromissos, mas é quase impossível crer que o novo ocupante do cargo possa fazê-lo.

Para desempenhar essas funções, precisa gozar de confiança absoluta do Presidente, o que significa dizer que é, por consequência, alguém que precisa ter fidelidade canina a ele, embora necessite ter habilidade política.

Ciro, é evidente, não tem perfil para preencher estas condições, exceto a última, que é insuficiente para cumprir com as demais.

Portanto, o papel de Ciro é o de ser o Ministro do Centrão, não da Casa Civil de Bolsonaro.

Ao Centrão, deve cargos e verbas e a posse, provavelmente amanha, mostrará o tamanho dos que se pretendem comensais deste bolo.

A Bolsonaro, tem o dever de escapar de confrontar suas declarações absurdas e de trata-lo com a leniência do “ah, mas ele é assim mesmo…”, como um “esquisitão” que o país deveria ignorar grosserias e bravatas.

Não é arranjo que possa durar muito tempo e muito menos que não acumule insatisfações e rancores, e não porque Ciro Nogueira seja disso.

Tijolaço.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

O PAPEL DO BRASIL. OU ‘SAUDADES DO FUTURO”, POR PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ultimamente, tenho pensado muito – não só com a cabeça, mas também com o coração – no papel planetário do Brasil. Isso pode parecer estranho, quando se considera o ponto baixíssimo em que nos encontramos, dentro e fora de casa. Reconheço que é mesmo estranho. Mas nosso país, leitor, tem que pensar grande. Não pode cuidar apenas de si mesmo e da sua vizinhança imediata.

Estou exagerando? Não creio. O Brasil teve, ou começou a ter, em tempo não muito distante, exatamente esse papel planetário. Eu mesmo participei disso, no âmbito do FMI, do G20 e dos BRICS, e sei do que estou falando. O que vou escrever, hoje, está ancorado não apenas em desejos ou projetos, mas também em vivências. Convido o leitor a passar ao largo da nossa conjuntura deplorável e voltar os olhos para o futuro. Também do futuro se pode ter saudades.

Megalomania e nanomania

Bem sei que toda vez que o Brasil procura se comportar à altura da sua dimensão e do seu potencial, ergue-se, sinistro, o coro das vozes discordantes, céticas ou derrotistas. Denuncia-se, muito mais dentro do que fora do país, não raro com agressividade, a suposta megalomania de projetos nacionais brasileiros.

Ora, ora, francamente! Megalomania? Ao contrário! O brasileiro sofre de nanomania, como notou o chanceler Celso Amorim. Exatamente isso: nanomania, mania de ser pequeno, termo que talvez tenha sido cunhado pelo próprio ex (e, espero, futuro) Ministro das Relações Exteriores do Brasil.

O nosso problema nunca foi uma suposta mania de grandeza. Aliás, nem tem cabimento falar nisso. O Brasil é grande – objetivamente falando. Nem precisamos, portanto, ter mania de ser o que já somos.

O que nos falta, claro, é a dimensão subjetiva da grandeza, a autoconfiança que transforma a grandeza objetiva, factual em uma realidade completa. Mas a base objetiva e factual é de uma abundância clamorosa.

Permita, leitor, que eu me repita um pouco, antes de entrar propriamente no assunto deste artigo. É que a repetição costuma ser um recurso absolutamente essencial. Já dizia Nelson Rodrigues que tudo aquilo que não é repetido, com insistência, com determinação e com descaro, permanece rigorosamente inédito. Seguindo essa recomendação, tenho então apontado incansável e obsessivamente para o óbvio ululante: o Brasil é um dos gigantes do mundo. Temos o quinto maior território, a sexta maior população e a oitava economia do planeta. O Brasil faz parte de um grupo de apenas cinco países, junto com os Estados Unidos, a China, a Índia e a Rússia, que integram as listas das dez maiores nações em termos de PIB, extensão geográfica e habitantes. Não foi por outra razão que batizei o meu livro mais recente de “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”.

Esses dados de tão óbvios nem precisariam ser mencionados, muito menos insistentemente. Nem seria necessário que um economista brasileiro escrevesse um livro com esse título. É a nossa nanomania que torna a insistência inescapável, ou pelo menos desculpável.

Isso tudo a título de introdução. Eis o que eu realmente queria dizer: ao Brasil está reservado um destino planetário e, por isso, não podemos pensar apenas em nós mesmos e nossos vizinhos próximos. Messiânico? Que seja. Mas tento explicar.

Europa, Estados Unidos, China

Começo pelo quadro mundial. Há um vácuo escandaloso no planeta. Nenhuma das principais potências, apesar dos seus méritos, consegue oferecer uma visão de mundo convincente.

A Europa, por exemplo, é uma maravilha. Que continente! Quanta cultura, história, beleza e variedade! E, no entanto, envelheceu. Não tem mais o mesmo vigor, nem a mesma criatividade. Enquanto em países como o Brasil tudo está por se fazer, na Europa o peso do passado esmaga as gerações presentes. Preconceituosa e fechada, repliée sur soi même, a Europa sequer se interessa, realmente, pelo resto do mundo. Defensiva e agarrada a suas conquistas e seus privilégios, pouco oferece, pouco inventa em benefício dos outros. Eu mesmo vi como no FMI e no G20, os europeus, em bloco, resistiam tenazmente à reforma das instituições internacionais.

