Foto Montagem
Peça 1 – a jabuticaba brasileira do
Ministério Público
Quando a
Constituição de 1988 conferiu autonomia ao Ministério Público Federal, não
ocorreu a ninguém indagar: qual a razão dos Estados Unidos, modelo maior do
Brasil desde Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa, não ter adotado esse modelo,
mantendo o MPF diretamente atrelado ao Presidente da República – que tem
poderes para nomear e demitir todos os procuradores a qualquer momento, sem
consultar ninguém.
Simplesmente
porque, com prerrogativas de acusar, de quebrar sigilos, de solicitar prisões,
se fosse autônomo o Ministério Público se tornaria um poder à parte, sem ter
sido votado.
Há pouco,
aconselhado pelo seu Procurador Geral, o presidente Donald Trump demitiu o
diretor do FBI, James Comey (https://goo.gl/D6h6zy).
Resguardou-se o poder da Presidência que, polêmico ou não, foi fruto de uma
eleição popular.
Comey foi
demitido.
Segundo o
procurador Vladimir Aras (pelo Twitter), responsável pela cooperação
internacional do MPF, as razões da demissão foram:
· Comedy
foi acusado de divulgar indevidamente informações depreciativas sobre pessoas
investigadas, violando regras do Departamento de Justiça.
· Quem
decide se haverá entrevista sobre um caso criminal sob investigação é o
“Attorney General”, não o FBI.
· Usurpou
atribuições do MPF (que, nos EUA, é atrelado diretamente à presidência da
República).
Mas, como
diz o insigne Luís Roberto Barroso, o Brasil é uma vergonha porque tem
empregada doméstica que não quer carteira de trabalho para continuar recebendo
do Bolsa Família.
Peça 2 – os freios e contrapesos na
democracia brasileira
Ao atrelar o
Ministério Público à Presidência, os Estados Unidos preocuparam-se
fundamentalmente com a governabilidade.
No dia em
que for contada a verdadeira história da Lava Jato, se verá com nitidez como
toda a arquitetura institucional brasileira, fruto da Constituição de 1988,
veio abaixo pelo fato do MPF ter ficado solto como um canhão no convés de um
navio exposto a uma tempestade.
Três
episódios explicam o desmanche dos freios e contrapesos no Brasil.
Episódio 1 – o PGR Rodrigo Janot
Quando se
ampliou o tiroteio da Lava Jato, o presidente do Banco do Brasil Aldemir
Bendine alertou o governo de que a suspensão do crédito às empreiteiras
promoveria sua quebradeira. Foi em fins de 2015.
Houve uma
reunião entre Ministros de Dilma e o Procurador Geral da República (PGR)
Rodrigo Janot, visando acelerar um acordo de leniência que não impedisse as
punições aos infratores, mas preservasse as empresas.
Na reunião
ficou acertada um encontro com a torça tarefa da Lava Jato, na qual os técnicos
do Banco do Brasil expusessem a situação. Antes da reunião, no entanto, vazaram
para a força tarefa informações distorcidas do encontro, dando conta de que o
acordo havia sido selado com advogados das empreiteiras.
Imediatamente
houve a reação, comandada pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (https://goo.gl/Uwq5rT), acenando com a ameaça
de demissão coletiva da forca tarefa. Foi o momento de corte, em que Janot
mudou completamente.
De cara,
tornou-se mero caudatário da Lava Jato. Com o tempo, radicalizou e tentou
surfar nas ondas da Lava Jato com manifestações irresponsáveis de poder – como
o de ordenar a prisão de três senadores da República.
A ameaça de
demissão passou a ser invocada pela Lava Jato para qualquer tema, contra a lei
do abuso. (https://goo.gl/MhpWxD), contra
as mudanças nas 10 medidas (https://goo.gl/eLnm8t).
Quando
assumiram o controle dos acordos de leniência, os bravos procuradores
curitibanos passaram a defende-los. Uma disputa de poder que custou 650 mil
empregos.
Episódio 2 – Fachin, o que tinha lado
O segundo
episódio foi na votação da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)
378, sobre o processo de impeachment, também em dezembro de 2015. A relatoria
era do Ministro Luiz Edson Fachin.
Até então,
ele se apresentava como o mais alinhado dos Ministros com o governo. Tinha o
hábito de bater no peito e repetir que "eu tenho lado", referindo-se
ao seu histórico de alinhamento com posições de esquerda.
Havia quase
um consenso de que os demais Ministros acompanhariam o voto do relator. Na
véspera da votação, chegaram sinais de que Fachin havia surpreendentemente
mudado de opinião. Na última hora, Luís Roberto Barroso elaborou uma segunda
opinião, que acabou sendo vitoriosa na sessão.
Episódio 3 – Barroso, o garantista
que virou penalista
Foi o
momento de maior brilho de Barroso no Supremo (https://goo.gl/HYBZE9).
E o último. No próprio episódio Fachin, Barroso alertou que seria a última vez
que arriscaria o pescoço para deter a escalada do golpe.
