Quem leu a notívaga mensagem de despedida de Janot aos
colegas pôde até se convencer de que ele nada tem a ver com o estado de caos
que deixou no País, tal a força das palavras que usou, com a mesma prosódia de
seu patético “Corrupção, Nãããão“, chororô com que se lançara na campanha de
destruição da democracia no País.
Mas, em verdade, os “larápios egoístas e escroques ousados”
estão no poder porque ele deixou. Talvez sua vaidade lhe ofuscou a vista.
Pensar assim é menos grave que lhe apontar protagonismo no golpe de 2016. Foi,
porém, sua omissão imprópria que permitiu a Temer e sua turma praticar o maior
arrastão de que se tem notícia na história política do Brasil.
Vamos recapitular, Dr. Janot?
Para começar, o Sr. não foi escolhido PGR porque foi o
primeiro da lista, mas porque prometeu acalmar o País, então sob forte comoção
de uma ação midiática em torno da Ação Penal 470-DF, do STF, o chamado processo
do “mensalão”. O Sr. criticava fortemente seus antecessores, por atuação que
entendia politiqueira, a começar pelo caso de José Genoino, que, no seu próprio
entender, tinha sido condenado por um jogo de conveniências, de forma injusta.
O Sr. prometeu atuação mais discreta, equilibrada e com esforço de manter
íntegras as instituições. O Sr. prometeu diálogo permanente com os atores
políticos do Congresso e do governo. O Sr. prometeu desfazer injustiças
cometidas pelo açodamento midiático do ministério público. Foi por isso que foi
escolhido.
O Sr. sabe muito bem que a balança, na indicação, pendia mais
forte para Ela Wiecko, pessoa com comprovado compromisso com as causas sociais
e com severas restrições, abertamente expostas ao debate acadêmico, ao
punitivismo moralista. O Sr. sabe que, até o dia em que foi formulado o convite
a si, Ela Wiecko era candidata tão quanto ou mais forte que o Sr. Nada valia
seu boquirroto primeiro lugar na lista e, sim, a palavra por mim empenhada aos
interlocutores da Senhora Presidenta da República de que o seu era o melhor
nome.
O que ninguém podia imaginar – e muito menos eu, que o
conhecia há quase trinta anos e sempre o tive como parte de um projeto
democrático de defesa do Estado de Direito – era que o Sr. estava praticando
propaganda enganosa, com único fim de ser escolhido e colocar uma cerejinha no
chantilly de seu currículo pífio. A vaidade é um sinal da fraqueza que acaba
por contaminar qualquer propósito ético ou político. E o Sr. se revelou por
quatro anos um fraco.
Mal instalado na cadeira de PGR, pede a prisão de José
Genoino, quem sabia inocente e a quem prometera proteger, se o caso fosse, até
o abrigando em sua casa. Mas não foi só isso. Revelou-se, em almoço festivo na
sua casa, agastado, de público, com a repercussão midiática de minhas
entrevistas como seu Vice-Procurador-Geral Eleitoral. Tinha medo de que lhe
fizesse sombra. Não foi preciso. Sua mediocridade o colocou na sombra.
O que se deu a partir de março de 2014 é bem conhecido do
País. Com o início da Operação “Lava Jato”, o Sr. ensaiou o contraponto. Tentou
conversar e buscou preservar ativos de empresas em risco. A turma de
Curitiba deu piti. Ameaçou o escândalo midiático com o Sr. no Centro. O Sr. foi
dominado pela paúra, né? Enfrentar adversidades não parecia ser seu forte.
Viajou para os Esteitis só com seus lambisgóias, vetando a
participação da União e do executivo federal.
Uma extensa agenda de órgãos do governo americano o esperava.
E o Sr. não queria aqueles a bordo, que teria que entregar. O governo
brasileiro. Voltou de lá e já não queria papo sobre preservação de ativos:
“Isso é muito maior do que nós!”, me advertiu. Nós quem, cara pálida? Só se o
Sr. se vê tão pequeno, que não é capaz de lutar contra os que querem afundar a
Pátria! Tamanho é relativo. Prefiro ser o Davi a enfrentar Golias.
Mas o Sr. não. Preferiu esconder sua fraqueza no moralismo
tacanho que faz sucesso neste País dominado pela falta de ideias e de ideais. “Corrupção,
Nãããão” – dããã! Faltava só o sorvete na testa. Como o impulso agora era seguir
a manada no seu estouro contra as instituições, passou a fustigar a Presidenta
que o nomeou no esforço de pacificação nacional. Traiu sua missão. Cruzou os
braços diante do mais descarado processo de quebra da constitucionalidade, o
impeachment sem crime. “Matéria interna corporis”. E o País que se dane.
“Nu d’eis é bom. Nu meu não”, seu bordão pusilânime.