Os Estados Unidos são inegavelmente uma grande nação, que já deu e ainda dará muito para o desenvolvimento da civilização. Sem ter cultura e história tão antigas e tão ricas quanto às da Europa, os americanos compartilham com os europeus valores, tradições, princípios. E, também, alguns receios fundamentais. Temem o fim da hegemonia duramente conquistada no século 20. Lidam mal com a perda gradual de expressão econômica e demográfica, em face da ascensão dos países de economia emergente, especialmente a China. No meu convívio com os americanos, no FMI e no G20, pude notar como é difícil, às vezes impossível, trabalhar em cooperação com eles. Mesmo quando há acordo nos temas em discussão! Prevalece do lado americano uma atitude arrogante e uma certa mania de se autodesignar líder mundial e pretender, com frequência, impor seus pontos-de-vista.

Isso muda com Biden? Ele está se esmerando em recuperar a coesão interna do país, erodida por décadas de políticas econômicas e sociais de cunho neoliberal e pelos tumultos ocasionados por seu antecessor imediato. Tem plena consciência de que atacar as desigualdades, injustiças e ineficiências que se acumularam nos últimos 40 anos é condição sine qua non para enfrentar o desafio representado pela China. Ao fazer esse esforço interno, Biden rompe com políticas regressivas e manda uma mensagem positiva para o mundo.

Infelizmente, a essa altura, já ficou claro que uma coisa é a sua política interna, inovadora e louvável, e outra a sua política externa, marcada pelos vícios e egoísmos arraigados da potência imperial. Solidariedade, justiça e desenvolvimento para dentro. Imperialismo, hostilidade ou indiferença para fora. É isso mesmo? Não quero ser injusto nem preconceituoso, mas a política internacional de Biden não escapa por enquanto dos trilhos tradicionais. Até gostaria de poder dizer o contrário. Mas como? Para citar apenas um exemplo: até agora Biden não deu um passo sequer para relaxar a absurda política de embargo em relação a Cuba, intensificada no período Trump.

E a China? Ela tem condições de ocupar o vácuo deixado pelas potências tradicionais? De oferecer uma mensagem nova para o mundo? Os chineses, assim como os europeus e americanos, têm qualidades – e não são poucas. São notáveis a sua disciplina, capacidade de trabalho, dedicação, sentido de coletividade e patriotismo. Os chineses se orgulham, com toda razão, do sucesso estrondoso do país ao longo das mesmas quatro décadas em que grande parte do Ocidente empacou no atoleiro neoliberal. A China, diga-se de passagem, nunca comprou o “Consenso de Washington” que tanto sucesso fez aqui na América Latina.

A coesão que falta aos Estados Unidos sobra na China (talvez seja até excessiva). E repare, leitor, que as qualidades dos chineses se fizeram sentir com toda a força na forma rápida, disciplinada e eficaz com que enfrentaram o desafio da Covid-19 – um contraste impressionante com as hesitações, irracionalidades e incompetências que se viram, e ainda se veem, no Ocidente.

E, no entanto, apesar de algumas iniciativas de impacto, notadamente a Rota da Seda, como ainda é estreita e pouco criativa a agenda internacional da China! Tanto no FMI, como no G20 e nos BRICS, pude observar como os chineses concentram seus esforços em poucos pontos-chave, que julgam do seu interesse, e deixam o resto mais ou menos em segundo plano. Isso deve mudar, acredito, mas não de uma hora para outra.

Nos anos mais recentes, com Xi Jinping no comando, perdeu-se um aspecto que me parecia importante – um certo cuidado, uma certa humildade no trato com outros países. O sucesso talvez tenha subido um pouco à cabeça. Nota-se agora certa arrogância, certo chauvinismo. A China, ainda mais do que antes, tem dificuldade em despertar a confiança de outros países e, em especial, dos seus vizinhos. Não tem liderança e hegemonia asseguradas nem mesmo no Leste da Ásia. Há muita inveja, intriga e propaganda anti-China, sem dúvida, mas os chineses também fomentam as reações negativas a eles no exterior.

O papel planetário do Brasil

Mas era do Brasil que queria falar. Como fica então o nosso país nesse quadro internacional? Pois bem, prepare-se, querido leitor, para uma declaração bombástica: o Brasil destina-se por sua própria história e formação a exercer um papel singular, a trazer uma mensagem de esperança, generosidade e união para o planeta inteiro.

O texto já está ficando longo demais e preciso tentar ser mais direto. Por circunstâncias da vida, coube-me viver grande parte do tempo no exterior. E cedo pude perceber as grandes qualidades do brasileiro em comparação com outros povos – vivacidade, alegria, cordialidade, afetuosidade, doçura, criatividade, capacidade de inventar e improvisar, entre outras. Desde 2015, e sobretudo desde 2019, fomos jogados na negação disso tudo. O brasileiro já nem se reconhece mais. Mas não é em alguns poucos anos que se consegue destruir o espírito de um povo. E é justamente desse espírito que o planeta está precisando, urgentemente, para fazer face a suas crises econômicas, sociais, climáticas e de saúde pública.