De fato,
dali em diante Fachin e Barroso se tornariam os penalistas mais intransigentes
do Supremo, defensores da Lava Jato e do estado de exceção, a ponto de Fachin
negar habeas corpus em um caso de clara prisão política de integrante do MST. E
Barroso abandonar a doutrina para se tornar um brasilianista de terceira,
repisando clichês sobre as supostas tendências malandras do brasileiro comum –
não do Judiciário - e defendendo o estado de exceção..
Peça 3 – a grande Noite da Taverna
As
discussões de taverna entre o PGR Janot e o Ministro Gilmar Mendes desvendaram
um pouco o véu das intrigas brasilienses e da falta de transparência do
Judiciário.
Vamos a um
exercício teórico.
1. Descrevo
alguns episódios recentes envolvendo os principais atores da Lava Jato.
2. Depois,
vamos criar uma “teoria do fato” para cada um deles.
Por tal,
aplicar neles o método de investigação do MPF. Assim que julgam dispor de
evidências suficientes, os procuradores definem uma hipótese de trabalho – a
tal “teoria do fato” (não confundir com a teoria do domínio do fato)
- e passam a selecionar todas as provas e evidências para comprovar a teoria
inicial.
Movimento 1 – Gilmar contra Janot
A reportagem
da Folha sobre as inconsistências das denúncias da PGR no caso Lava Jato (https://goo.gl/K5qqPh) tem todas as
digitais do Ministro Gilmar Mendes. Levanta as inconsistências contra seus
aliados – Marconi Perillo, Geraldo Alckmin, Paulo Preto, Aloysio – e
coloca um peixe menor do PT no pacote – Edinho Silva.
A força
tarefa convocada para atuar junto à PGR é composta por procuradores não
especializados em casos criminais e as denúncias já haviam sido bastante
criticadas pelo falecido Teori Zavascki.
Mas é
evidente que Gilmar se pronunciou apenas quando a água bateu no nariz de seus
aliados.
Movimento 2 – Janot contra Gilmar
Gilmar tem
uma penca de pecados mortais como Ministro – a denúncia de Janot me ajudará nas
ações que Gilmar me move. E o trabalho de sua esposa no escritório Sérgio
Bermudez é o menor dos problemas. Sua Universidade montar seminários tendo como
patrocinadores grupos com ações no Supremo – com muitas ações tendo Gilmar como
relator – é pecado muito mais grave.
No entanto,
a agressão de Janot a Gilmar no caso Eike é absolutamente fora de padrão,
afrontosa. Não pelo mérito em si, mas pelo modo como aconteceu. Impedimento ou
suspeição se argui antes, e não depois da coisa julgada, pedindo a nulidade do
ato.
Movimento 3 – Gilmar contra Janot
Hoje, Gilmar
voltou a atacar (https://goo.gl/sciqQg) com
a precisão de sempre. E sobrou para o Ministro Fachin, não citado nominalmente:
“Quem fica com medo de pressão e xingatório ou age para agradar a opinião
pública, sabedor de que de fato a matéria justifica uma outra decisão,
obviamente não está cumprindo o seu dever”.
A segunda
estocada foi através de blogueiros alinhados com ele, mostrando que Letícia
Ladeira Monteira de Barros, filha de Janot, advogada para a OAS e para a
Brasken, empresas investigadas pela Lava Jato.
Letícia atua
na área de direito de concorrência e fez uma carreira fulminante. Segundo o
Escavador, Letícia terminou em 2007 o ensino médio no Colégio Marista de
Brasília (https://goo.gl/eUl9GP). Supondo
que tivesse 17 anos na época, hoje teria 27 anos, tendo como clientes duas das
mais cobiçadas contas do país. É uma das jovens advogadas mais bem-sucedidas da
atualidade.
No final do
dia, Gilmar cedeu lugar a Sérgio Bermudes – do escritório onde trabalha sua
esposa – que, data vênia, rodou a beca e reeditou o padrão Janot x Gilmar de
alto nível, taxando Janot de “ignorante, sicofanta, inescrupuloso,
irresponsável” (https://goo.gl/LmnJ9j).
Até agora,
nenhum dos lados botou a mãe no meio.
Movimento 4 - O caso Marcelo Miller
Membro da
força tarefa da Lava Jato, o procurador Marcelo Miller abandonou a carreira e
se mudou para o prestigioso escritório Trech Rossi Watanabe que atua na defesa
da SAAB-Scania no caso da licitação FX da FAB. Detalhe: no MPF, Miller foi o
principal procurador no processo sobre a FX.
Antes disso,
Miller atuou na Operação Norbert – que identificou contas da família de Aécio
Neves em Liechtenstein.
A primeira
notícia sobre o caso foi dada pelo GGN, no dia 2 de janeiro de 2015 (https://goo.gl/kd7LeA). Investigações da
Polícia Federal constataram crimes de evasão de divisas, ocultação de
patrimônio e evasão fiscal (https://goo.gl/UI8dPo).