E quando Moro praticou o crime de vazar gravações ilícitas, o
Sr. se calou. Mais adiante, prestes a ser votada a admissibilidade do
impedimento no Senado, o Sr. mandou instaurar um inquérito contra a Presidenta
por fato pífio e sem lastro probatório: a nomeação do colega Marcelo Navarro
para o STJ, que, segundo Delcidio do Amaral, teria sido escolhido para abafar a
responsabilidade da Odebrecht. Ora, ora. O Sr. devia saber da inverdade dessa
falsa delação. O Sr., tanto quanto eu, conhecia bem Marcelo, pessoa corretíssima,
de conduta ética irreprochável. Tanto que o Sr. pediu por ele. Pedir pela
indicação então é republicano e atender o pedido é criminoso? Explique-me isso.
Mas o motivo de instaurar o inquérito, calçado na palavra de um escroque, era
útil para destituir Dilma Rousseff. E a partir daí veio o caos que nos
transtorna até os dias de hoje.
O Sr., internamente, se cercou de uma corriola, de gente que
o adulava interesseiramente e o tornava impermeável a outras opiniões. Vocês se
mereceram, o Sr. e seu “grupo de colegas”, que excluíram os demais. A patotinha
“neo-tuiuiú”, que foi o desastre de sua administração. Quase todos foram
promovidos por “merecimento” em detrimento de muitos outros valiosos
procuradores mais antigos. Preferiu a opinião dos verdes ativistas à dos
maduros serenados. E se submeteu a essa opinião. Sei que o Sr. mal lia o que
assinava. Deixava tudo para seu “Posto Ipiranga”, seu chefe de gabinete,
resolver. E, geralmente, resolvia de forma conspirativa, vendo inimigos para
todos os lados. A vaidade foi dando lugar à paranoia.
Mas, cá para nós, suas peças processuais eram de qualidade
duvidosa. Teori Zavascki, de saudosa memória, já o notava. Seu “Posto
Ipiranga”, pelo jeito, era tão pouco Ipiranga, quanto o Sr. era o homem público
que prometera ser. Lembro-me de um mal escrito parecer que queria que eu
assinasse em sua substituição, no habeas corpus impetrado por Marcelo
Odebrecht. Abundavam os adjetivos, as frases feitas, as muletas de linguagem e
os clichês. Liguei para o Sr., avisando que não subscreveria a pérola na forma
em que estava redigida. Dei-lhe a opção: aguardar seu retorno, para o Sr. mesmo
assinar ou refazer a peça. Comprometi-me, por lealdade, a não alterar a
conclusão, mas não teria como assinar um parecer daquele jeito. O Sr. preferiu
que eu corrigisse. E assim foi feito. Só com supressão de adjetivos e frases
feitas o parecer perdeu quase metade de sua extensão.
Mas essa turminha de colegas foi bem remunerada para fazer
sua corte. Dez diárias mensais ou auxílio moradia com função comissionada, com
redução a 20% do volume de trabalho no ofício de lotação. Melhor do que isso só
a vida do Moro, que tem exclusividade para os feitos da tal “Lava Jato” para
poder passear mundo afora a fazer campanha de si mesmo. E ainda ganha diárias e
honorários de conferencista. Para vocês, este País é uma piada. Para
outros, a maioria, é exclusão e sofrimento.
Blasé. Rempli de soi même. É nisso que o Sr. se
converteu. Um bufão que nada entende e nunca entendeu de direito penal a
subscrever palpites que os outros redigiram para si. Mas a farmácia no gabinete
ia muito bem, com uns bons goles para refrescar sua vaidade.
A melhor coisa, depois de tanta parvidade desastrosa para o
País, depois de tanto amadorismo dourado em combate à corrupção, era o Sr. sair
calado. Em boca fechada não entra mosca. Mas não, esqueceu-se que agora já não
passa de um subprocurador da planície e, com o biquinho dos despeitados, não
aceitou ser convidado, como todos, por meio eletrônico. Insistiu na majestade
perdida. Sua pequenez, até na saída, chegou a ser assustadora.
Dr. Janot, sei que não é fã do Evangelho, mas nele há muita
sabedoria. Talvez devesse lê-lo. Mire-se em Lucas 14:7-14, na parábola dos
primeiros lugares (Lc 14:7-14).
“7 Reparando como os convidados escolhiam os primeiros
lugares, propôs-lhes uma parábola:
8 Quando por alguém fores convidado para um casamento, não
procures o primeiro lugar; para não suceder que, havendo um convidado mais
digno do que tu,
9 vindo aquele que te convidou e também a ele, te diga: Dá o
lugar a este. Então, irás, envergonhado, ocupar o último lugar.
10 Pelo contrário, quando fores convidado, vai tomar o último
lugar; para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, senta-te mais
para cima. Ser-te-á isto uma honra diante de todos os mais convivas.
11 Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se
humilha será exaltado.”
Palavras do Senhor.
PS. Adorei ver o Sr., no seu voo de férias para Portugal, na
boa companhia de Gilmar Mendes, de quem o Sr. dizia manter conflito meramente
pessoal comigo. Deve ter sido um deleite para todos os passageiros experimentar
essa coincidência cáustica. O Diabo sabe para quem aparece. E o Sr. está muito
bem na foto em classe executiva. Sempre disse que procuradores da república são
a categoria mais bem paga do Brasil. Poderia fazer um filme sobre suas “Vacances
de M. Janot” – e o nome do filme seria “Incendiou o País e saiu
de férias”.
Do DCM