A nossa história nos prepara para exercer naturalmente um papel planetário. O Brasil é um país universal na sua própria origem e formação. Para cá confluíram os povos originários, oriundos da Ásia, os portugueses, os africanos, outros povos europeus, italianos, espanhóis, alemães etc. A maior população japonesa fora do Japão está no Brasil. A população brasileira de origem libanesa é maior do que a população inteira do Líbano. Salvador é a maior cidade negra fora da África, superada em número de habitantes por apenas quatro ou cinco cidades do outro lado do Atlântico Sul. O Brasil, em suma, contém o planeta dentro de si mesmo.

Quase diria: não é só que o Brasil não cabe no quintal de ninguém, mas é o mundo que cabe no nosso quintal. Mas isso já seria arrogância, algo que o brasileiro sabe bem evitar. Não é que o mundo cabe no nosso quintal. Ele está dentro de nós, na nossa história, na nossa formação, no nosso sangue. O mundo nos constituiu.

Nem preciso frisar que esse papel internacional do Brasil depende da retomada de um projeto nacional de desenvolvimento, que começa com o resgate do próprio povo brasileiro, resgate que precisa ser consubstanciado na geração de empregos e oportunidades e na luta contra a desigualdade, a pobreza e a injustiça dentro do País, como procurei ressaltar em artigo recente nesta coluna. Esse resgate tem que tomar a forma de uma verdadeira ofensiva, um movimento em marcha forçada, concentrado no tempo e apoiado em nossas experiências bem-sucedidas na área social.

Mas o ponto que queria frisar hoje é que o nosso projeto nacional de desenvolvimento, não poderá ser apenas nacional, estreito e egoísta. Nacional, sim, mas não apenas nacional. Brasileiro, sim, mas não fechado e excludente. O projeto brasileiro haverá de ser nacional e universal ao mesmo tempo. É o nosso destino.

Estou usando aqui a palavra destino cum grano salis. O Brasil pode perfeitamente continuar infiel a esse destino. E deixar, assim, uma imensa lacuna no planeta.

A nossa vivência

A quem duvide disso tudo e queira desqualificar o que estou dizendo como mero delírio, utopia ou devaneio tenho apenas o seguinte a dizer: o Brasil já mostrou, na prática, insisto, que tem condições de caminhar nessa direção. Foi o que vimos há pouco tempo, durante o governo Lula e, em menor medida, no governo Dilma. O Brasil já foi, como disse na época Chico Buarque, um país que não falava grosso com a Bolívia e nem piava fino com os Estados Unidos. Tratava todos com cuidado e consideração. Mais do que isso: começou a atuar em todos os quadrantes do mundo, trazendo sempre uma palavra de paz, justiça e congraçamento. Eu morava no exterior durante a maior parte desse tempo e posso testemunhar da influência crescente do Brasil e do respeito e da simpatia que suscitávamos.

Mais do que testemunha fui, em determinadas áreas, participante ativo dessa ascensão brasileira, no âmbito do FMI, do G20 e dos BRICS. Tínhamos energia, leitor, para nos preocuparmos até com temas remotamente ligados a interesses imediatos do País. Por exemplo: a Islândia estava sendo injustiçada por outros europeus? Lá estávamos nós para ajudar os islandeses a se defender no FMI. A Grécia era massacrada pela Alemanha e outros europeus? Lá estávamos nós para denunciar e criticar, em detalhe, os absurdos do ajustamento econômico imposto aos gregos. Os países pequenos e frágeis precisavam de uma atenção especial? Lá estávamos nós para construir iniciativas e mecanismos de atuação em defesa desses países dentro do FMI. Os países de língua portuguesa, da África e da Ásia, estavam abandonados e negligenciados? Lá estávamos nós para tentar auxiliá-los e, se possível, trazê-los para dentro do nosso grupo no FMI.

Nos grandes temas então, de interesse imediato e estratégico do Brasil, a atuação brasileira subia aos mais altos níveis de governo, ao ministro da Fazenda, ao ministro das Relações Exteriores e ao Presidente ou à Presidenta da República. Por exemplo: o G7, composto apenas pelos principais países desenvolvidos, se mostrava estreito demais para enfrentar os desafios da crise internacional? Lá estávamos nós para ajudar, e em certos momentos, liderar o movimento para transformar o G20 em foro de líderes e colocá-lo no lugar do G7 como principal instância de cooperação internacional. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais mostravam-se intrusivos, lentos e defasados? Lá estávamos nós, junto com os outros BRICS, para criar um banco multilateral, o Novo Banco de Desenvolvimento, desenhado para inaugurar um novo padrão de financiamento do desenvolvimento, focado na sustentabilidade social e ambiental e fundado no respeito aos países em desenvolvimento e às suas estratégias nacionais. O FMI resistia a reformas em sua governança? Lá estávamos nós, de novo com os BRICS, para criar um fundo monetário próprio capaz de atuar de forma independente.

Mencionei apenas exemplos da minha esfera de atuação imediata. O Brasil fez muito mais no campo internacional. Muitas das nossas iniciativas ainda não frutificaram ou ficaram pelo caminho depois que o Brasil mergulhou na sua crise política e econômica. Estávamos apenas começando e cometemos, certamente, muitos erros. Mas ninguém estranhava que o Brasil estivesse presente e atuante em quase todas as grandes questões internacionais. É o que se espera de um país-gigante como o nosso.