O caso foi arquivado pelo próprio MPF no Rio. Alegou-se ser inviável apurar a
existência da conta, devido ao sigilo imposto por Liechtenstein. O parecer de
Janot acatou sem discutir o parecer dos procuradores.
O procurador
Rodrigo Poerson – que determinou o arquivamento – é o mesmo que analisou o caso
de sonegação da Globo e o desaparecimento do inquérito da Receita Federal (https://goo.gl/3Ppdro). Até hoje não se sabe
o destino desses inquéritos.
Em sua
página no Linkedin, Miller salienta seu impressionante currículo, de ter
participado da Lava Jato.
Movimento 5 - O caso Ricardo Soares
Leite https://www.facebook.com/wadihdamous/videos/869879153149845/
No final do
dia, o juiz Ricardo Soares Leite, do Distrito Federal, ordenou o fechamento do
Instituto Lula. Em agosto do ano passado, foi acusado pelo Ministério Público
Federal de obstruir as investigações da Operação Zelotes (https://goo.gl/PkXUgC)
Procuradores
entraram com dois processos contra o juiz, junto ao CNJ (Conselho Nacional de
Justiça). O primeiro solicita uma correição na 10aVara Criminal do DF. O
segundo pede são suspeição do juiz (https://goo.gl/fdcLvI).
A
corregedora Nancy Aldrighi arquivou um pedido do deputado Paulo Pimenta (PT),
mas nada se sabe do pedido do MPF (https://goo.gl/808Ebh).
Peça 4 – a teoria do fato nos casos
mencionados
Vamos agora,
ao nosso jogo.
Suponha,
caro leitor, que você seja o procurador; e os personagens mencionados sejam os
inimigos políticos seus e da mídia. Esqueça direito de defesa, presunção de
inocência e vista a camisa de um bravo procurador da Lava Jato.
Movimento 1 – Gilmar contra Janot
Aí, é um
caso de avaliação de competência. Passe.
Movimento 2 – Janot contra Gilmar
Faça um
escrutínio completo em todas as ações no Supremo de interesse de patrocinadores
do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), de propriedade de Gilmar.
Selecione todas aquelas em que Gilmar foi relator e levante os votos dados em
favor do patrocinador.
Pouco
importa se o voto é bem fundamentado ou não, ou se existem votos contrários aos
interesses do patrocinador. Basta um caso apenas para ser condenado, pela
teoria do fato:
· Fator
de suborno: sentenças favoráveis ao subornador.
· Contrapartida:
patrocínios nos eventos do IDP.
Longe de mim
imaginar que Gilmar vá se vender por um mero patrocínio. Uso o exemplo para
ilustrar como os métodos da Lava Jato, aplicados nos próprios personagens do
jogo, não deixariam um em pé.
Movimento 3 – Gilmar contra Janot
Uma teoria
do fato enviesada poderia armar a seguinte hipótese de trabalho contra o
Procurador Geral.
· Fator
de suborno: a aceitação da delação da Odebrecht.
· Contrapartida:
a contratação da filha de Janot como advogada.
Ou, no caso
da OAS:
· Fator
de suborno: a resistência em aceitar a delação da OAS.
· Contrapartida:
a contratação da filha.
Não custa enfatizar.
Não há nenhum elemento ou mero indício que endosse essa suspeita. A moça
estudou nos Estados Unidos e, provavelmente, tem os méritos necessários para o
sucesso profissional.
Mas se Janot
fosse o “inimigo”, seria assim que o estilo Lava Jato procederia.
Movimento 4 – o caso Marcelo Miller
A ação
aberta contra a Saab-Scania é uma extravagância. Qualquer pessoa minimamente
informada sabe que o processo de seleção passou pelo crivo da Aeronáutica e de
outras instâncias das Forças Armadas.
Mas, se eu sou
Lava Jato, e o Marcelo é o inimigo, monto rapidamente minha teoria do fato:
· Fator
de suborno: uma ação sem pé nem cabeça contra uma multinacional.
· Pagamento:
o pai da ação ser contratado para comprovar que a ação não tem pé nem cabeça.
Movimento 5 – o caso Ricardo Soares
Leite
Os advogados
que atuam com ele garantem que o juiz é um garantista – o juiz que coloca os
direitos individuais acima das conveniências da investigação.
Obviamente,
esse álibi perde força quando o juiz ordena o fechamento do Instituto Lula, sob
a alegação de que lá aconteceram reuniões fora dos propósitos do Instituto. É
tão sem nexo o argumento, que permite voltar as dúvidas sobre o juiz.
Mas a teoria
do fato, caso o juiz fosse “inimigo”, funcionaria assim:
· Fator
de suborno: dificultar as investigações da Zelotes.
· Pagamento:
não sei, mas o juiz deve saber.
Conclusão
Ninguém da
Lava Jato escaparia se a tal teoria do fato fosse aplicado em seus próprios
atos, com a discricionariedade com que aplicam nos seus “inimigos”.
Do GGN