É verdade, também, que a súbita ascensão do Brasil contrariou interesses e despertou inquietações e ciúmes em algumas partes do mundo desenvolvido, notadamente nos Estados Unidos, ainda que isso nem sempre se manifestasse claramente. E essas inquietações deram lugar a ações externas que explicam, em parte, as nossas desgraças atuais – como ficou claro nas informações que têm vindo à tona no passado mais recente. Temos que proteger melhor os nossos flancos e a nossa retaguarda da próxima vez.

Retomar o papel planetário do Brasil é retomar um projeto de gerações anteriores de brasileiros que souberam pensar grande. Celso Furtado, por exemplo, o patrono da cátedra que estou conduzindo na UFRJ, encerrou conferência pronunciada na USP em 2000, com o seguinte apelo aos jovens brasileiros:

“Temos que preparar a nova geração para enfrentar grandes desafios, pois se trata de, por um lado, preservar a herança histórica da unidade nacional, e, por outro, continuar a construção de uma sociedade democrática aberta às relações externas. (…) Numa palavra, podemos afirmar que o Brasil só sobreviverá como nação se se transformar numa sociedade mais justa e preservar a sua independência política. Assim, o sonho de construir um país capaz de influir no destino da humanidade não se terá desvanecido”.

Sobrevivemos!

Vou terminando este texto que me saiu longo demais. Espero que o leitor tenha chegado até aqui. Apesar de todos os argumentos e explicações, o artigo talvez tenha ficado, mesmo, meio delirante. Paciência. Não é, afinal, pelo delírio que se chega ao fundo das coisas? E nem me parece tanto delírio assim reconhecer que o Brasil tem condições, dimensão e experiência para atuar de forma decisiva, positiva e solidária nas grandes questões que preocupam o mundo hoje – na crise ambiental, no combate à miséria e à fome, no combate a pandemias presentes e futuras.

Entendo perfeitamente que afirmações como as que fiz possam despertar desconfiança e ceticismo. Sofremos e estamos sofrendo muito, eu sei. A destruição foi grande – e ela continua. Mas, como disse Nietzsche, o que não nos mata nos torna mais fortes. Sobrevivemos e estamos nos preparando para dar a volta por cima. Em retrospecto, nossos tormentos recentes e atuais serão lembrados, acredito, como a provação que tivemos que atravessar para nos preparar melhor e de forma mais profunda para o papel planetário a que estamos destinados.

Releio o que escrevi. Está muito emotivo. Carreguei demais nas tintas? Acho que não. Mas veremos.

Tijolaço.

domingo, 25 de julho de 2021

A RUA PRECISA SER O FUTURO, NÃO O PASSADO, POR FERNANDO BRITO

 

Estão terminando as centenas de atos públicos contra Bolsonaro que marcaram o dia de hoje pelo Brasil.

Expressivos por toda a parte, eles nos mostram, porém, que não se pode pensar, exclusivamente, numa maratona de manifestações, mas que é preciso começar a organizar pela base o processo de preparação para o processo eleitoral que pode terminar com este pesadelo que vive o Brasil.

Sim, porque crescerão a dificuldades de ser oposição a um governo que já não existe e no qual não se acredita, nem mesmo nas bravatas e rosnados de seus chefes (dos) militares, porque é mais que duvidoso que interpretem vontades orgânicas e estratégicas das Forças Armadas.

Tudo o que estamos vivendo rescende a falsidade: o bolsonarismo hoje não é além de um anacronismo direitista, velho como Guerra Fria, que só é hegemônico entre a direita porque tem dois fatores a conservá-lo: o óbvio aproveitamento das estruturas governamentais e o desmantelamento das estruturas político-partidárias que se provocou com a Lava Jato, que destruiu totalmente as próprias forças que a promoveram.

Tivesse sobrado algo, estaria aí a tal terceira via, mas não sobrou.

Daí que é falso crer que Lula procura, tal como quer Bolsonaro, um confronto exclusivo entre ele e o ex-capitão. Não é mau para o ex-presidente que haja candidaturas à sua direita que formem contra Bolsonaro, embora, a depender do desenho que tomem as eleições, não se possa garantir que formarão na oposição em um eventual segundo turno eleitoral.

Mas estas forças seguem se vitimizando com o que chamam de “intransigência da esquerda” para justificar a sua ausência do combate ao bolsonarismo. Sem elas, não haveria Arthur Lira que atrelasse – ainda que com espertezas marotas – o Legislativo a Bolsonaro e, agora, passando de cavalgadura a cavaleiro, tomando as rédeas do governo.

O que cabe às forças de esquerda, diante disso, é converter rua em voto, sair da pobreza “identitária” egoísta e entender que há uma primeira identidade a nos reunir, a de democratas e progressistas, que nos reúne ao povo e une o povo.

Por fogo em Borba Gato, de resto um personagem que não encanta ninguém senão os mumificados, realmente não faz parte das prioridades urgentes. Pode ser, no máximo, uma boa sugestão de carro alegórico do carnaval que vem aí, tomara, sem pandemia.

Não estamos lutando contra os exterminadores do passado, mas contra os exterminadores do nosso futuro.

Tijolaço.

sábado, 24 de julho de 2021

PAPÉIS FALSOS ENTREGAM BANDITISMO NA COMPRA DA COVAXIN, POR FERNANDO BRITO

No Estadão, a revelação das falsificações grosseiras nos documentos entregues ao Ministério da Saúde pela Precisa, intermediária da compra da vacina indiana Covaxin, é mais que bastante para saber que aquela não foi uma negociação normal, mas uma picaretagem bilionária que não poderia ter avançado dentro do governo brasileiro.

“Colar” arquivos de texto criados pela Precisa sobre documentos da Bharat Biotech, aproveitar carimbos, com erros grosseiros de grafia, tudo isso é estarrecedor e, obviamente, criminoso em si mesmo.

É estranho que o Ministério da Saúde, em tese enganado por estes expedientes sujos, não tenha reagido. Só a Anvisa que, diante da anulação da autorização da Precisa, disse que que está reavaliando o”pedido de autorização de uso emergencial e um protocolo para condução de pesquisa clínica no país” feitos por ela em nome da Bharat Biotech.

Mas como é que estes aventureiros da Precisa chegaram à empresa indiana e financiaram o envio de emissários para Nova Deli e Hyderabad, cidade onde fica a fábrica de vacinas?

A história, se bem apurada, vai se ligar à compra das doses por empresas privadas, entre elas clínicas de vacinação que firmaram contratos com a Precisa e pagaram adiantado por isso.

Era fácil de prever isso, quando se começou, dentro do Congresso a se discutir a badalada “intenção de ajudar” de empresas privadas que queriam comprar doses – que no mundo inteiro, pelos fabricantes de vacina, só eram negociadas com governos – para vacinar seus trabalhadores, “doando” uma parcela ao SUS, que adiante, seriam pagas pelo poder público.

Era picaretagem, e isso era possível ver meses antes de ser consumada, quando um grupo de empresários anunciou que estaria comprando 33 milhões de doses para distribuir entre seus funcionários e doações ao SUS.

Quando esta mutreta, que chegou a ser aprovada na Câmara, empacou no Senado, os negócios se deslocaram para que ofertas milionárias e obscuras fossem feitas ao Governo brasileiro, por uma vasta fauna de intermediários: empresários “amigos”, “representantes”, um reverendo e até um cabo da PM.

Podem estar certos de que negócios deste valor não são feitos por funcionários de quarto escalão ou trambiqueiros rastaqueras. Eles podem estar dando a cara aos negócios, mas não são os “big boss”.

Fechar o cerco sobre os falsários da Precisa pode abrir o caminho para que sejam revelados estes esquemas, que são bem maiores do que crê a nossa ingenuidade diante de bandidos.

Tijolaço.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

OS GENERAIS “SUPER BONDER” DA DERROTA, POR FERNANDO BRITO

 

O Brasil não tem mais um Ministro da Defesa, mas um ordenança militar de Jair Bolsonaro no comando das Forças Armadas.

Traduzindo, não há mais um interlocutor político entre o governo e os comandantes das três Armas, mas um ajudante de ordens militar com posição de comando sobre as corporações militares, fazendo de seus comandantes figuras menores, simples aplicadores ou reprodutores de ordens palacianas.

Braga Netto não tem divisões para uma ofensiva que sustente a quebra da institucionalidade.

E quando não se tem forças para avançar, dominar e ocupar, ou não se faz ofensiva ou ela está fadada ao fracasso.

Os militares, que há décadas estudam para aprender, desde o Vietnã, que guerras são ganhas não apenas pelas armas, mas pela opinião pública. Nem mesmo 64 foi um golpe que o ignorasse, e os avós de Braga Netto se serviram de uma mobilização da classe média, da igreja, da imprensa e dos políticos, além de um clima mundial de Guerra Fria que validava tudo o que se poderia chamar de “comunismo”.

É impressionante, portanto, que um alto oficial das Forças Armadas, dominado pelo ódio do bolsonarismo, arrisque – não a si, mas às próprias Forças Armadas – a absorver para a instituição o desgaste de Jair Bolsonaro.

Braga Netto está agindo como uma espécie de “Super Bonder”, colando as Forças Armadas ao atual presidente e vai levá-las ao mais que previsível buraco onde ele vem caindo.

Mas, ainda pior, ameaçando o país, serve, como dizia Leonel Brizola, para “amarrar a vaquinha para outros mamarem”.

E quem mama, claro, é o Centrão que faz deles, afinal, merecedores de um “obrigado, esparro”, porque sem eleição presidencial, não terá também de se expor a eleições parlamentares.

Não é o “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”. Sem eleições, ficam todos.

Tijolaço.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

FACEBOOK DÁ ‘CARTÃO AMARELO” A BOLSONARO E DERRUBA 14 ‘LIVES’, POR FERNANDO BRITO

Demorou, mas afinal o Facebook tomou providências contra Jair Bolsonaro por sua propaganda enganosa sobre efeitos terapêuticos da cloroquina e outras drogas do dito “kit covid’, segundo a coluna de Guilherme Amado no portal Metrópoles, de Brasília.

14 lives presidenciais foram retiradas da plataforma, com a seguinte explicação:

“Após análise cuidadosa, removemos vídeos do canal Jair Bolsonaro por violar nossas políticas de informações médicas incorretas sobre a Covid-19. Nossas regras não permitem conteúdo que afirma que hidroxicloroquina e/ou ivermectina são eficazes para tratar ou prevenir Covid-19; garante que há uma cura para a doença; ou assegura que as máscaras não funcionam para evitar a propagação do vírus”.

Um dos vídeos tinha, também, a participação de Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, que dava seu aval silencioso ao charlatanismo presidencial.

Segundo Amado, “na próxima violação que o presidente cometer, ele sofrerá um strike (derrubada total), ou seja, ficará por uma semana sem poder usar o canal”.

É vergonhoso ara nosso país ter um presidente da República censurado numa plataforma de redes sociais por charlatanismo.

Bolsonaro vai chiar e ameaçar e teria razão de esta censuro tivesse razões políticas, mas não têm, são de ordem de Saúde Pública.

Viramos chacota até nas redes, com um charlatão no poder.

Tijolaço.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

‘SEMIPRESIDENCIALISMO É GOLPE’, DIZ ELIO GASPARI

Temer, que usa seu governo como exemplo, é o garoto propaganda do novo sistema. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Para Elio Gaspari, o semipresidencialismo tão defendido por Michel Temer, nada mais é do que um golpe. O jornalista explicou os motivos em sua coluna na Folha.

O tucanato, responsável pelo envenenamento do regime presidencialista brasileiro ao patrocinar o instituto da reeleição, voltou a namorar com o parlamentarismo. Chamam-no de semipresidencialismo por uma questão de pudor.

Uma experiência fracassada no século passado e rejeitada em dois plebiscitos não bastou para que um pedaço do andar de cima nacional desistisse da ideia.

Nesse namoro juntam-se dois blocos. Num, estão os parlamentaristas sinceros, no outro, aqueles que temem uma vitória eleitoral de Lula. Em 1994, quando ele parecia ser uma ameaça, a revisão constitucional encurtou o mandato do presidente de cinco para quatro anos.

(…)

A maior demonstração de que a proposta é apenas um truque está no fato de o ex-presidente Michel Temer defendê-la, argumentando que praticou-a enquanto esteve no cargo. Ele governou olhando para o Congresso, respeitando os adversários e amortecendo crises.

Se Jair Bolsonaro faz o contrário, o problema não está no regime, mas nele. Quem não quer vê-lo na cadeira poderá votar em outro candidato no ano que vem. Quem não quer ver Bolsonaro nem Lula terá tempo para achar um terceiro nome. Ciro Gomes e João Doria estão na pista.

(…)

A máquina da política brasileira não rateia por causa do presidencialismo, mas pela possibilidade da reeleição. Ela transforma presidentes, governadores e prefeitos em mandatários que assumem as funções obcecados pela recondução.

Fernando Henrique Cardoso já reconheceu que, historicamente, cometeu um erro. Ele dizia não querê-la e, querendo-a, criou-a. Tanto Lula como Bolsonaro combateram a ideia da reeleição. Sentindo o quentinho da faixa, mudaram de ideia.

DCM.

terça-feira, 20 de julho de 2021

BOLSONARO NÃO TEM ADVERSÁRIOS; FABRICA INIMIGOS, DIZ FERNANDO BRITO

Provavelmente não terá consequência prática a ameaça do vice-presidência da Câmara, Marcelo Ramos, de colocar em votação pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro.

Ele pode até pautar a votação, numa ausência circunstancial de Arthur Lira, mas este voltará e “despautará”, colhendo mais alguns créditos (inclusive orçamentários) junto a Bolsonaro.

Mas o que acontece com Ramos não se limita a ele: é cada vez maior o número de parlamentares e lideranças políticas que de “aderentes”, em maior ou menor grau, foram transformados em inimigos.

Rodrigo Maia, claro, foi o maior exemplo, mas Ramos também o ajudou, como presidente da Comissão da Reforma da Previdência.

Se você quiser aumentar a lista, tem um lote: Alessandro Vieira, Omar Aziz, Simone Tebet, sem falar nos governadores eleitos na maré bolsonarista: Witzel, Doria, Eduardo Leite…

Jair Bolsonaro vive disso, da criação de inimigos que, em geral, destrói mas que, no processo, também danifica sua base de sustentação.

Dar apoio a Bolsonaro na Câmara ou no Senado não é a mesma coisa que grudar-se a ele nas eleições que virão em outubro do ano que vem.

Até porque os votos – em número muito menor que em 2018 – Bolsonaro arrastará serão destinados, essencialmente, ao seu grupo de fanáticos e não aos candidatos do PP, PTB, Republicanos, Podemos e outras legendas que se associaram mais fortemente a ele.

Portanto, carregar Bolsonaro em suas chapas não trará grande lucro eleitoral a candidatos a deputados de MDB, DEM e a alguns grupos do “Centrão”. A verbas para obras municipais, a esta altura, já estará lá, não precisa de “sacrifícios” extras.

Bolsonaro, que não tem partido e não parece muito preocupado em ter – saiu do PSL, abandonou a criação do Aliança 38, deixou desandarem os acertos para sua entrada no Patriotas – elegeu 10% do Congresso – 53 deputados – com 46% dos votos no primeiro turno. Com os 23% que lhe dão as pesquisas faria o quê? 23 ou 24, apenas os mais fanáticos e icônicos bolsonaristas. O baixo-clero não cabe nesta cota.

Não parece provável a hipótese que Bolsonaro arraste votos na próxima eleição na mesma proporção que os carregou em 2018.

Tijolaço.

A MAMATA VESTE FARDA? QUEM SÃO OS MILITARES COM MULHER E FILHOS EMPREGADOS NO GOVERNO FEDERAL

Contratações para cargos de confiança e promoções-relâmpago com aumento salarial são rotina para aliados de Bolsonaro.

Governo Bolsonaro e suas relações com os militares levaram a uma crise de imagem das Forças Armadas - Marcos Corrêa/PR

Pelo menos sete filhos, filhas, pai, irmãos e parentes em geral de militares com cargos no primeiro escalão do governo federal foram nomeados a cargos públicos de confiança da administração federal desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), em janeiro de 2019.

No último dia 9, o Brasil de Fato publicou reportagem que mostra dez casos de suspeita de corrupção e crimes envolvendo militares ligados aos Bolsonaro que foram denunciados desde 2019, quando o ex-capitão do Exército assumiu a Presidência da República: 

Publica-se, agora, a lista de contratações do governo Bolsonaro que beneficiam ou beneficiaram parentes de militares.

No início da tarde da última segunda-feira, o Brasil de Fato entrou em contato com o Exército Brasileiro a com o Ministério da Defesa, a quem estão subordinadas as três Armas nacionais. A reportagem questionou se existe algum tipo de protocolo ou procedimento interno para o preenchimento de vagas de confiança no Poder Executivo por parte de parentes militares que ocupam o primeiro escalão.

Questionou também se o Exército ou a Defesa teriam algo a comentar sobre as contratações citadas nesta reportagem. Ate a sua publicação, não houve resposta. Caso as autoridades se manifestem, as informações serão colocadas nesta página. 

1 - A filha de Eduardo Pazuello que precisava de auxílio emergencial e foi contratada por Marcelo Crivella.

Presidente Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, general da ativa que ocupou o cargo de ministro da Saúde: a filha do militar precisava de auxílio emergencial, mas tinha currículo para ser contratada pela prefeitura do Rio / Evaristo Sa/AFP

No dia 23 de julho de 2020, Stephanie Santos Pazuello, filha do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi nomeada para o cargo de supervisora da Diretoria de Gestão de Pessoas da Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S.A, a RioSaúde, com salário bruto (sem contar gratificações) de R$ 7.171.

À época, o prefeito da capital fluminense era Marcelo Crivella (Republicanos). Ele concorria à reeleição com o apoio de Jair Bolsonaro. O cargo de confiança foi franqueado pela secretaria da Casa Civil da prefeitura. O município, então, ao ser questionado sobre a contratação, afirmou em nota que "Stephanie Pazuello não foi contratada por seu parentesco com o ministro e sim por sua experiência na área e por sua formação em administração".

Se a justificativa municipal corresponde à verdade, fato é que os atributos profissionais da filha do general que explicariam a contratação, por alguma razão, não resultavam em sucesso financeiro, pelo contrário.

Tanto é assim que, no dia 30 de julho de 2020 (sete dias após sua nomeação na prefeitura do Rio), o nome de Stephanie constava em lista do governo federal como solicitante do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e pessoas de baixa renda para diminuir o impacto econômico da epidemia causada pelo novo coronavírus.

A informação consta nos sites da Dataprev, Caixa Econômica Federal e Portal da Transparência, e foi publicada na época pelo jornal O Globo.

O nome da filha de Pazuello chegou a ser aprovado pelo governo para receber o auxílio, mas o valor não foi liberado porque os sistemas detectaram inconsistências em seu cadastro.

2 - A filha do general Braga Netto que se formou em design e foi

 nomeada para ser gerente da Agência Nacional de Saúde

O ministro da Casa Civil, general Braga Netto (esq), o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro / Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Também em julho de 2020, uma semana antes da contratação da filha de Pazuello pela prefeitura do Rio, Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto, filha do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, foi indicada para um cargo de gerência na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com salário bruto de R$ 13 mil.

Ela se formou em design em uma faculdade privada do Rio em 2016 e já havia tentado uma vaga no Exército antes de obter o cargo na ANS, mas fora reprovada. Com a indicação de julho de 2020, ocuparia a gerência de Análise Setorial e Contratualização com Prestadores, que trata da relação entre ANS, planos de saúde e prestadores de serviços, como hospitais. Jamais havia trabalhado na área.

A indicação de Isabela, porém, gerou intensa repercussão negativa, uma vez que, procurada por órgãos de imprensa quando o caso veio à tona, a ANS não soube explicar os motivos que levaram à contratação da filha do ministro.

"No dia de hoje, recebi a informação que a candidata desistiu de participar do processo de nomeação, embora tenha atendido todos os requisitos para o cargo", informou o diretor de desenvolvimento setorial da ANS, Rodrigo Rodrigues de Aguiar, no dia 22 de julho do ano passado.

3 - O filho do general e vice-presidente Hamilton Mourão que teve o salário triplicado assim que o pai foi empossado

General Hamilton Mourão (esq) e Jair Bolsonaro: militares na cúpula do Poder Executivo / Agência Brasil

No dia 8 de janeiro de 2019, uma semana após a posse de Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão como presidente e vice da República federativa do Brasil, o filho do segundo, Antonio Hamilton Rossell Mourão, foi promovido a assessor especial do presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, que, por sua vez, assumira o cargo no dia anterior, 7 de janeiro. 

Antes, ele era assessor empresarial da área de agronegócios do banco, com salário de R$ 12 mil. Com a mudança de cargo, sua remuneração mensal triplicou, indo a R$ 36 mil. O filho do general trabalhava no banco havia 18 anos, e jamais recebera uma promoção que elevasse seu salário - de uma tacada só - a um patamar sequer 50% maior ao anterior. O salto que o filho do vice deu na carreira bancária após a nomeação do pai foi de três degraus de uma vez na carreira, algo inédito em seu desempenho até então.

O caso veio à público na época, e o vice-presidente apresentou uma explicação: ele disse que seu filho foi escolhido pela competência e que ele já devia ocupar um cargo de destaque na instituição há mais tempo, mas vinha sendo boicotado "pelas administrações petistas" do governo federal.

Dois dias depois, no entanto, o site Congresso em Foco publicou reportagem demonstrando que o filho do vice havia sido promovido oito vezes ao longo dos governos Lula e Dilma (2003-2016), em ascensão regular da carreira. Procurado, Mourão não comentou o desmentido.

4 - A filha do general Villas Bôas que é assessora de Damares e ganha R$ 10 mil por mês

Desde novembro de 2019, Adriana Haas Villas Bôas, filha do general Eduardo Villas Bôas - ex-comandante do Exército, portador de uma doença degenerativa que o mantém sem movimentos em uma cadeira de rodas, mas que ainda assim é assessor especial da Presidência e por isso recebe R$ 13,6 mil por mês, fora a aposentadoria por ser general -  está lotada como assessora do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, na Coordenadoria-geral de Pessoas com Doenças Raras. Salário: R$ 10,4 mil mensais.

Ela é formada em direito e, segundo o ministério que a emprega, foi contratada por sua competência, e não por seu parentesco. A pasta também informa que a filha do general "exerce sua função adequadamente" em Brasília.

5 - O comandante da Marinha que tem o filho e a esposa empregados em cargos de confiança 

De branco, o comandante da Marinha do Brasil, Almir Garnier Santos, no dia 9 de abril deste ano, data de sua posse no cargo / Agência Brasil

O almirante de esquadra e comandante da Marinha do Brasil, Almir Garnier Santos, tem um filho empregado na Emgepron, uma estatal vinculada à Marinha e sua esposa contratada em cargo comissionado na Presidência da República.

Selma Foligne Crespio de Pinho, especialista em computação, se aposentou na Marinha em abril de 2019. Em novembro do mesmo, ano foi contratada pelo governo de Jair Bolsonaro em um cargo comissionado de assessora na Secretaria-Geral da Presidência. Em junho do ano seguinte, foi promovida a diretora de Estratégia, Padronização e Monitoramento de Projetos, cargo com salário bruto de R$ 29,5 mil.

Já o filho do almirante, o advogado Almir Garnier Santos Júnior, recebe R$ 10,9 mil mensais da Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), estatal vinculada à Marinha. Segundo a empresa, sua nomeação a um cargo de confiança não guarda qualquer relação com seu parentesco com o atual chefe da Armada brasileira. 

6 - O filho de general que era estagiário e foi nomeado para cargo de R$ 11 mil

Alcides Valeriano de Faria Júnior,  / Reprodução/Exército Brasileiro

O general de Brigada Alcides Valeriano de Faria Junior foi indicado, no início do governo de Jair Bolsonaro, para ocupar o cargo de subcomandante de interoperabilidade no Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, algo inédito na história do Exército Brasileiro.

Menos de um ano depois, outro ineditismo veio a ocorrer com um membro da mesma família. O filho do general, o jornalista então recém-formado Lucas Faria, passou de estagiário da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) para um cargo por indicação de assessoria da emissora com salário de R$ 11 mil. 

De acordo com a tabela de remuneração da estatal, um jornalista que ingressa por meio de concurso público na EBC, sem indicação, recebe um salário inicial de R$ 7 mil a menos que o filho do general. 

7 - O coronel que ganhou cargo na Petrobras e é pai do servidor que fez relatório falso sobre a covid no TCU

Alexandre Figueiredo Costa e Silva Marques, servidor do TCU: ele produziu relatório falso sobre dados da covid depois que seu pai - um coronel - ganhou cargo na Petrobras / Arquivo pessoal

O pai do servidor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques – investigado no Tribunal de Contas da União (TCU) por produzir um relatório falso que questionava o número de mortes por covid-19 no país – ganhou cargo na Petrobras durante a atual gestão do governo federal.

Seu nome é Ricardo Silva Marques, coronel do Exército Brasileiro. O militar foi nomeado gerente-executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras em abril 2019. O coronel aposentado serviu junto com Jair Bolsonaro em brigada paraquedista do Exército Brasileiro, e são amigos desde então.

Vivian Viríssimo – Brasil de Fato.